Seriado sobre os anos Pinochet causa polêmica no Chile
Uma série de TV baseada em fatos reais, passados durante o regime do
general Augusto Pinochet (1973-1990), no Chile, está gerando forte
polêmica no país.
O seriado Os Arquivos do Cardeal, que estreou na semana passada na
emissora pública TVN, lidera a audiência no Chile. A série, de 12
capítulos (1 por semana), é estrelada por atores famosos do grande
público.
O produtor executivo, Rony Goldschmied, e o diretor do seriado,
Nicolas Acuña, disseram que a pesquisa sobre fatos ocorridos sob o
regime durou três anos. Para eles, a polêmica surgiu porque "as
feridas da ditadura ainda estão abertas" no Chile.
"Muitos corpos continuam desaparecidos e o Chile jamais debateu de
verdade o que aconteceu durante a ditadura. E é a primeira vez que o
assunto é abordado num grande meio, como a TVN, e num horário nobre",
disse Acuña.
O primeiro capítulo mostra o encontro de ossadas que seriam de quinze
camponeses sequestrados e mortos em 1973, cujos restos foram
encontrados em 1978.
O seriado mostra também o drama das famílias que não sabiam do
paradeiro de parentes, sequestrados e mortos. O chamado Informe
Retting, da Comissão Nacional de Verdade e de Reconciliação concluiu
que mais de duas mil pessoas foram presas e desaparecidas ou mortas
naquele período.
Telefones grampeados dos opositores e a rede de solidariedade formada
por padres e jovens advogados também aparecem.
Críticas
O senador do partido conservador RN (Renovação Nacional), Carlos
Larrín, disse ao jornal El Mercúrio que não concordava com o seriado
porque não mostraria toda a realidade.
"Se querem refrescar a memória nacional devem fazer um balanço
completo (do que ocorreu). Aí sim seria um trabalho integrador. Esta
série parece que vai carregar nas tintas e não vai servir para o que
deve ser uma televisão estatal", disse Larraín.
O deputado e ex-subsecretário do Interior entre 1984 e 1988, Alberto
Cardemil, da mesma legenda RN, também criticou o seriado. Num artigo
no jornal La Segunda, ele disse que "o contexto e intenção da série,
com um jovem terrorista puro (...) é um abuso do dinheiro público".
Para o reitor da Faculdade de Direito Finis Terrae, Miguel Schweitzer,
o seriado "não ajudará na pendente reconciliação nacional".
Para o diretor, "nunca houve reconhecimento da direita sobre o que
ocorreu na ditadura de Pinochet".
Segundo Acuña, a polêmica "só está começando", porque os próximos
capítulos vão mostrar "cenas de tortura" que devem "incrementar o
debate" sobre o que o Chile viveu durante o regime de Pinochet e sobre
o que "ainda não foi investigado".
Direitos humanos
A diretora do Instituto Nacional de Direitos Humanos, Lorena Fries
Monleon, disse que o seriado é uma forma de mostrar aos chilenos
"informações que circulam de forma fragmentada (sobre aquele
período)".
Ouvido pela BBC Brasil, o professor chileno Claudio Fuentes, diretor
da Faculdade de Ciências Sociais e História da UDP (Universidade Diego
Portales), de Santiago, disse que o seriado gera polêmicas porque a
sociedade chilena continua "dividida".
Uma pesquisa do instituto UDP, no ano passado, mostrou que a maioria
dos chilenos (70,5%) rejeita, "sob qualquer circunstância", qualquer
violação de direitos humanos, "incluindo 1973".
Mas 47,9%, recordou Fuentes, acham que os casos da ditadura devem ser
"fechados e o país deve olhar para frente". Outros 55,9% acham que os
crimes daquele período "devem continuar sendo investigados".
Postado por Roger Peres
Fonte: Blog Mundo Livre (www.mundolivrepontocom.blogspot)