O Brasil
não pode concordar com o valetudo internacional
Por Gilberto Maringoni*
A diplomacia brasileira não
pode, nem de maneira indireta, avalizar o caminho das violações do
Direito internacional. A conseqüência pode ser um enorme retrocesso na
política externa “ativa e altiva” iniciada por Celso Amorim. Através
dela, o Brasil ganhou relevância inédita na geopolítica mundial.
O ministro de Relações
Internacionais, embaixador Antonio Patriota, classificou como
“positiva” a morte do terrorista Osama Bin Laden, ocorrida na noite de
domingo. A avaliação embute um endosso indireto do Brasil à operação
desfechada pela CIA para eliminar aquele que foi classificado por
todas as mídias como o “homem mais procurado do mundo”.
Estamos diante de algo muito
sério. Não se trata apenas de uma mudança na condução da política
externa brasileira. Se a aprovação oficial se confirmar, haverá aqui
uma mudança de qualidade.
É necessário atentar para a
natureza dos fatos ocorridos em Abbottabad, na periferia de Islamabad,
Paquistão, há poucos dias. Façamos duas ressalvas iniciais.
Primeiro – Osama Bin Laden é
um terrorista. O atentado às torres do World Trade Center, em 11 de
setembro de 2001, foi um assassinato coletivo e deve merecer a repulsa
de qualquer pessoa de bom senso.
Segundo – Como dirigente
principal da ação, Bin Laden deveria ser capturado e julgado por uma
corte internacional, tendo garantidos todos os ritos e procedimentos
do Direito internacional.
Não foi o que aconteceu. Bin
Laden e, ao que parece, sua esposa e um filho, foram executados por um
comando militar estadunidense, sem possibilidade de reação ou defesa.
Aqui valem três perguntas.
Como a
informação sobre a localização do terrorista foi obtida?
Através da tortura de um
membro da Al Qaeda, preso sem julgamento em Guantánamo. A informação é
do diretor da CIA, Leon Panetta, em entrevista à revista Time.
Como a
operação foi planejada?
Na mesma entrevista, Panetta
revela: “Foi decidido que qualquer tentativa de trabalhar com os
paquistaneses poderia colocar a missão em risco. Eles poderiam alertar
os alvos”. Mais adiante, o chefe da CIA declara que o governo
paquistanês "nunca soube nada sobre a missão", classificada pelos EUA
como "unilateral".
Ou seja, a tarefa envolveu uma
invasão territorial.
Como se deu
a ação?
O diretor da CIA conta que as
determinações do presidente Barack Obama exigiam a morte de Bin Laden,
e não apenas sua captura. Assim se deu. O líder da Al Qaeda foi
fuzilado junto com quem estava na casa.
São três as violações do
Direito internacional: obtenção de informação sob tortura, invasão de
território de um outro país e execução sumária.
Apesar dos ânimos exaltados
dos estadunidenses que foram às ruas e do comportamento ufanista da
mídia brasileira, não se fez “justiça” alguma. O que houve foi a
vingança de um ato bárbaro com outro ato bárbaro. Olho por olho, dente
por dente, como dos filmes de caubói.
Se a lógica for mantida, acaba
qualquer legalidade ou civilidade nas relações internacionais. A
pistolagem high-tech será a métrica da resolução de problemas nas
próximas décadas. Já há uma caçada em curso visando Muamar Kadafi,
apesar da resolução 1973 da ONU não autorizar medida desse tipo.
A diplomacia brasileira não
pode, nem de maneira indireta, avalizar tal caminho. A conseqüência
pode ser um enorme retrocesso na política externa “ativa e altiva”
iniciada por Celso Amorim. Através dela, o Brasil ganhou relevância
inédita na geopolítica mundial.
* Gilberto
Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa
– poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação
Perseu Abramo).
Fonte: Ag. Carta Maior, 4/5/11.