Retrocesso no ensino superior
Sob forte pressão de algumas instituições particulares sem tradição de
qualidade no ensino superior, entrou na pauta de votação do Senado um
projeto que autoriza faculdades e universidades privadas a contratar
professores sem mestrado ou doutorado. Pela proposta, já aprovada pela
Comissão de Educação, Cultura e Esportes, os professores só precisarão
ter diploma superior para lecionar. O projeto é considerado um
retrocesso pelas autoridades e especialistas do setor educacional, por
colidir frontalmente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), que está em vigor há 15 anos.
Para assegurar um mínimo de qualidade ao ensino superior, a LDB
recomenda que pelo menos um terço dos professores das instituições de
ensino superior tenha título de pós-graduação stricto sensu (mestrado
e doutorado). Essa determinação é acatada pelas universidades públicas
e por várias universidades confessionais, mas desprezada por muitas
universidades privadas - principalmente as que foram criadas nos
últimos anos. Alegando que não há mestres e doutores em número
suficiente para lecionar nessas universidades, o relator do projeto,
senador Álvaro Dias (PSDB-PR), deu-lhe parecer favorável. O argumento
usado é o mesmo dos dirigentes de várias escolas particulares.
Segundo eles, haveria déficit de docentes titulados em várias áreas.
"Um profissional com experiência tem muito a ensinar, mesmo que não
tenha pós-graduação. Por outro lado, há aqueles que terminam a
graduação e emendam com o mestrado. Que experiência têm eles para
passar?", diz Ana Maria Souza, da Anhanguera Educacional. Os
especialistas, contudo, afirmam que os portadores de título de
mestrado e doutorado têm sólido preparo teórico e conhecimento de
técnica de pesquisa e metodologia científica - competências que os
portadores de diploma de graduação não têm.
Eles também alegam que o País tem 4,7 mil cursos de pós graduação
stricto sensu reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC) e
fiscalizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível
Superior (Capes). Lembram ainda que, graças às bolsas de pós-graduação
concedidas pelas agências de fomento, como o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a Fundação de Amparo à
Pesquisa de São Paulo e a própria Capes, o número de novos mestres e
doutores vem batendo recorde ano a ano em quase todas as áreas do
conhecimento.
Além disso, a titulação dos professores é levada em conta pelo Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior, que analisa as
instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes. "Se permitirmos
docentes sem titulação, vamos reduzir a qualidade do ensino", afirma o
secretário de Educação Superior do MEC, Luiz Cláudio Costa. Para os
dirigentes de universidades públicas, se as universidades privadas
enfrentam problemas para contratar docentes com mestrado e doutorado,
o motivo não estaria na falta de pós-graduados em número suficiente,
mas nos baixos salários. "O gargalo está nas más condições de
empregabilidade que as instituições particulares oferecem", diz o
professor Roberto Piqueira, da Escola Politécnica da USP.
A polêmica em torno da exigência de um mínimo de titulação dos
professores universitários começou quando grandes grupos nacionais e
internacionais - inclusive fundos de investimento - começaram a
investir no ensino superior, adquirindo instituições de pequeno e
médio portes. Além de desprezar as atividades de pesquisa e extensão,
que são fortemente enfatizadas pela LDB, esses grupos - muitos dos
quais com ações cotadas em bolsas de valores - demitiram os docentes
mais experientes e contrataram bacharéis recém-formados, com o
objetivo de reduzir custos. Para esses grupos empresariais, a educação
é apenas negócio - e o projeto que o Senado vai votar parece ter sido
feito para atender a seus interesses. É por isso que as universidades
confessionais e as universidades privadas mais tradicionais não estão
apoiando esse projeto. Para elas, sua aprovação seria um perigoso
retrocesso.
Editorial do O Estado de São Paulo de hoje (12).