Repórter é ameaçado de morte por apurar Belo Monte; MP investiga
Ruy Sposati, do
Movimento Xingu Vivo para Sempre, esteve na região de Altamira (PA),
para produzir reportagem sobre demissões de trabalhadores que
constroem hidrelétrica de Belo Monte, quando foi ameçado. Segundo ele,
agressores usavam caminhonete da PM e tentaram tomar máquina
fotográfica. Operários estão insatisfeitos com condições de trabalho
no canteiro de obras.
BRASÍLIA
- O Ministério Público do Pará vai investigar a denúncia de ameaça de
morte contra o jornalista Ruy Sposati, do Movimento Xingu Vivo para
Sempre, ocorrida na segunda (12), quando ele estava em Altamira (cerca
de 850 km de Belém), levantando informações para produzir matéria
sobre mais uma leva de demissões no canteiro da obra de construção da
usina de Belo Monte, o polêmico projeto que, a um custo ambiental e
social controverso, irá erguer na região a terceira maior hidrelétrica
do mundo.
O jornalista foi
agredido verbalmente e ameaçado de morte por dois homens que estavam
em uma caminhonete identificada posteriormente como sendo propriedade
da Polícia Militar (PM). Um dos homens, que saiu da caminhonete para
ir até o escritório do Consórcio Construtor de Belo Monte, ainda
tentou tomar a câmera fotográfica de Ruy, mas foi impedido pelos
trabalhadores que estavam no local aguardando para fazer suas
rescisões contratuais. Policias militares fardados assistiram ao
episódio sem tomar providência.
Enquanto a PM
assegurava a ordem nas novas demissões do canteiro de obras, os poucos
policiais civis do município não davam conta de atender, na delegacia,
à demanda de registro de cinco homicídios que haviam ocorrido durante
a noite. Ruy acabou ficando sem conseguir registrar ocorrência da
ameaça. “O delegado alegou um déficit de escrivães, disse que estava
trabalhando virado e, com uma aparência visivelmente cansada, me pediu
para voltar no dia seguinte, mas eu tinha eu terminar minha matéria e
viajar”, afirmou.
Ele acabou
procurando o Ministério Público Federal (MPF), que recebeu a denúncia
e a encaminhou para o órgão que tem a competência legal de investigar
crimes desta natureza: o Ministério Público Estadual (MPE). Segundo a
assessoria de comunicação do MPF, a Corregedoria da Polícia também foi
comunicada para que apure se pertence à corporação o autor das ameaças
e porque estava usando o carro oficial nessas circunstâncias.
Ruy, que chegou
no final da manhã desta quarta-feira (14) em São Paulo, espera que o
caso seja esclarecido o mais rapidamente possível. Segundo ele, os
agressores o trataram de forma muito rude, chamando-o de “vagabundo”,
“baderneiro” e dizendo “eu vou matá-lo agora mesmo”. O jornalista
lembra que são muitas as lideranças da região que vivem em constante
sobressalto, devido às ameaças de morte. Essas ameaças, de acordo com
ele, não estão diretamente ligadas ao consórcio que toca Belo Monte,
mas sim às pressões e conflitos decorrentes da construção da usina e
tudo o que ela provoca.
“Existe um
histórico de ameaça contra as lideranças, como a Antônia Melo,
coordenadora do Movimento Xingu Vivo; Dom Erwin, bispo da Prelazia do
Xingu; Raimundo Belmiro, liderança da Reserva Extrativista Riozinho do
Anfrísio; e Zé Carlos, cacique dos Arara da Volta Grande. Por exemplo,
o Raimundo é ameaçado por madeireiros. Há um aumento do desmatamento e
da pressão do madeiramento ilegal em territórios protegidos, na medida
em que cresce a especulação e circula mais dinheiro na região, por
conta de Belo Monte”.
Modelo
desenvolvimentista
Ruy calcula que,
somente nos últimos 45 dias, 300 trabalhadores foram demitidos de Belo
Monte, a maioria deles envolvida nas duas greves ocorridas só no mês
de novembro, por condições mais dignas de trabalho. “Além das
demissões em massa, quase que diariamente acontecem demissões, em
especial dos ajudantes de produção - cargo mais baixo e ocupado
costumeiramente por moradores de Altamira”.
Ainda segundo
ele, a Polícia Militar tem sido usada para escoltar estes
trabalhadores até locais mais longínquos, evitando que eles falem com
a imprensa, com o MPF ou causem quaisquer outros problemas. “Da outra
vez, 137 foram colocados dentro de ônibus e mandados do canteiro
diretamente para o Maranhão”, relata Ruy.
O jornalista
conta que, no sábado (10), os trabalhadores de Belo Monte haviam
realizado mais um protesto contra as péssimas condições de trabalho e
relataram que alguém, a mando do Consórcio, filmou aqueles que estavam
na ‘linha de frente’ da manifestação. Esse teria sido o critério na
seleção dos demitidos, conforme os próprios trabalhadores.
“É bem verdade
que, dos 40 trabalhadores com quem pude conversar na segunda-feira,
reconheci boa parte como gente que estava na segunda greve, a que
firmou o acordo coletivo”, afirma. Esse acordo prevê, entre outras
coisas, a estabilidade de três meses para todos os trabalhadores do
canteiro, o que não está sendo cumprido.
Nas demissões de
segunda, os trabalhadores relataram também que os policiais apontaram
armas, gritaram e tentaram algemar um trabalhador. “Para a imprensa, o
Consórcio diz que as demissões são operacionais e nunca justifica aos
trabalhadores, por óbvio, que eles estão sendo demitidos por conta de
terem participado de reuniões, manifestações ou greves”, diz o
jornalista ameaçado. Cerca de 5 mil pessoas trabalham na construção da
usina.
Fonte: Ag. Carta
Maior, Najla Passos, 14/12/11.