Sobreviventes lançam manifesto nos 15 anos do massacre
As famílias
sobreviventes do massacre de Eldorado dos Carajás, organizadas pelo
MST, lançam um manifesto à sociedade paraense e aos órgãos competentes
ao assunto para marcar os 15 anos da tragédia, a impunidade dos
responsáveis pelas mortes, a consolidação do Assentamento 17 de Abril
e da luta pela Reforma Agrária nos últimos anos no estado.
Abaixo, leia o manifesto.
Manifesto das Famílias do Assentamento 17 de Abril à sociedade
paraense e ao povo brasileiro, de Eldorado do Carajás, Pará
Daqui, da Comunidade 17 de Abril, hoje somos quase seis mil pessoas
numa das maiores agrovilas de assentamentos
de Reforma Agrária do país; nossa residência política, ética, moral e
cultural, nos manifestamos. Pelos nossos mortos e pelos sobreviventes
nos manifestamos. Pela reforma agrária, pelo fim do latifúndio e sua
força jurídica nos manifestamos e exigimos justiça.
Até que cesse a gana dos impunes, não se pode perdoar o carrasco, um
só deles. Estamos intranqüilos, como quer o momento de vigília.
Logo, em 17 de abril de 2.011, aniversaria o massacre de Eldorado do
Carajás. 15 anos! E não cabe outra definição, senão que impunidade e,
Pedro Tierra o mais solidário dos poetas, ressuscitou uma palavra vil
da garganta dos dicionários e a pôs nos lábios dos séculos para
descrever o golpe: “atroz” Eldorado do Carajás, símbolo vigente do
caráter antipopular, anti-social e antidemocrático dos que monopolizam
o poder e, por ele se opõem violentamente aos que lhes contestam, por
terra, dignidade, trabalho, alegria e direitos, onde tudo é negado.
O massacre é um sinal, aos pusilânimes do poder é um fardo de agonia,
que jamais poderão desmentir, nem mensurar nas fibras do passado. A
memória é subversiva, ninguém a modela, insurge contra os truques
midiáticos e os opõe a cada ano, nesta data da classe trabalhadora e
das novas gerações nascidas na luta e na resistência do povo
brasileiro e amazônida frente a máquina voraz do capital.
Da marcha interrompida pela morte, onde pretendíamos chegar a Belém do
Pará para uma negociação por terra, andando a pé quase oitocentos
kilômetros, que para os governantes algo injustificável, como o ato
insólito e traiçoeiro dos mesmos e, de todos os envolvidos. Chegamos
ao mundo em notícias, em páginas de jornais e imagens televisivas numa
curva onde hoje está o monumento das castanheiras e o nosso coração,
um bosque simbólico.
Sabemos, uma poderosa voz nacional e internacional de denúncia e
exigência ergueu-se soberana. Por isso, tudo o que somos hoje, cada
fragmento das conquistas políticas, culturais e econômicas no
Assentamento têm esse traço indelével, de solidariedade afetiva,
religiosa e mística de milhares de estudantes, artistas, professores,
intelectuais, e da grande massa do povo que, desde o primeiro instante
não nos pediram conciliação dos interesses inconciliáveis, mas luta e
organização. Intransigência dos pobres contra a intolerância dos
ricos!
Já não somos mais os mesmos, estamos nos reabilitando com o passar dos
dias da grande dor e, nessa construção que já perdura 15 anos fizemos
muitos progressos na organização social das famílias, no apoderamento
político e cultural, na produção de alimentos, na educação, na
infância e na juventude. Há uma escola que teima ser para a vida e não
para o mercado, uma mobilização pela eliminação do analfabetismo e a
construção de uma pedagogia transformadora.
Não abdicamos um só momento da luta e da memória, da construção da
comunidade autônoma aos interesses imperiais. Estamos sim, muito longe
da vida miserável que levávamos quando vagávamos nômades pelas ruas da
fronteira, massa sobrante de um modelo de desenvolvimento predatório.
Hoje portamos uma identidade camponesa e desenvolvemos formas de
existir mais avançadas e democráticas.
Nesses anos aprendemos que os nossos direitos só a luta faz valer e
reconhecemos que temos muitos limites, agruras impostas por uma
política caduca, negligente, e cheia de camaradilhas, lusco-fusco da
repressão, hoje até mais sofisticada que outrora, em perseguição
sistemática às organizações, às suas pautas, aos seus militantes e
dirigentes e que nos impediu de fazermos mais onde não havia nada,
senão cercas, escravidão e violência do latifúndio.
O que vale a pena dizer, é que inauguramos seguramente um processo
novo, cujo sentido é sermos sempre melhores naquilo que fazemos, uma
comunidade ligada a toda uma trajetória de luta e que aspira futuro,
um novo modelo de desenvolvimento para o campo, na defesa de uma
agricultura diversificada, sadia e barata à população.
Faremos esforços grandiosos para ir mudando, o que ainda não pode ser
mudado, sendo com toda força e beleza, exemplo pedagógico à sociedade
e aos pobres que perecem nas cidades embrutecidas pela lógica abismal
de que cada um é aquilo que consome, e que sabemos não tem mais nada a
perder, pois já perderam por demais na vida, que a luta é o único
encontro possível que possa livrá-los da barbárie e do aniquilamento
social!
Nesse momento queríamos saudá-los com essa epígrafe, de um dos
melhores amigos que o Assentamento e nossa Organização teve e, que nos
deixou no ano passado, o escritor José Saramago. E com esse sentimento
exigir e reivindicar, o que nos cabe nessa quadra histórica:
dignidade.
É o nosso gesto de aliança permanente, com os ambientalistas, com os
partidos políticos, com a intelectualidade, com os indígenas, com os
quilombolas com as organizações urbanas e rurais, com o movimento
estudantil, com os operários, com as organizações latino americanas e
via campesina internacional enfim, com os que lutam e sonham e fazem
superações!
Levantado do Chão!
“Do chão sabemos que se levantam as searas e as árvores,
levantam se os animais que correm os campos ou voam por cima deles,
levantam-se os homens e as suas esperanças. Também
do chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo
ou uma flor brava. Ou uma ave. Ou uma bandeira.
Enfim, cá estou outra vez a sonhar. Como os homens
a quem me dirijo.”
José Saramago
Da nossa
residência, pelos nossos mortos, pelos sobreviventes e pela nossa
luta, nos manifestamos e exigimos:
1.Exigimos Reforma Agrária; uma política que confronte o latifúndio e
desenvolva o campo sobre outro signo, que não é o do agronegócio; hoje
traduzido, em agrotóxico, comida envenenada, transgenia,
reconcentração de terras e uso intensivo da biodiversidade para fins
privados. O atual programa de regularização fundiária na Amazônia
(terra legal) legitima o latifúndio, não se traduz em maior numero de
áreas destinadas a Reforma Agrária e nem resolve os conflitos sociais.
2.Exigimos um programa imediato para assentar as quase cem mil
famílias acampadas no país, em especial as famílias acampadas no Pará,
nas áreas emblemáticas do Grupo Santa Bárbara, Mutran´s, Quagliatos e
Josué Bengston e Fazenda São Luis, onde a VALE é o principal
empecilho.
Assim como a destinação das áreas públicas que tiveram seus títulos
cancelados, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para um amplo
programa de Reforma Agrária no Estado, como forma de cessarem os
conflitos e também de reparação pública.
3.Exigimos
uma política agrícola que esteja associada ao bioma amazônico, que
respeite o campesinato amazônico e sua complexidade, para que sejam
guardiões da água, da terra, da floresta, dos ecossistemas e da
biodiversidade. E possam exercer soberania sobre suas riquezas. Por
exemplo, parar por completo, pois, não há justificativas, a não ser do
interesse do capital, a construção da hidrelétrica de Belo Monte!
4.Exigimos um plano de reestruturação do INCRA nacional e das suas
superintendências na Amazônia, em especial no Pará. Pesa saber, onde
se estruturam os mais graves conflitos agrários no País, o INCRA seja
o órgão mais desestruturado e desarticulado com a sua missão, cindindo
entre os mais diversos interesses. Exigimos um plano imediato de
recuperação dos assentamentos com programas sociais e infra-estrutura,
em especial o Assentamento 17 de
abril.
5.Exigimos
justiça; reparação política e econômica às famílias dos mortos do
Massacre de Eldorado do Carajás. Assim como um plano de julgamento por
parte do Tribunal de Justiça do Estado (TJE) para os casos
emblemáticos, que esperam julgamentos mandantes e assassinos de
Trabalhadores Sem Terra, indígenas e militantes sindicais e
religiosos. O fim dos despejos no campo e nas cidades!
6.Exigimos
um novo modelo de desenvolvimento econômico e social para as regiões e
para o Estado. Uma alternativa aos mega-investimentos e ao monopólio
do projeto mineral da Vale, que devoram os ecossistemas e
biodiversidades das regiões e produz desigualdade e barbárie social
nas cidades, desterritorialização das famílias e grupos sociais, e tem
como marca indissociável uma política de compensação social mais
atrasada do mundo!
Com ternura,
Assentamento 17 de Abril,
Eldorado do Carajás
Abril, de 2011
Ano de luta e resistência na Amazônia!
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - PA
Reforma agrária: Por justiça Social e Soberania Popular!
FONTE: MST