União
estável homoafetiva, um direito conquistado
Escrito por Frei Gilvander*
O Supremo Tribunal Federal, no
dia 5 de maio de 2011, decidiu por unanimidade reconhecer,
juridicamente, a união estável homoafetiva. Assim, o STF reconheceu
como legítimas e constitucionais decisões que já acontecem em dez
estados brasileiros em 1ª e 2ª instâncias e em mais de vinte países.
Decisão justa, que trouxe alegria aos defensores do respeito à
orientação sexual homossexual. Declara-se assim o início do fim da
hegemonia da moral heterossexual. Abre caminho para a afirmação à luz
do dia das uniões estáveis entre homossexuais que até aqui pagavam um
altíssimo preço pelas suas opções. Mas segmentos conservadores ficaram
irritados e questionam o acerto da decisão do STF.
Para a decisão, o STF se
fundamentou em vários argumentos jurídicos, tais como "a
homossexualidade caracteriza a humanidade de uma pessoa. Não é crime.
Então por que o homossexual não pode constituir uma família? Por força
de duas questões que são abominadas por nossa Constituição: a
intolerância e o preconceito" – frase do ministro Luiz Fux.
"O reconhecimento de uniões
homoafetivas encontra seu fundamento em todos os dispositivos
constitucionais que tratam da dignidade humana" (ministro Joaquim
Barbosa).
"Se o reconhecimento da
entidade familiar depende apenas da opção livre e responsável de
constituição de vida comum para promover a dignidade dos partícipes,
regida pelo afeto existente entre eles, então não parece haver dúvida
de que a Constituição Federal de 1988 permite a união homoafetiva
admitida como tal" (ministro Marco Aurélio).
"Aqueles que fazem sua opção
pela união homoafetiva não podem ser desigualados em sua cidadania.
Ninguém pode ser de uma classe de cidadãos diferentes e inferiores,
porque fez a escolha afetiva e sexual diferente da maioria" (ministra
Cármen Lúcia).
"O Supremo restitui (aos
homossexuais) o respeito que merecem, reconhece seus direitos,
restaura a sua dignidade, afirma a sua identidade e restaura a sua
liberdade" (ministra Ellen Gracie).
"É arbitrário e inaceitável
qualquer estatuto que puna, exclua, discrimine ou fomente a
intolerância, estimule o desrespeito e a desigualdade e as pessoas em
razão de sua orientação sexual" (ministro Celso de Mello).
Se o elo mais forte de uma
corrente é o elo mais fraco, só poderá ser mais justo o que for
tratado a partir do elo enfraquecido e discriminado. Numa sociedade
preconceituosa, intolerante, hipócrita e cínica, os homossexuais são
um dos elos discriminados. Feliz do povo que ouve os clamores dos que
fazem outra opção sexual senão a hegemônica. Quanta dor! Quanta
lágrima derramada! Quanta cruz carregada!
Devemos respeitar todos, mas
não podemos respeitar todos da mesma forma. Devemos respeitar as
minorias – sem terra, mulheres, negros, deficientes, idosos,
indígenas, homossexuais, sem casa etc. – nos colocando na e da
perspectiva deles para a partir deles nos posicionar sobre o que deve
ser considerado justo. E devemos respeitar os diferentes que estão na
classe dominante – latifundiário, machistas, racistas, "normais",
fortes, brancos, heterossexuais, especuladores etc. – fazendo de tudo
para retirar das mãos deles as armas de opressão com as quais
discriminam, muitas vezes, inconsciente e involuntariamente.
Na Bíblia, o primeiro relato
da Criação (Gen. 1,1-2,4a) mostra o ser humano profundamente ligado e
interconectado a todas as criaturas do universo. De uma forma poética,
o relato bíblico insiste na fraternidade de fundo que existe entre
todos os seres vivos que são uma beleza. Nas ondas da evolução, Deus,
ao criar, sempre se extasia diante de todas as criaturas e exclama:
"Que beleza! Bom! Muito bom!" O livro de Atos dos Apóstolos resgata,
nas primeiras comunidades cristãs, essa mística ao dizer que não há
nada impuro. Tudo é puro, é sagrado. Deus não faz acepção de pessoas,
não discrimina. O apóstolo Pedro ressalta a ordem divina de não chamar
de profano ou de impuro nenhuma pessoa (At 10,28). Pedro muda de
atitude e passa a perceber que Deus não faz discriminação de pessoas.
O importante é a prática da Justiça (At 10,34-35). O autor da Carta de
Tiago nos alerta que Deus não faz distinção de pessoas, mas faz opção
pelos pobres. Não é tolerável rico discriminar pobre. (cf. Tg 2,1-9).
Numa sociedade hegemonicamente heterossexual, os homossexuais são
"pobres". Por isso, devem ser respeitados e compreendidos.
Na decisão do STF - que
reconheceu a união estável entre as pessoas de opção homoafetiva - não
se pode deixar de destacar e parabenizar a luta do movimento pelos
direitos dos homossexuais, que incansavelmente, no Brasil e no mundo,
vem marchando pelas ruas, erguendo suas bandeiras, gritando de
diferentes formas o direito que agora é reconhecido. Os ministros do
STF não criaram uma novidade, mas em cada voto ecoaram os clamores das
pessoas homossexuais que lutam pela afirmação de seus direitos há
tanto tempo.
Nesse caso, o STF deu exemplo
de coragem e cidadania. Tornou-se visível o invisível. Mas a luta
continua. Luta contra a homofobia, o preconceito e o conservadorismo
que só excluem e negam a liberdade e a dignidade constitucionalmente
garantidas e biblicamente amparadas.
Enfim, é ético seguir o
seguinte princípio: No necessário, a unidade; no discutível, a
liberdade; em tudo, o amor.
Texto escrito em Belo
Horizonte, em 9 de maio de 2011, véspera dos 25 anos de martírio do
padre Josimo Tavares, ocorrido em 10/05/1986.
* Frei
Gilvander é mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblia,
assessor da CPT, CEBs, SAB e Via Campesina – E-mail:
gilvander@igrejadocarmo.com.br Este
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– Página na web: ttp://www.gilvander.org.br/
Fonte:
Correio da Cidadania