Candidata à presidência do ANDES-SN, professora da UNIFAP concede entrevista
 

Mestre e doutora em Psicologia, com pesquisas direcionadas à inclusão escolar e social de pessoas com deficiência, a professora da Universidade Federal do Amapá (Unifap) Marinalva Oliveira percorreu o país nas últimas semanas para debater com a comunidade universitária as proposta da “Chapa 1 – Trabalho Docente e Movimento Social” para comandar o ANDES-SN no biênio 2012-2014. Como a Chapa 2 foi impugnada pela Comissão Eleitoral Central, decisão mantida pela Justiça, Marinalva é a única concorrente para as próximas eleições do Sindicato, marcadas para esta terça e quarta-feira (8 e 9), o que não diminuiu o ritmo da campanha.

Nos últimos 30 dias, a candidata a presidente do ANDES-SN esteve no Rio de Janeiro, Pará, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo, entre outros Estados debatendo com os professores os problemas da categoria e alternativas para fortalecer o ensino, a pesquisa e a extensão nas universidades brasileiras.

Veja, a seguir, o que pensa Marinalva Oliveira sobre as negociações com o governo federal, o Reuni e a inserção do ANDES-SN nas lutas mais gerais da sociedade.

 

Qual a sua avaliação sobre o trabalho atual dos docentes nas universidades brasileiras?

A docência está vinculada à possibilidade de transformação da sociedade, de reinventá-la e reorganizá-la de uma forma mais justa, igualitária e solidária. Entretanto, ao mesmo tempo, luta contra sua submissão ao sistema. Quando se nega ao docente a possibilidade de tempo para pensar, este passa a funcionar para o sistema reforçando as ideologias da classe dominante e, consequentemente, o processo de subjugação do trabalhador.

O ensino superior no espaço privado há muito está nesta condição. No âmbito público, as políticas utilizadas pelos sucessivos governos têm gerado uma universidade de poucos recursos e elevada competitividade. Isso tem conduzido a preocupações comparativas entre os docentes, a um ambiente competitivo e estressante e ao adoecimento docente. Os docentes, então, não conseguem mais transformar nada, pois toda a preocupação passa a ser parecer produtivo dentro do sistema adotado. Abandona-se a lógica da transformação e passa-se a construir um ambiente individualizado e auto-centrado onde não há tempo, espaço ou interesse para pensar a sociedade e sua transformação.

Não podemos acatar essa condição, temos que voltar a ser capazes de pensar o mundo, a realidade que nos cerca e de ter alguma possibilidade de transformação social.

A universidade humboldtiana, aquela que se define pelo tripé ensino, pesquisa e extensão, como um lócus de resposta aos anseios sociais não pode morrer, não podemos deixar. Precisamos não nos tornar anacrônicos, precisamos ir além da lógica de preparar para o mercado de trabalho, precisamos reconstruir a universidade como um centro do pensar, para então, transformar a sociedade.

O ANDES-SN sempre defendeu e continuará defendendo a educação como direito, o caderno 2 que atualizamos no 31º Congresso do sindicato é uma mostra disso. Um ensino público, gratuito, autônomo, democrático, de qualidade e socialmente referenciado que esteja a serviço da construção de uma sociedade justa e igualitária é a nossa meta, e é, além da defesa dos interesses da categoria, a razão de ser do ANDES-SN.

Qual a sua concepção em relação ao papel do ANDES-SN no movimento sindical?

 Um primeiro elemento a ser destacado é o fato de que não expresso uma posição que é exclusivamente minha, mas que reflete a construção de um conjunto de docentes que defendem uma nova universidade e uma nova sociedade, cujas conformações estão expressas em documentos como o caderno 2 do ANDES-SN. Tratando especificamente da questão, devo lembrar que o ANDES-SN, ao longo de seus trinta anos de existência, tem desempenhado papel fundamental na defesa do ensino público e gratuito e do trabalho docente, bem como na garantia de direitos sociais que se articulam com os interesses e as lutas gerais dos trabalhadores e trabalhadoras.

No atual quadro conjuntural, o papel do ANDES-SN está centrado em defender melhores condições de trabalho e na valorização do trabalho docente em unidade com outros setores autônomos e classistas.

A precarização do trabalho docente tem se agravado e tem se instituído uma política produtivista onde o professor e a professora se veem na obrigação de trabalhar além da sua carga horária. As consequências disso são o adoecimento e a baixa autoestima, pois tem decrescido a qualidade no ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido e para garantir os nossos direitos enquanto trabalhadores da educação o ANDES-SN tem significativo papel. Precisamos fortalecer a nossa inserção junto à base compreendendo e atuando para garantir a valorização do trabalho docente com melhores condições de trabalho e uma carreira e salários dignos.

Para além dessas questões, o ANDES-SN sempre foi um protagonista na discussão dos mais variados temas que têm relação com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, exatamente por isso, é um sindicato que se integra a outros sindicatos e movimentos sociais e consolida suas posições em elaborações, como o já citado caderno 2, que servem de referência para muitos lutadores e lutadoras deste país.

Na questão da carreira dos professores das Ifes, de que forma pretendes dar continuidade a essa luta do movimento docente?

Os docentes construíram por meio das instâncias deliberativas do ANDES-SN uma proposta de carreira que foi protocolada junto ao governo federal. Essa proposta sintetiza nossas ideias sobre regime de trabalho, piso salarial da categoria, estrutura de progressão, percentuais correspondentes à titulação, bem como a defesa de que haja paridade e integralidade para os aposentados.

O governo tem uma proposta diferente e da qual discordamos veementemente, pois representa retrocesso. Há diversos problemas, por exemplo, introduz novas classes e níveis que possuem restrições para a ascensão dos docentes. Isto significa que o teto da carreira não seria alcançado pela maioria da categoria. Amplia em muito a diferença de recebimento de valores entre os docentes no início e no final da carreira. Prejudica os aposentados. Em suma, é uma proposta que, embora sinalize com um valor um pouco mais alto no teto da carreira, prejudica em termos de vencimento a maioria dos docentes. Além disso, é preciso que saibamos separar plano de cargos e carreira dos vencimentos. O governo coloca como teto de sua proposta um valor mais elevado, para que imaginemos que é uma carreira melhor, mas não é.

O fato de o governo marcar uma agenda de reuniões no ano passado, nunca nos fez crer que nossa proposta estava aceita, até porque como já disse, a proposta deles é diferente, possui um forte viés de gerar competição no interior das instituições e eles vão defendê-la. Agora, foi importante o governo se comprometer em discutir a carreira e isso o ANDES-SN está cobrando que ocorra. Vamos às últimas instâncias na defesa do que entendemos como o melhor para os docentes do país. Perspectivas? Os projetos são diferentes, se nos mobilizarmos e pressionarmos, nós poderemos ter a carreira que construímos. Portanto, é possível que seja aprovado, depende da nossa capacidade de pressão e mobilização.

De que forma o ANDES-SN deve atuar na relação com os demais servidores federais e também com o movimento estudantil?

O ANDES-SN tem atuado em unidade com os servidores federais e o movimento estudantil, principalmente a partir da CNESF e da CSP Conlutas. No ano de 2011 fizemos várias marchas a Brasília em unidade com os SPF e o movimento estudantil, sendo que uma das consequências foi forçar a ministra do Planejamento a constituir uma mesa de negociação. Assim, temos que intensificar as ações no interior da CNESF para fortalecê-la como espaço organizativo de luta dos SPF.  Com o movimento estudantil foi significativa a unidade que ocorreu em 2011 em torno do Plebiscito dos 10% do PIB para a educação pública, já! Em conjunto com a ANEL e a esquerda da Une conseguimos discutir e denunciar a política educacional que tem sido implementada pelo governo Dilma. Estes e outros exemplos vitoriosos a partir da unidade nos estimulam a seguir buscando esta união com os SPF e o movimento estudantil como estratégia de resistência à privatização da universidade pública e de defesa da qualidade na educação.

Qual a sua avaliação do Reuni?

Partíamos do princípio que o ideal seria que todas as pessoas interessadas em um curso universitário pudessem cursá-lo e o fizessem com qualidade em uma instituição pública, autônoma e com função social. Neste sentido, a expansão em si é algo bom, o problema é que o governo implementa nas universidades um processo de expansão sem qualidade e com precarização do trabalho docente. A ampliação tem se dado através de um canto de sereia. O governo apresentou o Reuni, como uma panaceia aos problemas das Ifes, mas disponibilizou um volume exíguo de recursos com data certa para acabar e voltados principalmente para infraestrutura. Assim, teremos nas universidades um volume maior de prédios, cursos e alunos sem aumento de orçamento.

Se já tínhamos dificuldades de funcionar antes, o quadro ficará pior depois do Reuni. Como a expansão de cursos e vagas para alunos não é suprida pelas novas vagas de docentes e técnicos, essa expansão tem significado queda na qualidade de vida e casos de adoecimento físico e psicológico. O Andes-SN estará nas lutas por financiamento público estável e suficiente para que haja universalização do acesso ao ensino superior por meio de Ies que ofereçam educação pública, gratuita, democrática, laica e de qualidade para todos como direito social e dever do estado. Obviamente isso significa lutar por condições adequadas das condições de trabalho docente, o que envolve ampliação de vagas docentes, capacitação, seguridade, política salarial e carreira.

Qual a importância de mantermos um sindicato independente do governo e os perigos do Proifes para a categoria?

O ANDES-SN defende a unidade e não a unicidade sindical. Entendemos, portanto, que é possível existir mais de um sindicato representando a categoria que atuem em unidade, em vez de um único sindicato definido por regras do estado. Neste sentido, todo sindicato é importante, por representar uma parcela da categoria, por outro lado qualquer sindicato configura-se como um perigo se perde a independência e coloca o sindicato na defesa dos interesses do governo em vez daqueles da categoria.

Entretanto, o Proifes é uma entidade criada para dar sustentação à política governista e não tem representação de base. Nos processos de negociação, é instada pelo governo a estar na mesa, enquanto entidades com lastro de base são preteridas. Com tal conformação, esta organização não se enquadra como representante dos interesses docentes, uma vez que nasceu e continua atrelada ao governo participando dos ataques às entidades sindicais classistas e combativas que fazem oposição às políticas governistas.

Entendemos isso como um perigo porque autonomia de governos e patrões e democracia interna nos sindicatos são essenciais para a defesa dos interesses da classe trabalhadora. O atrelamento ou a cooptação sindical, como temos visto ocorrer nos últimos anos, principalmente com a chegada do PT ao governo federal, refreia a ação sindical constituindo, para usar uma expressão forte, um crime contra a categoria. No caso específico dos docentes de ensino superior, a perda da independência impediria não só as conquistas da categoria, bem como a luta pela educação pública, gratuita e de qualidade, o que significaria um prejuízo para a população brasileira e suas aspirações por educação de nível superior de qualidade que forme o profissional e o indivíduo crítico. Simplesmente não podemos aceitar isso.

De que forma pretende dar continuidade na luta em defesa do registro sindical do ANDES-SN?

O Estado tem adotado mecanismos de controle sobre a organização dos trabalhadores com o objetivo de retirar direitos dos trabalhadores. O ANDES-SN tem representado oposição a essas políticas e tem lutado arduamente na defesa destes direitos. O governo, por sua vez, tem utilizado contra o ANDES-SN e demais organizações que se lhe opõem, todas as ferramentas a sua disposição, incluindo aquelas oriundas das mudanças implementadas a partir da contra-reforma sindical.

Dentre os mecanismos utilizados pelo governo na tentativa de fragilizar a ação dos opositores está o registro sindical e o reconhecimento legal para funcionamento de uma entidade sindical. O ANDES-SN, por exemplo, viveu uma parte de sua história sem o registro sindical, embora, felizmente nossas ações tenham suplantado esse entrave burocrático. Destaque-se que a tramitação da PEC 369, retomada no parlamento, tende a aprofundar esses mecanismos de controle sobre as entidades sindicais. Dessa forma, as ações quanto ao registro do ANDES-SN ocorrerão nos âmbitos político e jurídico para garantir a concepção sindical classista e autônoma. Ao mesmo tempo, precisamos fazer uma ampla discussão com a base do sindicato e atuar junto com a CSP Conlutas e outras entidades denunciando os ataques e os objetivos dos mesmos que tem como central a caça da liberdade e autonomia sindical.

Duas chapas se inscreveram para a eleição do ANDES-SN. Quais são os projetos em disputa?

Duas chapas se inscreveram, mas apenas a nossa Chapa foi homologada, pois a outra Chapa não cumpriu as exigências postas no Estatuto do ANDES e no Regimento Eleitoral.

Nós da Chapa 1 defendemos um sindicato livre, autônomo e combativo que nos represente e que enfrente esse modelo de educação privativa. Lutamos e lutaremos por uma universidade de qualidade, pública e gratuita como política de estado. Uma educação em que o governo invista de fato e não por meio de estratégias enganosas como os editais. Entendemos que a universidade não pode consubstanciar as propostas liberais que se traduzem em competição interna no corpo docente para ver quem tem o currículo mais volumoso, quem consegue mais recursos para os laboratórios ou quem atende mais os interesses do mercado. A universidade deve ser capaz de pensar a si e a sociedade, de apresentar respostas às demandas que emirjam do contexto social e não do capital. O sindicato, para defender essa proposta de universidade precisa ser autônomo, democrático, independente, fazendo surgir suas decisões do seio da categoria.

Como você vê as relações do ANDES-SN com o processo de organização mais geral da classe trabalhadora no Brasil e, em particular, a relação com a CSP Conlutas?

O processo de organização da classe trabalhadora é central para o ANDES-SN, pois entendemos não ser possível qualquer possibilidade de transformação social a partir do interesse dos trabalhadores sem que haja a aglutinação da classe. Lamentavelmente, com a política liberal e a cooptação sindical assumida por um governo que cresceu por dentro dos sindicatos, a aglutinação está fragilizada.

O ANDES-SN sempre assumiu como central o processo de organização dos diferentes segmentos da classe trabalhadora, de modo que este tema é presente nos nossos congressos e CONAD e em nossas ações cotidianas. Temos nos esforçado para que a luta conjunta dos SPF ocorra, ocupamos espaços como a Cnesf estamos construindo a CSP Conlutas que é um instrumento novo e importante na organização da classe trabalhadora.

Qual a sua posição sobre a extinção do Prouni, com reversão para as Ifes do montante praticado pelo programa com renúncia fiscal de tributos federais previstos pelo programa?

O Banco Mundial em um documento de 1994 afirma que países na condição do Brasil devem diversificar seus modelos institucionais, processos formativos e ampliar a parte privada do sistema educacional. O Prouni aparece como forma de atender a recomendação do BM. Educação deixa de ser direito, passa a ser mercadoria e a ser ofertada por instituições cuja principal preocupação é o lucro. O Prouni aparece como forma de reduzir os gastos que as instituições privadas tinham com os tributos federais e de resolver as altas taxas de vagas ociosas que apresentavam.

Quando a proposta surgiu, estas instituições deveriam conceder 25% de suas vagas em troca da renúncia fiscal, esse percentual foi reduzido a patamares insignificantes. Não há uma definição quanto aos cursos em que devem ser ofertadas vagas. Via de regra, oferecem apenas uma vaga em cursos de maior procura como medicina e direito, para atender uma das poucas exigências da legislação, enquanto concentram alto número de vagas em cursos de licenciatura em que possuem grande número de vagas ociosas. Portanto, aquelas propagandas belíssimas em que o indivíduo negro e de baixa renda vai ter acesso às universidades e fazer cursos como Medicina são claramente um engodo.

Não bastassem essas questões, se o governo aplicasse nas universidades federais, o que deixa de arrecadar em razão do Prouni e o que transfere para a iniciativa privada com o FIES, seria possível abrir um número grande de vagas em instituições federais de ensino.

Você é professora no Amapá? O que diferencia a atuação de uma educadora nessa região do país?

Um colega do Amapá escreveu um artigo na revista Universidade e Sociedade do ANDES-SN onde ele situava a nossa instituição na periferia da periferia do capital. De fato, essa é a condição em que nos situamos, estamos deslocados tanto no aspecto geográfico quanto em relação ao centro das decisões. Toda política educacional implementada no centro do sistema financeiro afeta o Brasil e se expressa com mais força em instituições periféricas como aquelas que estão no interior dos estados centrais ou nos estados mais distantes. O Reuni, programa de reestruturação do governo para as universidades federais, é um claro exemplo disso. A Unifap praticamente dobrou seu número de alunos e cursos, mas a contrapartida em termos de melhorias para a instituição é muito reduzida. Técnicos e docentes vivenciam fortemente a superexploração e a queda de qualidade resultante da falta de tempo para se dedicar aos detalhes da função. Por conseguinte, essa falta de qualidade afeta os alunos e o próprio desenvolvimento da região. Então, ser docente na periferia da periferia, significa ter que ser ainda mais forte na luta contra o desmonte da universidade. 

Quem é Marinalva Oliveira?

É muito difícil uma auto-definição, mas vamos lá! Sou professora e pesquisadora com formação em nível de doutorado na área de Psicologia na Universidade Federal do Amapá. Minhas pesquisas estão centradas nos desafios da inclusão escolar e social de pessoas com deficiência, de forma mais específica, crianças com síndrome de Down e atuo na graduação e na pós-graduação. Iniciei no movimento sindical dos bancários e posteriormente no SINDUFAP, seção sindical do ANDES-SN. Sou mulher, mãe e trabalhadora dentro do sistema capitalista, portanto, sofro todas as atrocidades que o mesmo nos traz, mas luto diariamente para superá-las e sonho com outra universidade e sociedade. Uma sociedade livre das opressões e das discriminações!

 

 

 

Fonte: ANDES-SN, 7/5/12.

 


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