Vale menos o minério do que a vida
Parece não haver outra esperança que não sejam o espírito solidário e
a mobilização popular
Por Ruben
Siqueira*
Pode-se resumir
nesta ideia a consciência coletiva explicitada por cerca de 2500
pessoas de Campo Alegre de Lourdes, norte da Bahia – 10% da população
do município – ao caminharem dois quilômetros em Romaria de protesto
contra a mineração. Sob a poeira e o sol do meio-dia, em meio à
caatinga seca de setembro, foram até quase o sopé do morro Tuiuiu.
Cartão-postal do município, o morro tem minérios valiosos como titânio
e vanádio. Pelas pesquisas, 82% do território do município estão sob
alvo de mineradoras. O povo, assustado, não assiste acuado.
A Companhia
Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) tem alvarás de pesquisa para
4.259,94 hectares, em 11 morros na região, estimados em 134 milhões de
toneladas de minério. A exploração pela canadense Largo está calculada
em 64,13 milhões de reais.
São informações
do dossiê Mineração na região de Juazeiro – avanços, impactos e
resistência das comunidades rurais, de julho de 2009, feito pela
Comissão Pastoral da Terra daquela diocese, com base em dados
secundários e pesquisa direta. Quase todos os municípios da região
enfrentam ou estão na mira de mineradoras, que se impõem
avassaladoras, por sobre áreas de produção alimentar, territórios
tradicionais, águas, matas e morros preservados.
Em toda a Bahia,
como em todo o país, expandem-se as mineradoras com apoio e incentivo
do Estado. Conflitos em ato ou iminentes com moradores, lavradores,
criadores, comunidades tradicionais, com o meio-ambiente e com a
consciência e a vontade da maioria da população, sempre desprezados
nestas ocasiões. As seduções de empregos, comércio, royalties para o
erário municipal nem de longe compensam os lucros exportados e as
degradações deixadas. Não faltam comprovações disso. No próprio
município, no distrito de Angico dos Dias, a mineração de fosfato pela
Galvani lança poeira tóxica sobre o povoado, causando doença e morte.
Como um manto
opaco sobre tudo, as mentiras do discurso desenvolvimentista,
pseudo-sustentável, progresso a qualquer custo, fundado no dogma do
crescimento econômico, por aqui ainda absoluto, apesar dos estertores
do neoliberalismo mundo afora. Lembra o período da Ditadura Militar...
É certo que
continuamos a precisar de produtos minerários, siderúrgicos, mas não
será algo limitado e sem controle. É certo também que a destruição é
para sempre. Então, quais limites e controles? Quem decide sobre eles?
Interessam aos poderosos somente as oportunidades lucrativas, que são
apenas o que veem nas demandas crescentes por minérios no mercado
global, reprimarizando nossa economia. Quais outros interesses são
levados em conta? O novo marco regulatório da mineração não pode se
dar afeito apenas a empresários e ao Estado a eles servil.
O final da
Romaria se deu numa área que já foi objeto de grilagem, há quase 30
anos, e esbarrou na resistência vitoriosa dos moradores, muitos ali
presentes. Numa clareira aberta em ligeiro declive, celebrou-se a
missa, seguida de depoimentos, poesias e uma dança ecológica executada
por adolescentes. As pessoas se aglomeravam sob fiapos de sombras das
árvores desfolhadas ou compartilhavam acolhedores guarda-sóis e
sombrinhas. Faixas e cartazes com dizeres em defesa da natureza, da
terra e do povo, canções religiosas em defesa da vida. Ao fundo,
soberano, o belo Tuiuiu se impunha sobre a sequidão.
O Estado, à
exceção de setores do Ministério Público, já mostrou de que lado está,
ao bancar o setor e flexibilizar a área ambiental dos governos. Parece
não haver outra esperança que não sejam o espírito solidário e a
mobilização popular, como fizeram os romeiros de Campo Alegre de
Lourdes. Serão fortes o suficiente para forçar o Estado a não ceder às
explorações? Cedendo, ao menos condicioná-las, submetê-las a rígidas
salvaguardas e controles pela cidadania organizada e atenta?
Encarecida, quem sabe, acabasse por valer menos a exploração mineral
do que a vida que ela custaria.
* Ruben Siqueira
é sociólogo, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT-Bahia) e da
Articulação Popular São Francisco Vivo.
Fonte: Brasil de
Fato.