Com casa cheia, Senado cassa mandato de Demóstenes Torres
 

Por 56 votos favoráveis, 19 contrários e cinco abstenções, o plenário considerou o ex-senador do DEM culpado da acusação de quebra de decoro parlamentar, ao colocar seu mandato a serviço da organização criminosa chefiada por Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Com isso, Demóstenes ficará inelegível até 2027.

Brasília - Em votação secreta, o plenário do Senado aprovou a cassação do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), nesta quarta (11), por 56 votos favoráveis, 19 contrários e cinco abstenções. Ele foi considerado culpado da acusação protocolada pelo PSOL de quebra de decoro parlamentar, ao colocar seu mandato a serviço da organização criminosa chefiada por Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, preso desde fevereiro. Considerado até quatro meses atrás o principal quadro nacional do DEM, Demóstenes, agora, ficará inelegível até 2027.

Primeiro orador da sessão extraordinária que reuniu 80 dos 81 senadores da Casa, o senador Humberto Costa (PT-PE), relator do processo contra Demóstenes na Comissão de Ética, destacou o caráter técnico do seu parecer, no qual elencou provas de que o democrata agiu de forma incompatível com as exigências do cargo. “O senador praticou irregularidades graves no desempenho do mandato, abusou de prerrogativas asseguradas aos membros do senado federal e recebeu vantagens indevidas”, resumiu.

Segundo o relator, Demóstenes, como membro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), segurou, por dois anos, a votação do projeto de lei que tornava os bingos ilegais. Defendeu os interesses do contraventor em órgãos da administração federal e estadual. Participou do processo de blindagem à Cachoeira, informando-o de uma operação contra jogos ilegais montada pela Polícia Federal (PF). Percebeu vantagens não lícitas, como o telefone Nextel habilitado nos Estados Unidos, que servia como principal meio de comunicação entre os membros da organização criminosa. E ainda nomeou servidores a pedido da organização.

Costa ressaltou, ainda, o fato de Demóstenes ter mentido em plenário, quando afirmou que seu único vínculo com Cachoeira era uma despretensiosa relação de amizade. E sustentou que o representado faltou com a verdade quando disse desconhecer a natureza das atividades ilícitas desenvolvidas pelo amigo contraventor. “O senhor participou da CPI dos Bingos que indiciou Cachoeira por seis crimes, incluindo lavagem de dinheiro”, acrescentou.

O senador Pedro Taques (PDT-MT), relator do processo na CCJ, destacou a constitucionalidade do processo que, conforme ele, seguiu todos os ritos regimentais do Senado. Taques atestou também que Demóstenes foi assistido por advogado, teve acesso ao processo e pode produzir provas em seu favor. “Foram satisfeitos os requesitos da ampla defesa e do contraditório”, garantiu.

Os discursos dos demais senadores que usaram a tribuna exaltaram a necessidade de moralização do Senado e da adoção do voto aberto para todas as matérias parlamentares. Parlamentares como Mario Couto (PSDB-PA) e Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que defenderam Demóstenes quando as denúncias contra ele começaram a ganhar as manchetes dos jornais, chegaram a fazer um mea culpa. “Fui um dos 43 senadores que, diante das primeiras denúncias, me manifestei em favor dele. Mas senti o peso da traição”, justificou Ferraço.

Em nome do PSOL, o senador Randolfe Rodrigues (AP) ressaltou as motivações que levaram o partido a entrar com a representação contra Demóstenes. “A Operação Monte Carlo, da PF, flagrou 289 ligações entre membros da organização criminosa e o senador”, afirmou. De acordo com ele, as investigações subsequentes não deixaram dúvidas de que o réu não mantinha com Cachoeira relações apenas de amizade. “É por isso que o PSOL pede a penalidade máxima, a cassação”, concluiu.

O advogado de Demóstenes, Antônio Carlos de Almeida, o Kakay, centrou sua defesa na tese da ilegalidade das provas obtidas. Segundo ele, as gravações telefônicas realizadas com autorização judicial que flagraram as conversas do senador com os membros da quadrilha não tem validade legal porque não foram feitas com a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, ele contestou a fidelidade das gravações, que não foram periciadas. “É ético cassar um senador com base em gravações ilegais?”, questionou.

Em um discurso eloquente, Demóstenes voltou a representar o papel de paladino da moralidade que marcou sua atuação política. Se disse vítima da maior perseguição já realizada contra um político no país. Acusou a imprensa, a PF e o Ministério Público. “Não provaram nada contra mim. Onde está o dinheiro que disseram que foi depositado em minha conta? Já entreguei meus sigilos bancários ao MP”, afirmou. “Foram 250 mil horas de gravações. Em que momento aparece minha voz pedindo dinheiro, propina?”, continuou. E ressaltou suas qualidades como “parlamentar de conduta impecável”.

Também voltou a adotar o tom inquisidor que o fez conhecido e, como estratégia de defesa, preferiu o ataque. Sua vítima foi justamente o senador Humberto Costa, relator do processo contra ele. Demóstenes lembrou de que, quando era ministro da Saúde, em 2004, o colega também enfrentou acusações de envolvimento com uma quadrilha que desviou cercou de R$ 2 milhões dos cofres públicos. “O que quero é o mesmo tempo que ele teve para provar minha inocência”, argumentou. Para o representado, o Senado deveria esperar pelo seu julgamento no STF antes de tomar uma decisão. Demóstenes negou as acusações e encerrou seu discurso com um apelo aos colegas: “"Quem cassa senador é senador, e não a imprensa. Por favor, me deem oportunidade de provar que sou inocente. Não acabem com a minha vida", disse ele.

O discurso parece ter surtido efeito. Nenhum dos oradores que usaram a tribuna durante a sessão defendeu o parlamentar. Mas o resultado final da votação demonstra que 23,4% dos senadores foram contrários à cassação do seu mandato. A identidade destes parlamentares, entretanto, permanecerá oculta. Os parlamentares foram proibidos de manifestar seus votos, sob pena do processo ser anulado pelo STF. Na semana passada, o Senado aprovou, em segundo turno, a votação aberta em processos de cassação de mandato. Mas a norma só valerá para processos futuros.

Demóstenes Torres é membro concursado do Ministério Público de Goiás. Foi procurador-geral e secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás. Atua como senador há dois mandatos. No último pleito, foi eleito com quase dois milhões de votos. Em 2009, foi eleito com um dos cem homens mais influentes do país pela Revista Época. Agora, ostenta também o título de segundo senador a perder o mandato por vontade de seus pares, em 188 anos de história do parlamento brasileiro.

 

Fonte: Ag. Carta Maior, Najla Passos, 11/7/12.

 


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