O cerco ao Irã
Por Reginaldo Nasser*
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No mapa, cada estrela corresponde a
uma base militar dos EUA.
Uma imagem que fala por mil palavras a respeito do cerco ao Irã |
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Todo o alarde por
parte dos EUA e Israel é insustentável e serve para camuflar aquilo
que realmente é motivo de preocupação: a crescente importância
estratégica do Irã e sua liderança na região do Grande Oriente Médio.
Longe de ser o arauto do apocalipse, o sonho do Irã, que sempre foi um
"ator racional", é alcançar a hegemonia regional. Por quais motivos o
Irã poderia ser convencido a suspender o enriquecimento nuclear sem
que, da mesma forma que Israel, suas preocupações com sua segurança
sejam levadas em consideração? O artigo é de Reginaldo Nasser.
O Departamento de
Estado dos EUA declarou no final do mês de dezembro que o Irã estava
manifestando "comportamento irracional" ao ameaçar fechar o estreito
de Hormuz, ponto de passagem de 20% do petróleo mundial. Algo
improvável já que grande parte dos 2,2 milhões barris/dia (mais de 50%
de sua receita) que o Irã exporta passa pelo Estreito e sua obstrução
viria causar sérios danos em sua economia que já sofre com as sanções
internacionais. Na verdade, a declaração do vice-presidente do Irã,
Mohammad Rahimi, foi que "não passaria uma só gota de petróleo pelo
Estreito SE o Ocidente impusesse sanções sobre as exportações de
petróleo de seu pais”.
Como já é de
costume, quando se trata dos países rotulados como rogue-states, a
questão hipotética de uma agressão dos EUA foi simplesmente suprimida
na grande imprensa internacional. O que fez com que a declaração do
iraniano aparecesse como uma ameaça e não como uma provável reação a
um ataque. Claro que não se trata de um simples problema gramatical,
mas de sim de linguagem típica de um poder hegemônico.
O Irã voltou a
ser objeto de preocupação da chamada comunidade internacional – isto é
EUA, Inglaterra, França e Israel - após a divulgação do novo relatório
da AIEA (Agencia Internacional de Energia Atômica), no dia 8 novembro
2011, sobre a possível construção de instalações nucleares para fins
bélicos, em um momento de eleições nos paises envolvidos. Em março, o
Irã realiza eleições parlamentares que se espera ser um confronto
entre radicais e moderados, enquanto nos EUA os candidatos do Partido
Republicano nos EUA já anunciam a necessidade de bombardear o Irã ao
mesmo tempo em que criticam a "fraqueza" do presidente Obama.
A grande imprensa
norte-americana, como sempre, deu sua prestimosa colaboração para
acionar os tambores da guerra. The Washington Post e The New York
Times estamparam em sua matéria de capa, um dia após a divulgação do
relatório, a informação de que os investigadores da AIEA acumularam
uma coleção de novas evidências de que o Irã manifestou objetivos
bélicos em seu programa nuclear. No entanto em matéria publicada na
revista The New Yorker (November 18, 2011 Iran and the IAEA.) Seymor
Hersch, após entrevistar uma série de especialistas sobre o tema,
concluiu que as alegações básicas no relatório não continham nada
substancialmente novo.
Robert Kelley,
ex-diretor da AIEA, Greg Thielmann, ex-funcionário do Departamento de
Estado e especialista no tema, e a organização Arms Control
Association, cuja missão é incentivar o apoio público para o controle
de armas de destruição em massa, observaram que a AIEA apenas reforçou
o que a comunidade internacional já sabia desde 2003. Ou seja, que o
relatório da AIEA apenas aponta indícios preocupantes e não há nada
que indique que o Irã está realmente construindo uma bomba.
Portanto, “um Irã
com armas nucleares ainda não é iminente e nem é inevitável. Aqueles
que querem angariar apoio para um ataque ao Irã estão deturpando o
relatório”.
Patrick Pexton,
ombudsman do Washington Post, e Arthur Brisbane, editor do New York
Times, responderam às objeções dos leitores, dois meses depois,
concordando que, em nenhum momento a AIEA chegou a fazer uma
declaração conclusiva clara. Brisbane declarou ainda que a linguagem
utilizada pelo NYT estava equivocada e que o NYT deveria corrigir sua
matéria porque trata-se de um caso que uma frase não faz justiça a um
conjunto de nuances reveladas pelos fatos. Sendo que a distinção a ser
feita é importante porque “o programa iraniano tem aparecido como um
possível casus belli (ver NYT Public Editor: IAEA ‘Stops Short Of
Making A Clear Conclusive Statement’ On Iran Nuke Program
http://thinkprogress.org/ By Ali Gharib on Jan 10, 2012).
Na retórica de
muitos políticos e comentadores americanos e judeus, a República
Islâmica do Irã é retratada como um regime que não pensa sua política
externa em termos de interesses nacionais. Invocam cenários
apocalípticos de um pais inclinado a usar armas nucleares contra alvos
israelenses ou europeus, sem se importar com as conseqüências
sugerindo que o Irã aspira, na verdade, à autodestruição. Pois é
suficientemente conhecida a capacidade militar de Israel. Aliás, como
já observou o analista do Air Force Research Institute, Adam Lowther,
não apenas os judeus, mas os palestinos teriam razão de sobra para
preocupação, porque um ataque nuclear contra Israel iria devastá-los
também.
Na verdade todo
esse alarde por parte dos EUA e Israel é insustentável e serve para
camuflar aquilo que realmente é motivo de preocupação: a crescente
importância estratégica do Irã e sua liderança na região do Grande
Oriente Médio. Longe de ser o arauto do apocalipse, o sonho do Irã,
que sempre foi um "ator racional", é alcançar a hegemonia regional.
Nos últimos oitos anos, o Irã construiu uma enorme rede de influência
com xiitas e sunitas após os EUA derrubarem seus dois principais
inimigos: o Talebã no Afeganistão e Saddam no Iraque; consolidou suas
alianças com Hamas e Hezbollah, legitimados por seus êxitos
eleitorais, tornando-se peça decisiva na Palestina e no Líbano.
No mesmo mês em
que o relatório da AIEA foi publicado, os EUA anunciaram a assinatura
de um acordo de venda de armas, munições, peças de reposição,
treinamento de pessoal militar com a Arábia Saudita no valor de $30
bilhões. De acordo com oficial do Departamento de Estado, Andrew
Shapiro, "essa venda irá enviar uma forte mensagem aos países da
região que os Estados Unidos estão comprometidos com a estabilidade no
Golfo e Médio Oriente." Cabe lembrar ainda a fala do príncipe Turki
al-Faisal (chefe de inteligência na Arábia Saudita ) em reunião
ocorrida em uma base militar da OTAN no Reino Unido (os documentos
foram revelados pelo Wall Street Journal 22/07/2011) que "o Irã é
muito vulnerável no setor de petróleo, e é nele que mais poderia ser
feito para coagir o atual governo”. Argumentou que “a Arábia Saudita
tem plena capacidade de produção [reposição] de quase 4 milhões de
barris/dia - que poderíamos quase instantaneamente substituir toda a
produção de petróleo do Irã”.
Qualquer que seja
o perfil de uma nova ordenação nuclear esta deverá ser o resultado da
interação dos motivos pelos quais um Estado persegue a energia
nuclear, a legitimidade das restrições e, principalmente, que o país
possa ter sua segurança garantida. Assim, é compreensível que Israel
não vai desistir de suas armas nucleares (elemento de dissuasão) até
que as suas preocupações mais amplas de segurança sejam resolvidas (e
talvez nem assim). Mas por quais motivos o Irã poderia ser convencido
a suspender o enriquecimento nuclear sem que, da mesma forma que
Israel, suas preocupações com sua segurança sejam levadas em
consideração?
(Stephen Walt, A non-proliferation puzzle. S Foreign Policy , May 6,
2010).
Portanto, a
polêmica questão nuclear envolvendo o Irã só poderá ser realmente
discutida se a comunidade internacional vinculá-la ao processo de paz
na região. Por falar nisso, onde estão Brasil e Turquia que exerceram
papel fundamental de mediadores da crise com Irã, em 2010, impedindo
uma ação militar que parecia iminente?
* Professor de
Relações Internacionais da PUC (SP) e do Programa de Pós-Graduação San
Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).
Fotos:
http://www.juancole.com/2011/12/iran-has-us-surrounded-all-right.html
Fonte: Brasil de
Fato, 11/1/12.