Depósito de gente e um negócio promissor
 

Denominada de encarceramento em massa, política prisional aparece como efeito do endurecimento das penas e a falta de políticas públicas

Presídios superlotados, sem condições de higiene, ambientes fétidos e insalubres, locais onde o homem e a mulher estão devidamente abandonados pelo Estado. Com a 4ª maior população carcerária do mundo, somente atrás dos EUA, China e Rússia, o Brasil já supera os 515 mil presos, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) referentes a dezembro de 2011. Ao mesmo tempo, as 1.312 unidades prisionais têm capacidade máxima de 306.500 vagas. Com esse cenário fica quase impossível cumprir o Artigo 1º da Lei de Execução Penal (LEP), que atribui ao presídio a função de “proporcionar condições harmônicas para a integração social do condenado”.

O período de maior crescimento foi entre 1995 e 2005, quando o sistema prisional saltou de pouco mais de 148 mil para 361.402 detentos, o que representou um crescimento de 143,91% em uma década. Essa superlotação traz resultados negativos: de um lado o Estado age com desrespeito aos direitos humanos; de outro, rebeliões, mortes de agentes penitenciários e revolta entre os presos. A situação contradiz o Artigo 88 da LEP, que assegura ao detento no mínimo seis metros quadrados de espaço na cela. Porém, na maioria das vezes ele tem de 70 centímetros a um metro.

Uma das principais características do sistema carcerário brasileiro é a concentração de negros e jovens nas penitenciárias. Levantamento feito pelo Depen em dezembro de 2011 mostrou que de um total de 471 mil presos, jovens de 18 a 24 anos superam os 135 mil encarcerados. Os negros representam 275 mil, quase 60% do total.

Denominada de encarceramento em massa, essa política prisional aparece como efeito do endurecimento das penas e a falta de políticas públicas. Segundo o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), “fortalece cada vez mais um sistema penal seletivo – que criminaliza os pobres, negros e excluídos – e também punitivista, que ao invés de efetivar os direitos e garantias individuais, torna-se uma política pública de contenção social”.

Para o pesquisador e doutorando em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) Rafael Godoi, o conceito de leis para o endurecimento das penas aparece num contexto de crise na segurança pública. Segundo ele, o marco inaugural foi a lei do crime hediondo na década de 1990, devido aos seqüestros sucessivos de renomados empresários do país, como o publicitário Washington Olivetto. Entre outros crimes considerados hediondos aparecem os homicídios praticados por grupos de extermínio, extorsão mediante sequestro e o genocídio, segundo o artigo 5º da Constituição Federal.

“Foi precisamente na reforma da Lei de Execução Penal que veio a progressão de pena para determinados delitos. É também uma somatória de leis específicas que vão dando esse efeito no conjunto de massificação do encarceramento”, ressalta.

Privatização

Com o sucateamento e a falta de controle nos presídios, alguns estados brasileiros adotaram a política da privatização do sistema carcerário. A medida era apontada como uma saída para enfrentar o déficit de vagas e para substituir a gestão estatal, frequentemente classificada como fracassada e falida. Entre os estados que já adotaram esse modelo estão o Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco e Santa Catarina.

Em síntese, o Estado entrega, por um período de até cinco anos, uma prisão para a empresa cuidar de toda a administração interna, da cozinha aos agentes penitenciários. Para o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Valdir João Silveira, esse tipo de gestão só beneficia os empresários. “Quando alguém privatiza o presídio, no contrato que é feito da empresa com o Estado, ela cobra o que o Estado gasta por cada preso, que é em média R$ 1.500. Depois, por cada preso o Estado paga mais R$ 1000. Então o estado paga R$ 2.500 por preso para a empresa”, aponta.

Ainda de acordo com o padre, a maioria dos que estão presos são jovens que têm o ensino fundamental incompleto e que não estavam no mercado de consumo. Dessa forma, uma vez privatizado o presídio, eles começam a gerar lucros para as empresas.

“Por isso a proposta: vamos prender em massa para que o capital tenha lucro, pois quanto mais prisões tivermos, mais lucro teremos. É a forma que o capital neoliberal que vem dos EUA para os países da América do Sul está fazendo”. E complementa: “quem privatiza não se preocupa com a reintegração social. Quanto mais tempo segurar um preso será melhor, porque ele vai produzir para a firma que está privatizando.”

Petra Silvia Pfaller, presidente do Conselho de Comunidade de Execução Penal de Goiânia, também partilha da opinião do coordenador da pastoral. “A empresa particular ganha em cima da violência. A empresa é fiscalizada pelo Estado e faz o que está no contrato. O Estado não dá conta e cria uma divergência que envolve o dinheiro devido ao lucro em cima da pessoa presa”, argumenta.

 

 

Fonte: Brasil de Fato, Jorge Américo e José Francisco Neto, 3/10/12.

 


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