Trabalhadores são libertados de obras com apoio público
Moradias do Minha
Casa Minha Vida estavam sendo construídas por 56 operários
escravizados em Divinópolis (MG)
Duas
fiscalizações trabalhistas em Minas Gerais encontraram mais de 60
pessoas submetidas em condições análogas à escravidão no setor da
construção civil. Em ambos os casos, as obras estavam sendo realizadas
com o suporte de iniciativas mantidas pelo poder público. Além disso,
uma das construtoras envolvidas é reincidente: já havia sido
responsabilizada por situação semelhante em empreendimento localizado
no Estado de Goiás.
O caso da
reincidência se deu em agosto no município de Divinópolis (MG), onde a
empresa Copermil mantinha 56 trabalhadores num motel abandonado, sem
as mínimas condições de higiene ou conforto. Eles atuavam na
construção de habitações incluídas no Programa Minha Casa Minha Vida,
um dos carros-chefe das políticas do governo federal para incentivar o
setor.
"Alguns chegavam
a usar tijolos da obra como travesseiros", relatou o auditor fiscal
Vicente Fidélis, que coordenou a ação. O aliciamento do grupo se deu
em Rio Pardo de Minas (MG), na região do Vale do Jequitinhonha, e a
denúncia chegou à unidade local do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) após eles terem sido vítimas de furto, logo nos primeiros dias
de trabalho.
A operação foi
acompanhada pela procuradora do trabalho Florença Dumont. "É um
fenômeno recente. Estou há três anos na procuradoria e é a primeira
vez que eu pego um caso [de trabalho análogo à escravidão] na
construção civil", disse. "A ideia e os fatos são os mesmos [do
trabalho escravo rural]. Encontramos alojamentos precários, sanitários
sem as mínimas condições de higiene, ausência de água potável. Eles
ainda não tinham dívidas, mas estavam trabalhando há apenas 10 dias no
local. No entanto, como foram trazidos de longe e não tinham dinheiro
para retornar, obviamente estavam com a liberdade tolhida", completou.
"Com o
aquecimento do mercado da construção civil, eu acredito que a
tendência é de um triste aumento [de casos como esse] daqui para
frente", previu Vicente, que admitiu ter ficado perplexo com o
usufruto de apoio governamental (Programa Minha Casa Minha Vida) para
esse tipo de exploração, e ainda mais quando se consta a participação
de reincidente.
Responsável pela
construção, a Copermil fez a rescisão e garantiu os direitos dos
trabalhadores resgatados no local. Pagou também um ônibus para
levá-los de volta a Rio Pardo de Minas (MG) e aceitou assinar um Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho
(MPT).
A mesma Copermil
já havia sido flagrada antes em caso semelhante, em outra obra
vinculada ao Minha Casa Minha Vida em Catalão (GO). Na ocasião, a
empresa também assinou um TAC. Os procuradores estudam se o primeiro
acordo pode ser considerado em nível nacional. Se assim for, a
Copermil, além de todos os problemas configurados, também poderá
responder, com multas adicionais, pelo descumprimento do termo
anterior.
O ônibus que
levou os libertados de volta para o norte de Minas teve de ser
protegido pela polícia. "Neste caso específico, nós sabíamos que havia
traficantes esperando para cobrar dívidas na estrada. Para suportar
essas condições de trabalho, muitos recorrem ao uso de drogas. Como
eles receberam as indenizações no local e em dinheiro, a escolta foi
necessária", relatou a procuradora. Cada trabalhador recebeu
indenizações que variavam entre R$ 1 mil e 2 mil. Havia no ônibus mais
de R$ 96 mil em dinheiro.
A Copermil se
valeu de "questões contratuais" envolvendo a Caixa Econômica Federal e
a prefeitura local para se negar a falar oficialmente sobre o assunto
com a Repórter Brasil. Mas a reportagem apurou junto a fontes internas
que a empresa se considera injustiçada e indevidamente acusada tanto
na fiscalização de Divinópolis (MG) como na de Catalão (GO).
Banheiros
comunitários
Outra ação que se
desdobrou no início de outubro libertou mais 10 trabalhadores de
trabalho degradante em obra bancada com recursos públicos, também em
Minas Gerais. Foi em Conceição do Mato Dentro (MG). Pedreiros e
ajudantes estavam construindo banheiros comunitários financiados por
convênio entre a prefeitura local e a Fundação Nacional de Saúde
(Funasa).
Segundo o
procurador do trabalho Max Emiliano Sena, a AF Construções Ltda.,
responsável pela obra, não assinou a carteira, não efetuou o pagamento
dos salários, não forneceu equipamento de proteção individual (EPI), e
não garantiu nem mesmo a alimentação e a água potável aos empregados.
O alojamento era um barraco improvisado de alvenaria, sem portas ou
janelas, no qual os trabalhadores tinham de dormir no chão. O
procurador classificou as condições de higiene do local como
"deploráveis".
A empresa ficou
responsável por arcar com as verbas trabalhistas e providenciar
imediatamente o transporte dos resgatados até Governador Valadares
(MG), cidade onde o grupo foi aliciado. O processo referente a
fiscalização em Conceição do Mato Dentro (MG) ainda não foi concluído.
Programas
específicos
Para combater o
trabalho degradante na construção civil, o MPT lançou dois programas
específicos. A Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho
(Codemat), que trata do tem dentro da instituição, deu início ao
Projeto Construir com Dignidade - que envolve todas as coordenadorias,
e engloba grandes obras, como as do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016
-, e o Projeto Construção Civil, que trata das demais obras em curso.
Segundo o
procurador Everson Carlos Rossi, a situação na construção civil, é
muito preocupante. Embora a restrição de liberdade possa parecer menor
do que nos acampamentos no meio da floresta ou em áreas rurais
afastadas, o pedreiro ou o servente acabam, em certos casos, pagando
tragicamente com a própria vida pela falta de direitos mínimos. "O
número de acidentes nesse ramo é assustador, especialmente quando
esses cuidados essenciais não são respeitados. Queda de altura,
choques elétricos e soterramentos são as causas mais frequentes",
descreve o procurador.
A terceirização
recorrente é apontada por ele como um dos grandes problemas na
construção civil. "As grandes construtoras contratam ou subempreitam a
mão de obra de pequenas construtoras ou de subempreiteiros informais
que não têm a mínima estrutura financeira. Esses, por sua vez, admitem
trabalhadores pagando singelas diárias, sem lhes ofertar os direitos
mínimos legalmente reconhecidos, tais como o registro em carteira
profissional, seus direitos decorrentes; um banheiro; um refeitório ou
um alojamento adequado".
Fonte: Brasil de
Fato, Antonio Alonso Vera Jr., 28/11/11.