2014: Entre a copa e o golpe
 

Por Roberta Traspadini*

2014 será muito mais do que o período da copa do mundo presidida pelo capital internacional no nosso território

Viveremos em 2014 dois momentos que deverão disputar nossa reflexão sobre as últimas décadas do processo de desenvolvimento brasileiro.

O País do futebol narrado nas mídias e executado em obras de parceria público-privada, não é compatível com o País em que parte de seu povo é retirada de seus territórios para dar passagem ao progresso.

Se por um lado, a copa do mundo movimenta todo o sentido político-econômico da Nação, por outro lado, em 2014, estaremos além de lamentando o penoso Golpe Militar brasileiro sobre nós militantes sociais, reforçando nosso vivo grito político contra os 50 anos do golpe.

1964 é momento para se lembrar. A direita instaura sob um regime de exceção, uma ditadura que garantirá a ordem do progresso no território brasileiro.

Esta ordem, em conformidade com a hegemonia norte-americana no mundo, tem como palco a guerra fria e a projeção de dois modelos de desenvolvimento antagônicos: capitalismo versus socialismo.

A vivência no território nacional, de uma política projetada pelos Estados Unidos no continente, conforma um jeito político de ser e transforma a cidadania militar, como a âncora da moral e cívica desta época.

O sentido de Nação, o amor à Pátria e aos seus símbolos e a alusão ao progresso, liderado pelo petróleo é nosso, nos remete à discussão sobre as vidas de quem a ditadura agiu.

Agiu contra os indivíduos e as organizações religiosas, políticas, sociais, que reivindicavam o direito democrático à indagação, à contestação à ordem, através da música, das artes, das universidades, dos partidos, dos sindicatos,entre outros.

É por seu sentido militar contra os indivíduos que ousaram gritar, quando a ordem era calar, que a ditadura, além de lamentação necessita ser protesto protagonizado pelos que se indignam contra as atrocidades cometidas.

Neste protesto, dois pontos merecem destaque no resgate da memória:

1) os militantes quem foram torturados, exilados, mortos-desaparecidos; 2)os indivíduos que foram (vivos ou mortos hoje) os torturadores, no mando e na execução destes reais crimes humanitários.

É vital darmos visibilidade aos nossos militantes torturados, desaparecidos e aos torturadores da direita. A primeira nos guiará rumo ao sentido político sobre o porquê de nossas lutas e os perigos dos enfrentamentos para aqueles que ousamos lutar, referenciados pelos nossos grandes nomes. A segunda nos permitirá, no levante popular pela verdade, explicitar as armas utilizadas pelos inimigos para nos calar, matar.

Existe uma diferença substantiva entre torturados-torturadores: nossos militantes políticos, torturados, estão mortos (enterrados ou desaparecidos) e viveram, quando resistiram, exílios forçados. Já os torturadores, militantes políticos da direita, ou estão vivos na memória como defensores da Pátria, ou estão bem velhos o que aparentemente os descaracteriza como criminosos.

As marcas dos rostos, das mãos e a curvatura dos corpos dos torturadores, encobrem a sujeira de um passado que no presente exige um levante popular pela verdade.

Em nossa América, quem tem se levantado para trazer à tona este tema é a juventude. Um belo trabalho de formação política ancorado na memória de nossas lutas vivas. Um exemplo, para os que duvidam da formação da consciência em tempos de crises e de que a luta de classes segue como o motor da nossa história.

2014 será muito mais do que o período da copa do mundo presidida pelo capital internacional no nosso território. Será o momento de, junto com a juventude, massificarmos os levantes populares contra o esquecimento, contra o perdão e pela dignidade humana no nosso território de luta, e para além das fronteiras nacionais.

Se em 1970 a copa do mundo do México, arrastou o slogan dos 90 milhões em ação, ocultando o desenvolvimento desigual e combinado que imperaria, em 2014, os quase 200 milhões em ação, viverão, via copa do mundo, a ocultação de quais elementos do atual projeto de desenvolvimento?

 

* Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.

 

 

Fonte: Brasil de Fato, 11/4/12.

 


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