A greve dos professores das Universidades Federais
É compreensível
que o Ministro da Educação, o senhor Aloísio Mercadante, se diga
surpreso com a deflagração da greve nacional dos professores
universitários federais
Por Mauro Iasi*
O Ministro da
Educação, o senhor Aloísio Mercadante, se diz surpreso com a
deflagração da greve nacional dos professores universitários federais.
É compreensível, primeiro porque o MEC esteve ausente e omisso durante
todo o processo de negociação ocorrido durante o ano passado e parece
desconsiderar a real situação dos professores e as distorções da atual
forma na qual se estrutura a carreira docente. Vejamos porque para nós
a greve não só não surpreende como se apresenta necessária.
Razões da greve
Há dois anos que
os professores negociam com o governo seu projeto de carreira docente
e para tanto o ANDES construiu a partir de um amplo debate com a
categoria um anteprojeto de lei no qual é apresentada nossa proposta
de uma carreira docente única com 13 níveis remuneratórios baseado no
tempo de carreira, na titulação e na avaliação realizada com autonomia
e por critérios objetivos definidos com fundamentos acadêmicos.
A posição do
ANDES, que consideramos correta, é que nossa discussão salarial
deveria ser feita com base em um projeto de carreira, ou seja, não nos
interessa a mera discussão de um índice de aumento salarial ou de
recuperação de perdas se não atacamos as raízes das distorções que
dividem nossa carreira e geram desigualdades injustificáveis entre
professores. Por exemplo, na concepção do governo a carreira dos
docentes do ensino público federal se divide em ensino universitário e
do ensino básico, técnico e tecnológico (que inclui os professores dos
Colégios de Aplicação, ensino técnico de segundo grau, etc.) Sabemos
das especificidades destes setores, mas segundo nossa visão são
diferenças de função e não de profissão, somos professores do ensino
público federal com diferentes atribuições dentro de uma mesma
carreira.
Outra divisão,
esta dentro do mesmo campo do ensino universitário, é aquela que
compõe nossa atual carreira e que nos divide em professores
auxiliares, adjuntos, assistentes e titulares, esse último
constituindo uma carreira à parte que inclusive exige novo concurso.
Ora, essa distinção se fundamenta e um pressuposto quase feudal,
próprio de um modelo universitário anacrônico e autoritário em frontal
contradição com o modelo de universidade e sociedade que defendemos.
Sua base é a concepção de que existe um grupo de professores “donos”
de certa área ou disciplina e que dão algumas aulas durante o ano
comunicando seus estudos e pesquisas assim como seu acúmulo teórico
sobre um tema e são auxiliados por professores que o circundam como
assistentes ou adjuntos e estes por auxiliares numa hierarquia que
implica mais que uma divisão de trabalho uma lógica de poder.
Isso não faz
sentido na realidade da universidade brasileira que desde a
constituição de 1988 em seu artigo 207 estipula a articulação entre
ensino, pesquisa e extensão. Na prática tal conformação divide a
categoria em faixas remuneratórias que funcionam como um funil em que
poucos podem chegar ao final da carreira e as salários maiores e a
maioria fica presa nas faixas intermediárias. Segundo estudo promovido
pela ADUFRJ, por exemplo, na UFRJ, mais de 80% se aposentam como
professor adjunto 4.
A proposta
inicial do governo criava mais um patamar que denominou de Professor
Sênior, hoje retirada da proposta, extinguindo a carreira de professor
titular, que impunha aos professores mais quatro degraus até o final
da carreira e impunha critérios que fechava ainda mais a saída do
funil.
Durante todo o
ano de 2011 o ANDES acompanhou uma longa e tortuosa enrolação do MPOG
que supostamente deveria debater as propostas apresentadas sobre a
carreira buscando aproximações e diferenças visando chegar a uma
proposta negociada. Sob uma série de pretextos o governo protelou as
reuniões, quando não as desmarcou unilateralmente numa total falta de
respeito ao que havia sido combinado. O fato que chegamos ao final do
ano sem que um milímetro da negociação sobre a carreira docente
houvesse sido acordado.
No final do ano
passado o governo apresenta uma proposta emergencial, diante do
impasse na negociação, que consistia basicamente em três pontos:
aumento emergencial de 4% a ser pago seis meses adiante (em março de
2012); incorporação de uma das gratificações ao vencimento básico
(GEMAS para ensino superior e GEDBT pra o ensino básico, técnico e
tecnológico). Até maio deste ano o governo não havia cumprido sequer o
acordo emergencial.
Uma greve em
defesa da universidade pública: pela carreira docente, por salários e
por melhores condições de trabalho.
O governo
apresentou um Projeto Lei que incluía os termos acordados ao final de
2011 e o transformou em Medida provisória agora em maio (a MP 568).
Ocorre que junto com o aumento de 4% e a incorporação das
gratificações, agrega inúmeras medidas referente à várias categorias
do funcionalismo que não foram negociadas e que pode gerar perdas para
os trabalhadores, como é o caso da mudança do cálculo da insalubridade
que afeta diretamente os médicos.
O acordo e seu
injustificável atraso é insuficiente, neste sentido a greve dos
professores não é apenas pelo seu cumprimento, na verdade uma
obrigação acordada com o governo, mas pela imediata abertura de uma
negociação séria sobre nossa carreira e pelo enfrentamento das causas
que levam hoje à precarização do trabalho docente, das condições de
trabalho e das instalações universitárias. Esse aspecto está ligado
diretamente à expansão realizada pelo governo que não veio acompanhada
dos recursos necessários para sua implementação gerando salas de aulas
superlotadas, pressões para um aumento da carga horária dos docentes
em sala de aula prejudicando a relação entre ensino, pesquisa e
extensão, falta de professores, precariedade de instalações.
Vários campus
estão funcionando em espaços cedidos por prefeituras, salas
improvisadas, sem laboratórios, equipamentos e instalações adequadas.
Tudo isso tem acarretado vários problemas que vão desde turmas que
estão ameaçadas de não se formar, como é o caso da medicina de Macaé
que não tem hospital para que seus alunos façam a residência além da
carência de professores em várias disciplinas.
Na verdade o
sucateamento da universidade pública e a maneira como o governo
entende o setor revela uma concepção de Estado que está na base do
projeto de governo que se implantou em nosso país. Vivemos uma
contra-reforma do Estado e uma clara opção pela lógica do mercado e
das parcerias público-privadas que tem por centro e meta principal a
formação de superávits primários sangrando o fundo público para
colocá-lo a serviço dos interesses do grande capital monopolista. Não
há uma crise da Universidade Pública, o que há é uma clara intenção de
adaptá-la, destruindo-a, para que sirva aos interesses da lógica
capitalista e do mercado.
Desta forma, o
ensino público é concebido como um serviço oferecido que deve disputar
o mercado e seus “clientes/consumidores” com as demais empresas do
setor e para tanto deve assumir uma lógica gerencial fundada na
“eficácia”, entendida como produzir o serviço com os recursos
existentes e ter iniciativa de captar os recursos adicionais
necessários. Daí as Universidades são incitadas a buscar recursos na
iniciativa privada, seja através de projetos de parceria,
financiamento de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico, através de
fundações ou outras formas. Para os professores é pensado uma
remuneração básica e uma concorrência entre seus pares no balcão de
projetos e bolsas oferecidas pelas instituições de fomento ou pelas
oportunidades do mercado, o que vem se tornando para boa parte da
categoria a principal fonte de sua remuneração, ou, no mínimo, uma
parte considerável de seus vencimentos.
Além desta
prática quebrar a autonomia universitária e o necessário financiamento
público, gera distorções e diferenças não apenas entre unidades da
Universidade, com centros e unidades com grandes somas de recurso e
outras com recursos abaixo do mínimo necessário, o que se reflete não
apenas nas instalações, mas na própria capacidade de produção de
pesquisas, intercâmbios e visibilidade de sua produção acadêmica e
científica; como, também, entre os professores e sua remuneração.
A situação atual
é produto desta opção. Por isso se explica o abandono de uma política,
não de valorização dos salários, mas mesmo de sua recomposição. Se
considerarmos os salários nominais entre 1998 e 2011 de categorias do
serviço público federal que exigem a mesma formação e que se compõe de
atividades similares, como por exemplo os profissionais de Ciência e
Tecnologia e os pesquisadores do IPEA, temos que em 1998 os
professores universitários recebiam R$ 3.388,31, os pesquisadores do
IPEA R$ 3.128,20 e do MCT recebiam R$ 2.6632,36. Em 2011 a situação se
inverte de forma que os pesquisadores do IPEA ganham R$ 12.960,77, em
segundo lugar os profissionais do MCT com R$ 10.350,68, e os
professores passaram para a última posição com R$ 7.333,67, sendo a
pior remuneração entre os funcionários públicos com este nível de
formação exigido.
Isso considerando
a categoria como um todo, pois as divisões as quais nos referíamos no
interior da carreira existente e que permanecem na proposta do
governo, fazem com que os aumentos oferecidos concentrem-se no alto da
pirâmide e se diluam nas categorias intermediárias e na base. O
secretário de relações do trabalho do MPOG, Sérgio Mendonça, por
exemplo, alega que considerada no conjunto os professores tiveram
reposta a inflação do período relativo aos governo Lula e Dilma (cerca
de 57,1 %). No entanto, considerando as diferenças, os extratos
superiores da carreira, como professores titulares e assistentes 3 e
4, tiveram em media seus salários ajustados entorno de 15% acima da
inflação, enquanto os adjuntos, faixa na qual se encontra a maior
parte dos professores inclusive os aposentados, amargam uma defasagem
que chega à 40% abaixo da inflação do período.
Para o governo
esse não é um problema da educação, de uma política para universidade
brasileira, mas um problema de gestão, não é por acaso que o principal
negociador durante todo esse tempo não foi o MEC, um ilustre ausente e
omisso nesse debate, seja com Haddad, seja agora com Mercadante, um
político que traz no nome a marca de seu compromisso, mas o Ministério
de Planejamento.
Os professores
universitários são vistos como uma categoria privilegiada que trabalha
pouco e ganha altos salários e a universidade um antro de maus
gestores e de desperdício do dinheiro público, justificando o controle
que rouba a autonomia universitária, uma limitação de recursos e o
destino de completá-los no mercado e das parcerias, condenando a
universidade a se transformar em uma central de serviços e os
professores em mascates de projetos e que tem, se quiser cumprir os
requisitos para ascender na carreira, que dar aulas (muitas aulas),
participar de projetos de extensão, da pesquisa, da pós-graduação,
além de participar dos espaços coletivos de gestão da vida
universitária que se tornam cada vez mais homologatórios e formais.
O resultado disso
é o adoecimento dos professores, a insegurança na carreira que é cada
vez mais preterida roubando dos campos aqueles que poderiam contribuir
para uma universidade pública e de qualidade, uma lógica perversa que
sucateia a universidade pública para oferecer como saída sua
mercantilização.
Por tudo isso os
professores estão em greve, na maior greve do último período, pela
defesa da Universidade Pública, pela defesa da carreira docente
apresentada pelo ANDES-SN, por melhores condições de trabalho. Devemos
isso ao pais, porque precisamos de uma universidade pública de
qualidade, ainda que lutemos por mais que isso, para nesta
universidade pública também se reflita os interesses dos trabalhadores
e da maioria da população lutando por aquilo que chamamos da luta por
uma Universidade Popular, e, por isso, a luta por uma Universidade
Pública e por uma Universidade Popular é uma luta pelo socialismo.
Devemos isso, também, a nós mesmos, os professores, porque merecemos
respeito e precisamos resgatar nossa dignidade espezinhada por este
governo de burocratas à serviço do grande capital monopolista que vê
na Universidade mais oportunidade de negócios (como mostra a proposta
da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares- EBSERH); mas,
principalmente, devemos isso aos nossos queridos alunos que merecem
uma educação de qualidade e uma verdadeira aula, aquela que demonstra
que é somente no caminho da resistência e da luta que conquistaremos
uma universidade melhor e caminharemos para superar a lógica do
capital que está na base da proposta de universidade que se implanta.
Nós não podemos
impedir que os exploradores se comportem como tal, da mesma forma que
não nos cabe mudar o comportamento de seus aliados e serviçais que
hoje no governo implementam o desmonte das políticas públicas, do
Estado e, portanto, da Universidade Pública. Mas, podemos e devemos
decidir não ser seus cúmplices e dizer em alto e bom tom: se quiserem
destruir a Universidade Pública terão que fazer sem nosso
consentimento, sem nossa omissão, terão que fazê-lo contra nós e isso
não se dará sem luta.
***
* Mauro
Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ,
presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e
Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do
PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da
consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo
mensalmente, às quartas.
Fonte: Brasil de
Fato, 4/6/12.