Síria em turbulência: a resistência se transforma em insurreição
Artigo de Robert Fisk*
A revolta síria contra o governo do presidente Assad está virando uma
insurreição armada, com manifestantes civis pegando em armas para
lutar contra o exército e milicianos matando e torturando os que se
opõem ao regime. Há cada vez mais evidências de que alguns soldados
sírios estão se rebelando. A estrutura da ditadura alauita de Assad
está correndo o mais grave dos perigos. A revolta armada que está
espalhando-se pela Síria, é muito mais poderosa e muito mais dificil
de suprimir.
A revolta síria contra o governo do presidente Bashar al-Assad está
virando uma insurreição armada, com manifestantes anteriormente
pacíficos se voltando às armas para lutar contra exército e "shabiha"
– fantasmas, em português – dos milicianos que vem matando e
torturando os que se opõem ao regime.
Ainda mais grave para os poderosos apoiadores de Assad: há cada vez
mais evidências de que alguns soldados sírios estão se rebelando. A
estrutura da ditadura alauita de Assad está correndo o mais grave dos
perigos.
Em 1980, o pai de Assad, Hafez, enfrentou uma rebelião armada na
cidade de Hama, que foi suprimida pelas forças especiais do irmão de
Hafez, Rifaat, ao custo de 20 mil vidas. Mas a revolta armada de hoje
está espalhando-se pela Síria, é muito mais poderosa e muito mais
dificil de suprimir. Não surpreende que a televisão estatal venha
mostrando funerais de até 120 membros das forças de segurança de
apenas um lugar, a cidade de Jisr al-Shughour.
A primeira evidência de que civis estavam se armando para defender
suas famílias veio de Deraa, a cidade onde a sangrenta história da
revolução síria começou quando membros do serviço de inteligência
prenderam e torturaram até a morte um menino de 13 anos. Sírios
chegando em Beirute me disseram que os homens de Deraa haviam se
cansado de seguir o exemplo das manifestações pacíficas dos
descontentes de Tunísia e Egito - algo compreensível já que nenhum
desses países sofreu algo comparado à supressão brutal dos soldados e
milícias de Assad - e agora, por vezes, "atiram de volta" em nome da
"dignidade" e para proteger suas mulheres e crianças.
Bashar e seu cínico irmão Maher - o equivalente dos dias atuais a
Rifaat - podem estar apostando na antiga ideia do velho ditador de que
seu regime precisa ser defendido contra grupos armados ligados a al
Qaeda, uma mentira perpetrada por Kaddafi e os agora exilados lideres
Ali Abdullah Saleh do Iêmen, Ben Ali da Tunísia e Hosni Mubarak do
Egito.
As poucas células da al-Qaeda no mundo árabe gostariam que isso fosse
verdade, mas a revolta árabe é um fenômeno do Oriente Médio
não-contaminado pelo “islamismo". Apenas israelenses e
norte-americanos podem se sentir tentados a acreditar no contrário.
A Al Jazeera levou ao ar ontem cenas extraordinárias de um oficial
tentando convencer os seus companheiros a se recusar a continuar a
massacrar civis na Síria. Identificado como tenente Abdul-Razak Tlas,
da cidade de Rastan, ele disse que se juntou ao exército "para lutar
contra o inimigo israelense", mas acabou presenciado um massacre de
seu povo na cidade de Sanamein."Depois dos crimes que vimos em Deraa e
por toda a Síria, sou incapaz de continuar com o exército árabe da
Síria ", anunciou. "Está o exército aqui para proteger a família Assad
e roubar? Apelo a todos os oficiais de honra para dizer a seus
soldados sobre verdade, use a sua consciência ... se você tem honra,
fique com Assad".
Diferenciar boatos e fatos na Síria está ficando mais fácil a cada
semana. Mais sírios estão a chegando à segurança do Líbano e da
Turquia para contar suas histórias pessoais de tortura e crueldade no
quartel da polícia de segurança e em celas da polícia civil. Alguns
ainda estão usando os telefones, de dentro da Síria - um deles para
descrever explosões em Jisr al-Shughour e corpos sendo atirados no rio
que dá nome à cidade.
Há um mês eu estava assistindo a um noticiário noturno da televisão
síria e pelo menos metade das matérias incluía funerais de soldados.
Agora a Síria declara que 120 foram mortos em um incidente, uma perda
incrível para um exército que trabalha para incutir terror nas mentes
dos manifestantes do país. Mas, então, o exército sírio, supostamente
invencível, muitas vezes pareceu incapaz de reprimir as milícias
libanesas durante a guerra civil de 1975-90 no país. Um batalhão
inteiro de soldados das Forças Especiais da Síria foi expulso do leste
de Beirute, por exemplo, por um grupo desorganizado de milícias
cristãs que teria sido esmagado por qualquer exército profissional
sério.
Se você quiser destruir civis desarmados, você atira neles na rua e,
em seguida, atira neles enquanto estão em luto no funeral e, em
seguida, atira quando eles velam os que velavam os primeiros mortos -
o que é exatamente o que pistoleiros de Assad tem feito -, mas quando
as resistências passaram a revidar, o exército sírio mostrou uma
resposta muito diferente: tortura para os prisioneiros e medo diante
do inimigo.
Mas se a insurreição armada toma conta, então também estão sob ameaça
os onze por cento da comunidade Alawi - que uma vez foi a força de
fronteira dos franceses contra os sunitas e agora o suporte de Assad
contra os sunitas mais pobres. Tão estarrecido está o regime de Assad
com os seus inimigos que vem encorajando os palestinos a tentar cruzar
a fronteira de arame da área ocupada por Israel, Golã. Os israelenses
dizem que isso é para desviar a atenção do mundo dos massacres na
Síria - e eles estão absolutamente certos.
O jornal do governo, Tishrin, de Damasco tem sugerido que 600 mil
palestinos em breve poderão tentar "ir para casa", para as terras
palestinas de onde os israelenses os afastaram em 1948, um pesadelo
que os israelenses preferem não pensar a respeito - mas não um
pesadelo tão grande quanto o que o povo sírio e seus opressores
enfrentam no país.
* Robert Fisk - The Independent
Tradução: Wilson Sobrinho.
Fonte: Carta Maior.