ProUni:
bolsas não chegam a alunos
O programa Universidade para
Todos (ProUni), que concede isenção fiscal em troca de bolsas para
estudantes de baixa renda, paga por vagas não preenchidas. Uma
auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que 29% das
bolsas disponíveis entre 2005 e 2009 - o que equivale a 260 mil vagas
- não foram ocupadas. Mesmo assim, as instituições de ensino privadas
que participam do ProUni receberam desconto total dos impostos.
Embora já tenha contestado os números e a metodologia de cálculo do
TCU, o Ministério da Educação (MEC) admite a distorção. O problema é
consequência da lei que criou o ProUni, em 2005.
- Se você me perguntar se eu faria a lei assim, eu diria que não faria
- resume o secretário de Educação Superior, Luiz Cláudio Costa.
Para ter direito à isenção fiscal, as universidades só precisam aderir
ao programa e oferecer um percentual predeterminado de bolsas. A lei,
no entanto, não exige que as vagas sejam preenchidas nem vincula a
isenção a níveis mínimos de ocupação.
Nos últimos anos, o TCU realizou ao menos três auditorias no ProUni. O
problema da ociosidade foi constatado já em 2008. "Da maneira como o
programa está desenhado, as instituições têm recebido toda a isenção
fiscal e não têm efetivado todo o benefício previsto", escreveram os
auditores.
O TCU concluiu que não há estímulo para as instituições preencherem
todas as vagas. Os auditores também entenderam que a falta de
fiscalização in loco, por parte do MEC, dá margem a que as
universidades manipulem dados e reduzam a oferta de bolsas.
Brechas para ações "oportunistas"
A investigação deu origem a um acórdão, aprovado em 2009, em que o
tribunal determinou ao MEC que criasse mecanismos de incentivo à
ocupação de bolsas, além de uma rotina de fiscalização nas faculdades.
"Há brechas no sistema de cálculo que podem dar margem a
comportamentos oportunistas de instituições de ensino superior que
queiram obter vantagens no programa", aponta o relatório.
Quase dois anos após a aprovação do acórdão, o MEC começa a tomar
providências. Em fevereiro, o ministro Fernando Haddad assinou
portaria com regras para o preenchimento das bolsas que sobram ao fim
da seleção feita pelo MEC. Antes, isso era tarefa das instituições,
com base em critérios próprios. A partir deste mês, será criada lista
de espera gerenciada pelo ministério. Costa promete fiscalizar o novo
sistema.
O esquema de fiscalização, porém, ainda não saiu do papel. Segundo o
secretário, ele será montado com base em dados do Censo da Educação
Superior de 2009. Divulgado este ano, o censo contém nomes e CPFs dos
estudantes.
Mesmo discordando da lei, Costa diz que é possível aperfeiçoar o
ProUni, de modo a preencher praticamente todas as vagas, sem
encaminhar novo projeto ao Congresso:
- Tenho certeza de que podemos chegar muito próximo de 100%.
A ociosidade no ProUni gera prejuízo ao governo, na avaliação do TCU.
Nas contas dos auditores, o governo teria arrecadado R$104,4 milhões
em 2005 e 2006, se concedesse a isenção com base nas bolsas ocupadas,
e não nas oferecidas.
O assunto foi motivo de polêmica entre o tribunal e o MEC, em 2009,
por causa de divergências de cálculo. Usando dados fornecidos pela
Receita, o TCU concluiu que o custo médio das bolsas do ProUni, em
2006, era de R$601 mensais, maior do que as mensalidades cobradas na
época: R$499.
O MEC contestou o dado, apresentando cifra bem menor: R$150. Na raiz
da divergência, estão as bolsas ociosas. Para o Ministério da
Educação, o valor da renúncia deve levar em conta o total de bolsas
oferecidas. Já o tribunal considera as efetivamente ocupadas.
Não há consenso sequer sobre o valor total da renúncia e a fórmula de
fazer o cálculo. O MEC considerou apenas a isenção concedida a
instituições com fins lucrativos. Já o TCU incluiu na conta também a
renúncia das universidades beneficentes.
Para o Ministério da Educação, as beneficentes devem ficar de fora,
porque a isenção é prevista na Constituição e engloba gastos com
outras atividades que não o programa. Dependendo da fórmula adotada,
entraram ou saíram da conta R$617 milhões. O tribunal voltará a
analisar o ProUni este ano.
Será uma oportunidade de tentar esclarecer outra divergência sobre o
índice de ocupação de bolsas. Em 2009, quando contestou auditoria do
TCU, o ministério sustentou que a ociosidade era de 11%, inferior a
todos os índices calculados pelo tribunal.
Em 2011, a Receita Federal estima que a renúncia fiscal por conta do
ProUni será de R$510,9 milhões, no segmento das universidades com fins
lucrativos. A Receita, no entanto, não divulga isoladamente o montante
de isenção das instituições beneficentes e das sem fins lucrativos.
De 2005 a 2010, o ProUni matriculou 748.754 estudantes. No ano
passado, permaneciam no programa 440.830, já que os demais se formaram
ou abandonaram o curso.
O diretor jurídico da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino
Superior (ABMES), José Roberto Covac, diz que a ociosidade não ocorre
só no ProUni, mas nas demais vagas das universidades. Ele não vê
problema na regra do ProUni que concede isenção com base na oferta de
bolsas e não na taxa de ocupação.
Segundo Covac, a efetivação das matrículas e a permanência dos
estudantes não dependem da vontade da instituição.
- Não se pode penalizar as partes em função de o aluno não ter
concluído a matrícula - afirma Covac, criticando as conclusões do TCU.
- Não cabe ao Tribunal de Contas mudar a lei. A função do tribunal é
verificar o cumprimento das contas. E a lei está sendo integralmente
cumprida.
Apesar de apontar falhas no ProUni, o TCU diz que o programa "é
relevante e bem focalizado", pois, de fato, permite o acesso de
estudantes pobres ao ensino superior. Em relatório aprovado no ano
passado, o tribunal conclui que 37% dos beneficiários não chegariam à
universidade se não fosse o programa.