Regular a mídia para democratizar a comunicação
Por Venício A. de
Lima*
Os debates e suas
perguntas recorrentes expressam a existência de um inegável
“mal-estar” generalizado e cada vez mais difícil de esconder
Ao longo de 2011
participei de diversos debates sobre a mídia em diferentes estados
brasileiros, e em todos certas questões sempre aparecem. O que
significa democratizar a comunicação? Controle social da mídia é
censura? A internet democratiza a comunicação? Liberdade de expressão
e liberdade de imprensa são a mesma coisa? O que é “marco regulatório
das comunicações”?
Os debates e suas
perguntas recorrentes expressam a existência de um inegável
“mal-estar” generalizado e cada vez mais difícil de esconder. Até
mesmo a grande mídia está sendo obrigada a reconhecer que,
independentemente de sua vontade, as transformações por que ela passa
em decorrência da revolução digital e seu papel na democracia
finalmente entraram na agenda pública e estão, sim, sendo debatidos.
Nesse contexto,
uma diferença conceitual que me parece fundamental é aquela existente
entre regular a mídia e democratizar a comunicação.
Em artigo
publicado no Observatório da Imprensa nº 555, há mais de dois anos,
chamei a atenção para o fato de que “democratizar a comunicação” tem
sido uma espécie de bandeira histórica dos segmentos organizados da
sociedade civil comprometidos com o avanço no setor. Todavia, essa
bandeira esconde uma falácia: insinua que a grande mídia, privada e
comercial, seria passível de ser democratizada. Em termos da teoria
liberal da imprensa, isso significaria trazer para dentro de si mesma
“o mercado livre de ideias” (the market place of ideas) representativo
do conjunto da sociedade, isto é, plural e diverso.
Argumentei que
essa bandeira encontra dificuldades incontornáveis identificadas,
sobretudo, com relação aos mitos da imparcialidade e da objetividade
jornalística e da independência dos conglomerados de mídia. Ademais,
mostrou-se inviável em sociedades como a Inglaterra, onde existe uma
tradição historicamente consolidada de imprensa partidária.
“Democratizar a
mídia”, portanto, seria viável apenas por meio de políticas públicas
que garantam a regulação do mercado das empresas de mídia (a não
oligopolização), vale dizer, basicamente, a concorrência entre as
empresas que exploram o serviço público de radiodifusão e/ou as
empresas de mídia impressa (que publicam jornais e revistas). E mais:
estimulando a “máxima dispersão da propriedade” (Edwin Baker) através
da criação e consolidação de sistemas alternativos de mídia –
públicos/comunitários.
As normas e
princípios para esse fim já estão na Constituição Federal, sobretudo
no §5º do artigo 220, que diz expressamente que “os meios de
comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio”, e no “princípio da complementaridade” dos
sistemas privado, público e estatal de radiodifusão, inserido no
artigo 223, como critério a ser observado para as outorgas e
renovações das concessões desse serviço público. Só que, como todos
sabemos, essas normas e princípios não foram regulamentados pelo
Congresso Nacional, e, portanto, não são cumpridos.
Por óbvio,
regular o mercado nada tem a ver com regular o conteúdo da mídia
existente.
Já a
democratização da comunicação é um processo no qual temos avançando,
em especial, por intermédio das potencialidades oferecidas pela
internet. Aqui a bandeira principal é a inclusão digital, por meio da
oferta de computadores a preços acessíveis a todos os segmentos da
população e da universalização da banda larga, possibilitando a todos
acesso de qualidade ao espaço interativo da internet.
Regular o mercado
de mídia e democratizar a comunicação são, na verdade, aspectos
complementares da conquista do direito à comunicação.
Tenho reiterado
que conquistá-lo significa garantir a circulação da diversidade e da
pluralidade de ideias existentes na sociedade, isto é, a
universalidade da liberdade de expressão individual e coletiva. Essa
garantia tem de ser buscada tanto “externamente” – pela regulação do
mercado (sem propriedade cruzada nem oligopólios, priorizando a
complementaridade dos sistemas público, privado e estatal e a criação
e consolidação de sistemas públicos/comunitários alternativos) –
quanto “internamente” à mídia – cobrando o cumprimento dos Manuais de
Redação que prometem (mas não praticam) a imparcialidade e a
objetividade jornalística possíveis. E tem de ser buscada também no
acesso universal à internet, explorando suas imensas possibilidades de
superação da unidirecionalidade da mídia tradicional pela
interatividade da comunicação dialógica, vale dizer, garantindo a
participação e a presença de mais vozes no debate público.
(Artigo publicado originalmente em:
http://www.teoriaedebate.org.br/colunas/midia/regular-midia-para-democra...)
* Venício A. de
Lima é sociólogo e jornalista; autor, entre outros livros, de
Comunicação e Cultura: as Ideias de Paulo Freire; 2ª ed. revista, com
nova introdução e prefácio de Ana Maria Freire. EdUnB/Perseu Abramo,
2011.
Fonte: Brasil de
Fato, 8/12/11.