Valorização do professor e construção da universidade pública
Por Luiz Henrique
Shuch*
A carreira do
magistério superior em vigor nas universidades federais foi
conquistada em 1987, como resultado da mobilização nacional que
unificou a norma para todos os docentes das universidades autárquicas
e fundacionais.
As greves e
negociações que resultaram no texto do Plano Único de Classificação e
Retribuição de Cargos e Empregos – PUCRCE, anexo ao Decreto 94.664/87,
ocorreram concomitantemente à luta contra o projeto do Grupo Executivo
para Reformulação da Educação Superior – GERES e ao embate
constituinte.
Nestas três
frentes, a disputa travada ocorreu em torno de visões distintas quanto
à responsabilidade do Estado no desenvolvimento da educação superior
pública, da pesquisa científica e, consequentemente, do modo como
projetar o trabalho docente.
Os tecnocratas
que dominavam o Ministério da Educação, à época, foram derrotados em
sua visão instrumental e privatista, que abandonava o papel de
referência das Universidades Federais para a construção do padrão de
qualidade na educação pública e da pesquisa científica com
características emancipatórias. A Constituição de 1988 e o PUCRCE,
frutos de um só movimento da sociedade brasileira, expressam os mesmos
fundamentos: espaço público institucional identificado com sua função
de Estado, autonomia de gestão, democracia, financiamento público,
indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão, regime jurídico único,
regime de trabalho e piso salarial compatíveis com a função,
estabilidade, isonomia, paridade na aposentadoria, entre outros. O
GERES saiu de cena após uma semana de greve nacional das Instituições
Federais de Ensino Superior. Eles foram derrotados, mas os interesses
que representavam recrudesceram a partir dos anos 90, com matizes
neoliberais.
A financeirização
e a oligopolização da economia, sem precedentes na história da
humanidade, crescem ora pregando o Estado mínimo, ora reclamando
aporte público a seu favor, sempre com redução dos direitos sociais,
em especial dos servidores públicos e dos aposentados.
Apesar do esforço
e da clareza que o movimento docente tem demonstrado, foram amargadas
derrotas. As duas últimas décadas foram de refluxo dos movimentos
sociais no Brasil e no mundo. Isto abriu espaço para a subtração de
direitos dos docentes e minar os caminhos para construção da
universidade pública de qualidade social.
No que diz
respeito à carreira, várias perdas ocorreram: na autonomia das
instituições para administrar a execução da carreira e utilização das
vagas; na previsibilidade em relação aos direitos e ao desenvolvimento
na carreira; na perspectiva de evolução combinando experiência
acadêmica e formação continuada (até mesmo os quinquênios foram
suprimidos); no compromisso efetivo com a valorização da
indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão; na isonomia salarial e na
remuneração única referente à posição na carreira (até mesmo a
remuneração por titulação foi retirada do corpo do salário); na
crescente dependência externa; no respeito aos diferentes percursos
acadêmicos; na unidade de regência por um mesmo plano de carreira para
todos os graus do ensino e as gratificações. Além de tudo isso,
desabou o padrão salarial relativo a outras categorias e, na
aposentadoria, relativo ao da atividade.
Desde 1987, a
primeira vez em que o governo federal apresentou um projeto para
modificar a carreira dos docentes federais do ensino superior foi no
mês de agosto de 2010, revelando basicamente a disposição de
cristalizar as distorções anteriormente introduzidas. Sob o fetiche de
que alongar a carreira é naturalmente positivo, aprofunda as divisões,
o caráter de produtivismo instrumental e a discriminação na
aposentadoria.
É evidente que,
com outro rosto, a mesma disputa conceitual da década de oitenta
persiste.
A nossa proposta
O movimento
docente reunido no Andes-SN compreendeu que isto colocava o debate em
outro patamar e deslanchou um processo nacional, com várias idas e
vindas entre rodadas de assembleias gerais e reuniões nacionais, para
apresentar um projeto para reestruturação da carreira construído
dentro das universidades. Todo esse trabalho resultou na minuta de um
projeto de lei, aprovado por unanimidade no 30º Congresso, realizado
em fevereiro de 2011, em Uberlândia.
Sob a consigna
“Nossos direitos cabem no papel. Em nossas mãos cabe a conquista”, a
proposta foi apresentada ao governo e aos parlamentares, debatida nas
universidades e com a Andifes.
Em termos de
conteúdo, o projeto mantém conexão com PUCRCE, preservando os
princípios e os direitos dos docentes, atualizando o que é necessário,
mas alçando ao status de uma Lei o que até agora é o anexo de um
decreto. Inova ao prever carreira única e cargo único para todos os
professores federais ampliando o espaço de resolução das questões de
pessoal no âmbito da autonomia universitária e da avaliação
institucional.
Apesar de
frustrada, a campanha 2011 dos servidores públicos federais, diante da
dureza e da intransigência do governo, abriu uma pequena janela na
negociação específica com os docentes. O acordo emergencial constituiu
formalmente um grupo de trabalho com prazo definido para negociar a
reestruturação da nossa carreira.
Os dados da
realidade e os danos causados pela crescente precarização das
condições de trabalho vêm despertando os docentes para reagir e
constituir movimento em defesa dos seus direitos e da construção da
universidade pública brasileira. É nessa mobilização crescente que o
Andes-SN empenha esforço político, sua disposição de negociar e
expectativa conquistas.
* Luiz Henrique
Shuch é 1º vice-presidente do Andes-SN.
Fonte: adufrj.