A crise à espreita
O economista
Claus Germer* adverte que a atualcrise do capitalismo respondeao fi m
de um ciclo longo deaumento das taxas de lucro
|
O economista Claus Germer adverte que a atual crise do capitalismo
responde ao fim de um ciclo longo de aumento das taxas de lucro A
leitura de Claus Germer, um dos mais respeitados marxistas
brasileiros, aponta que a economia capitalista hoje está
mundializada, e que a crise remete ao fim de um ciclo de
crescimento da economia estadunidense. Em entrevista ao jornal
Brasil de Fato, Germer analisa também que as recentes greves do
funcionalismo federal respondem a um período da economia
brasileira no qual os trabalhadores sentem condições favoráveis
para a reivindicação. |
|
O economista Claus Germer -
Foto: ITCG |
|
Brasil de Fato –
Como o senhor caracteriza a crise mundial do capitalismo, tendo em
vista a situação atual nos países da Zona do Euro?
Claus Germer
– A crise de hoje é uma continuidade da crise de 2008, com a diferença
de que naquela época começou nos EUA e o atingiu com mais força,
enquanto a partir do ano passado vem afetando mais a União Europeia
como um todo, atingindo sobretudo países como Portugal, Espanha,
Itália, Grécia, o que é um processo progressivo de alastramento da
crise. Na Europa, a crise passada se refletiu numa crise fiscal, uma
crise das finanças públicas que jogou os países no endividamento em
relação aos bancos europeus. Embora possamos diferenciar em termos da
interpretação marxista e da interpretação não-marxista da crise.
Qual é a
interpretação marxista para a crise do capitalismo?
Em geral, ela
parte do reconhecimento de que as crises são uma manifestação normal
na economia capitalista, da dinâmica dessas economias, de diversas
periodicidades, enquanto as teorias não-marxistas consideram que a
situação da economia seria normalmente de pleno emprego e, caso isso
não acontecesse, seria por algum erro de julgamento dos capitalistas,
política de governo etc. Então, no enfoque marxista, embora a crise
tenha começado por um fenômeno financeiro, dos chamados subprime, no
mercado imobiliário, na realidade esses fenômenos refletem uma crise
mais profunda da economia. Quando uma situação de crise se avizinha,
existe sempre algum fenômeno que a desencadeia, mas procuramos os
motivos reais da crise, que desencadeou graças àquela faísca. E as
causas reais situam-se no processo de reprodução do capital
industrial.
O que se
relaciona com a produção e não apenas com uma desregulamentação das
finanças. É isso?
Então, a taxa
média de lucro, a taxa de conjunto, é determinada pelo capital
industrial em geral, não são só fábricas, mas todos os capitais que
produzem mais-valia. A taxa média de lucro tende a se alterar quando
acontecem alterações na estrutura industrial. Há diversas análises no
campo marxista que procuram encaixar a crise atual dentro do
desenvolvimento de longo prazo da economia capitalista, principalmente
a partir da segunda guerra. Há estudos que identificam um processo bem
nítido de flutuações longas, sendo que há uma fase de crescimento da
rentabilidade até um ponto de pico, quando acontece a crise, e a
partir daí há um descenso, a chamada fase descendente do ciclo.
A partir de que
período podemos resgatar o início desse ciclo econômico que agora
experimenta o descenso?
Temos dificuldade
de fazer análises mundiais, o que seria o melhor, porque a economia
capitalista hoje está mundializada. Mas, por diversos motivos
referentes à disponibilidade de dados, estatísticas, ajustamento,
então analisa-se geralmente os EUA, que ainda são economia principal –
e bem principal –, e que têm mais dados contínuos. A análise desses
dados aponta a existência de uma crise, que vem dos anos de 1970 até
os anos de 1980, logo depois veio uma fase de crescimento, que está
relacionada com o aumento da taxa média de lucro e da taxa de
exploração, e atinge seu pico em 2008. Não é a mesma periodização da
economia brasileira.
E quais as
medidas adotadas pelo capital em períodos como esse que vivemos?
A estimativa mais
recente é de que os Bancos Centrais despejaram no mercado cerca de
29,6 trilhões de dólares, no plano mundial – o que significa EUA,
Europa e Japão –, o que é uma massa enorme de dinheiro. Paralelamente
a isso, há um corte de empregos. Por um lado, o que os governos
fizeram foi salvar as empresas e reduzir as vantagens dos
trabalhadores. Quando há uma crise, o desemprego aumenta
imediatamente. As medidas tomadas muitas delas são bárbaras: cortar
aposentadorias, reduzir os salários em termos nominais etc. Mas, nos
EUA, mesmo esta fase de crescimento a partir dos anos de 1980 até de
2008 foi, em grande parte, baseada no aumento da taxa de exploração
dos trabalhadores. Isso é bem nítido, comparando os salários reais
neste período, vemos uma curva descendente e, paralelamente, uma curva
ascendente da rentabilidade. Isso de certa forma explica o que
acontece hoje na Europa, porque nos EUA a redução de direitos de
trabalhadores, ou o aumento da taxa de mais-valia, já foi sendo
elaborada ao longo desse período, quando os salários reais foram
caindo.
De acordo com o
senhor, há um aprofundamento da concentração dos meios de produção no
mundo, em um grupo cada vez mais restrito de capitalistas.
O ponto de vista
marxista entende toda forma sociedade como um fenômeno passageiro,
algo que toma diversos séculos, mas que é passageiro. Em toda
sociedade, a classe dirigente sempre se considera eterna. Na
realidade, essa visão das classes dirigentes, manifestada pelos
intelectuais que as representam, é ideológica e oculta a realidade ao
invés de explicá-la. Toda sociedade atinge um auge e começa a
declinar, o que dá início ao processo de emergência de uma nova
sociedade, cujos fundamentos já devem estar elaborados na sociedade
que está sendo superada. Isso é necessário porque você não dorme no
capitalismo e amanhece no socialismo. Vemos esse processo, por
exemplo, na transição do feudalismo para o capitalismo: a classe
capitalista, quando houve a revolução burguesa, já havia assumido o
controle da estrutura produtiva, embora o poder estivesse ainda com os
senhores feudais. Se, do ponto de vista marxista, o capitalismo vai
desembocar no socialismo, isso significa que no capitalismo estão
sendo elaborados os fundamentos do socialismo. Esta é a visão de Marx,
quem procurou identificar as tendências predominantes no capitalismo.
O que caracteriza o socialismo é a propriedade coletiva e o mercado
substituído pelo planejamento. Isso já é visível no capitalismo.
O senhor observa
esta questão hoje através de dados da estrutura de classes no mundo?
Se observamos os
sensos demográficos, a classe capitalista representa dois a três por
cento da população, e a maioria da sociedade são assalariados de todos
os níveis, que não possuem propriedade dos meios de produção. São
assalariados, expropriados dos meios de produção. Entre os dois há uma
camada intermediária de pequenos proprietários. No Brasil, esta camada
representa cerca de 20 por cento da população, isso porque o Brasil
ainda não atingiu o nível de desenvolvimento do capitalismo dos EUA. O
capitalismo promove a criação de uma massa de não proprietários. O que
o socialismo faz simplesmente é generalizar essa massa de não
proprietários, que dificilmente passa de 3% da população nos países
capitalistas. Ocorre também uma socialização da estrutura produtiva no
interior da classe capitalista. As empresas no início do capitalismo
eram de tipo familiar, hoje a maior parte são empresas de Sociedades
Anônimas (SA). Não é o dono do Capital que o administra, inclusive
tecnicamente falando. Quem dirige a empresa é um conselho de
administração, que nomeia uma diretoria da empresa, composta por
assalariados, que não possuem propriedade sobre os meios de produção,
no máximo têm ações para reforçar, através de dividendos, o que ganham
como assalariados. Com isso, o capitalista já não é o proprietário dos
meios de produção, mas de uma cota acionária.
Quais as
possíveis consequências desse processo?
Em um momento de
socialização dos meios de produção, a expropriação dos acionistas não
significa a expropriação dos diretores, que podem vir a ser
assalariados por parte do Estado em uma sociedade socialista. Os
instrumentos estão sendo criados para uma economia socialista. Na
questão do planejamento, embora não se admita o planejamento global da
economia, a nível interno as empresas são planejadas rigorosamente. As
empresas no tempo de Marx cobriam uma pequena parte do mercado. Hoje,
planejam a oferta da sua mercadoria para partes do planeta, por meio
de um planejamento detalhadíssimo. Há autores que detalham esse
processo, como Alfred Chandler Jr.; Lênin denominava esta fase como
“monopolista”. Em síntese, o mercado está sendo substituído pelo
planejamento. Então, duas tendências que formam o socialismo estão
sendo criadas, são elas: a extinção da propriedade privada dos meios
de produção e o planejamento da produção.
Passando à
realidade brasileira: qual sua análise sobre a movimentação dos
trabalhadores, sobretudo no funcionalismo público?
Um primeiro dado
em relação ao sindicalismo é de que ele funciona melhor quando é menos
necessário que funcione, ou seja, nas épocas de expansão da economia,
porque nas épocas de crise o desemprego é muito grande, com isso os
trabalhadores podem ser demitidos, e por isto estão menos predispostos
para a reivindicação. Quando o nível de vida aumenta, por sua vez,
fica mais fácil para o trabalhador visualizar que, se ele perde o
emprego, logo consegue outro. Há mais ofertas de emprego. No Brasil, a
partir da recuperação da economia, na esteira internacional, os
trabalhadores passaram a obter ganhos superiores à inflação, se
tomamos como base o defasamento dos salários no período anterior. Essa
situação repercute sobre o funcionalismo, onde os governos tentaram
manter os salários baixos, com superávits primários, então os
funcionários públicos passam também a reivindicar aumentos. Além
disso, a estabilidade no emprego público é um fator importante, embora
hoje já não seja tão relevante devido às oportunidades de emprego mais
abundantes. Em um cenário mais favorável, sem dúvida, no qual o
desemprego não é tão alto como na maior parte dos países capitalistas
desenvolvidos, menor que no tempo do FHC, por exemplo, e a receita do
governo tem aumentado ano a ano acima da inflação, é importante essa
combatividade. Porém, o que o governo faz é distribuir esses
benefícios para a classe capitalista. Aumentaram os programas, de
“bolsa-esmola”, do FHC, para o “bolsa-família”, mas é uma migalha
comparado com o que o governo distribui para os setores empresariais.
As (recentes) isenções de impostos reduzem os preços, mas as vendas
dos produtos isentos aumentam. A empresa ganha no lucro sobre a
receita aumentada, já o governo renuncia a uma parte da receita.
<Quem é>
* Claus Germer
– Professor do curso de Economia da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), contribui também como professor na Escola Nacional Florestan
Fernandes (ENFF).
Fonte: Brasil de
Fato, Pedro Carrano, 5/11/12.