Funcionalismo federal: diferença salarial chega a 580%
Discrepância na folha de pagamento federal é reflexo do que já se
verifica na iniciativa privada
A divulgação dos
salários de todos os servidores públicos do Executivo federal, que
começou nesta semana por força da Lei de Acesso à Informação, revelou
o tamanho da discrepância entre as remunerações de diferentes áreas.
Embora em toda campanha eleitoral candidatos apregoem nos palanques
que ensino e saúde são prioridades do país, isso não se reflete na
estrutura salarial do funcionalismo federal. Entre as carreiras de
nível superior, ninguém recebe tão pouco quanto professores e médicos.
As diferenças chegam a 580% quando se compara o salário inicial de um
professor auxiliar universitário ou de escolas técnicas em início de
carreira, com 40 horas semanais, com o de um advogado da União com
mesma carga horária: o primeiro começa com R$ 2,2 mil; o segundo, com
R$ 14.970. Essa discrepância na folha de pagamento federal é um
reflexo do que já se verifica na iniciativa privada.
Esse mesmo
advogado chega ao setor público ganhando 368% a mais que um médico
federal de início de carreira, que tem salário de R$ 3,2 mil. O GLOBO
fez levantamento dos salários de todas as carreiras de nível superior
do serviço público federal — do Executivo, do Legislativo e do
Judiciário. Na elite do Executivo estão carreiras como delegado da
Polícia Federal, perito criminal, advogado da União, procurador
federal, auditor fiscal da Receita e diplomata. Todos têm salários
iniciais a partir de R$ 13 mil e no fim da carreira os vencimentos
passam dos R$ 18 mil, isso sem contar gratificações.
O levantamento
dessas discrepâncias salariais dentro da área pública dá continuidade
à reportagem deste domingo do GLOBO que mostrou que funcionários do
setor público ganham, em média e por hora trabalhada, mais que os do
setor privado formal em 87,8% das ocupações. Levantamento feito pelo
jornal, a partir do Censo 2010, sinaliza que , em 338 empregos em que
foi possível comparar as duas áreas, em 297 o serviço público pagava
melhor.
Um professor de
universidades ou de escolas federais, como Cefet e Pedro II (Rio), que
trabalhe 40 horas por semana, recebe salário inicial de R$ 2.215,54 e
no fim da carreira, com cursos de doutorado, pode chegar a R$
5.918,95. Caso tenha dedicação exclusiva à universidade ou à escola
federal, seus vencimentos começam em R$ 2.872,85 e podem chegar ao fim
da carreira, após doutorado, a R$ 12.225,25.
Situação
semelhante é vivida pelo médico federal. De acordo com o Boletim
Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, o médico que
trabalhe 40 horas semanais ingressa na carreira recebendo R$ 3.225,42
e chega no fim da carreira com R$ 5.650, fora as gratificações.
Em termos
salariais, ‘o Senado é o céu’
Bem próximo deles
na rabeira dos salários do funcionalismo está outra carreira vista
como decisiva para o futuro do país, a de pesquisador. Os
tecnologistas e analistas em gestão de pesquisa em Ciência e
Tecnologia recebem salários iniciais de R$ 4.549,63 e no fim da
carreira, com doutorado completo, podem chegar a R$ 14.175,82.
Se a diferença
dentro do Executivo já impressiona, quando se comparam esses salários
com os dos outros poderes, ela se torna aterradora. Salários de nível
superior na Câmara começam em R$ 11.914,88 e chegam a R$ 17,352,53
para especialistas em técnica legislativa, analistas de informática,
consultores, jornalistas e taquígrafos.
Mas, como já
dizia Darcy Ribeiro, o Senado é o céu. Lá, os concursados de nível
médio, como policiais legislativos, ingressam no serviço público
recebendo R$ 13.833,64. Já os salários de nível superior, voltados a
analistas legislativos, gestores, médicos e jornalistas, começam em R$
18.440,64 e chegam a R$ 20.900,13 no fim da carreira.
O topo da
burocracia nacional, no entanto, são os advogados e consultores do
Senado. O salário inicial dessas carreiras é de R$ 23.826,57 e chega a
R$ 25.003,21. Esses vencimentos batem os da elite do Poder Judiciário,
onde os juízes concursados ingressam com vencimentos de R$ 21.766,15
e, quando chegam a juiz de tribunal regional, alcançam R$ 24.117,62.
Sempre sem considerar as gratificações, horas extras e outras
comissões por títulos e/ou funções.
Para a economista
Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ, há um exagero nos valores pagos
a boa parte do funcionalismo do país.
— Os salários do
setor público federal não são condizentes com a situação do país. São
maiores que os pagos nos Estados Unidos e na Europa. Somos um país
pobre — explicou a professora.
Ela vê na
disparidade salarial uma demonstração das prioridades governamentais,
ressaltando que, nos últimos quatro anos, o governo reajustou quase
todas as carreiras, mas os professores ficaram fora:
— O professor
está totalmente defasado, apesar de o serviço federal no país ser
exorbitantemente bem pago. Isso mostra que o governo não tem o menor
interesse em promover educação.
O Ministério da
Educação reconhece que o salário dos professores universitários é
mesmo baixo, como também o dos da educação básica. Assessores
envolvidos na discussão ressaltam que o governo cumpriu acordo com os
sindicatos dos professores, feito ano passado, de dar aumento de 4% em
março último, mais a incorporação das gratificações. E que há um
compromisso de até o mês que vem encaminhar o plano de carreira dos
professores.
Fonte: O Globo,
Paulo Celso, 2/7/12.