Polícia, a pedidos ou a contragosto


Decisão divide comunidade acadêmica e abre o debate: mais polícia no campus servirá para a segurança ou para reprimir os movimentos?  

A Reitoria da USP (Universidade de São Paulo) espera para qualquer momento o parecer da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP), dando aval à Universidade para elaborar um protocolo sobre a ação da Polícia Militar dentro da Cidade Universitária. Pela minuta da proposta, aprovada pelo Conselho Gestor do Campus no dia 20 de maio, a Polícia Militar terá trânsito facilitado dentro do campus. Entre as medidas, estão previstas um número fixo de policiais e viaturas para rondas. 

O aumento do policiamento é há tempos reclamado por uma parcela de estudantes da USP. O pedido ficou ainda mais forte com o assassinado de Felipe Ramos de Paiva, estudante de Ciências Atuariais em aparente tentativa de assalto, no dia 18 de maio no estacionamento da Faculdade de Economia e Administração (FEA). 

Em 19 de maio, dia do velório de Felipe, mais de 200 estudantes da FEA fizeram um ato na unidade pedindo por mais segurança dentro do campus. Em carta, o Centro Acadêmico Visconde de Cairu afirmou que a Polícia deve servir à proteção da sociedade civil e que “a ampla maioria dos estudantes da FEA é favorável à ampliação da presença da Polícia Militar”. 

Mesmo antes do assassinato, a Universidade já conversava com o 16º Batalhão da Polícia Militar sobre medidas de segurança. De acordo com a assessoria de imprensa da Reitoria, “o trabalho [da PM] terá caráter preventivo no que tange tão somente à segurança no campus”.

A decisão votada no Conselho Gestor acirra a divisão da comunidade acadêmica entre os querem e os que não querem a presença da polícia no campus. A Associação dos Docentes da USP (Adusp), do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp) e do Diretório Central dos Estudantes (DCE) já se posicionaram totalmente contra o aumento do efetivo da polícia. 

Independente das negociações específicas da Reitoria com a SSP, segundo o porta-voz da Polícia Militar, Emerson Massera Ribeiro, o policiamento na Universidade está sendo reforçado desde o dia 25 de maio. Ele também esclarece que já foram feitas reuniões entre a PM e a Universidade para definir a atuação da Polícia. Uma das propostas é aproveitar os PM´s que cursam graduação e pós-graduação na USP para atuar na Universidade. “Há interesse da PM em aproveitar os estudantes da USP, além do reforço do policiamento que já está ocorrendo. Não sabemos ainda como será feito isso, depende das conversas com a reitoria”, afirma Massera. 

Capitão Massera, que também é estudante de Ciências Sociais da Universidade, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), disse que sabe que parte dos estudantes, professores e funcionários são contra a Polícia Militar no campus, mesmo para a proteção contra crimes, mas defende que este é “um pensamento ultrapassado”. 

“Estamos na USP justamente para defender a lei e aprimorar a qualidade da democracia, incluindo aí a liberdade de expressão e as liberdades individuais. Essa ideia de que a PM é um retrocesso autoritário na Universidade é um pensamento ultrapassado”, justifica o policial estudante. 

O recente histórico de repressão da Polícia Militar 

Há dois anos, no dia 9 de junho, a Polícia Militar reprimiu com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha um ato de estudantes e funcionários dentro do mesmo campus USP. Na época, funcionários estavam em greve e negociavam pela campanha salarial. Os estudantes também reivindicavam a queda da então reitora Suely Vilela e eleições diretas para seu cargo.

A atitude da Polícia pegou os manifestantes desprevenidos, e o cenário foi de caos, com pessoas correndo pelo campus para fugir das bombas e balas borracha e professores pedindo calma para os policiais, sem sucesso. 

João Grandino Rodas, atual reitor, foi o redator da resolução do Conselho Universitário que orientava a entrada da polícia USP por conta dos conflitos que existiam em relação à greve. Por essa razão, e também pelo inquérito que foi aberto contra 24 estudantes por causa de manifestação política na Universidade, parte da comunidade está desconfiada com a entrada de mais policiais no campus. 

Dois anos antes, em 2007, Rodas também havia “canetado” o despejo de uma ocupação simbólica da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, enquanto era diretor da unidade. No caso dessa ocupação, a ação havia sido planejada por estudantes e movimentos sociais que faziam na Faculdade uma jornada de lutas pela educação. 

“Esses acontecimentos expressam muito bem a relação próxima que esse reitor tem com a polícia. Rodas não hesitaria em usar a polícia quando considerasse necessário”, acredita Camila Lui, diretora do DCE da gestão “Todas as Vozes”. 

Para o professor do Departamento de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, a PM já mostrou em várias situações que não tem condições de agir de maneira adequada com conflitos sociais. “Estando a PM aqui, qual será a atitude dela numa greve? Em 2009, ela entrou com metralhadora na mão, e se por acaso alguém resolve atirar?”, destaca. 

Segundo o porta-voz da PM, Capitão Massera, os excessos de 2009 foram apurados, e o que a PM não permite é a quebra da ordem, como o atentado contra o direito de ir e vir, o direito ao trabalho e a liberdade. “Em 2009 a PM precisou atuar para restabelecer a ordem. A PM faz o uso legítimo do monopólio da força. Sua atuação na Universidade é legítima”. 

Liberdades individuais ameaçadas 

Para o estudante de Ciência Sociais, Alberto Suzano, a desconfiança de parte da comunidade acadêmica contra a Polícia é fundamentada. “A universidade ainda mantém pensamentos questionadores sobre o modo como se estrutura a sociedade. A polícia, diretamente ligada ao Estado, executa ordens e cumpre um papel político de não deixar que pessoas que pensem de maneiras diferentes se manifestem”. 

O também o estudante de Ciências Sociais, Armando Ribeiro, acredita que os policiais irão reprimir os universitários no caso de uso de drogas e manifestações estudantis. “Para mim está muito claro que os efeitos podem ser muito mais nocivos em relação às liberdades que a USP garante do que em relação aos benefícios de segurança que ela almeja. Todos sabem como funciona a policia nas ruas, será que é realmente isso que os alunos querem dentro da USP?”, questiona.De acordo com o professor do Departamento de Artes Plásticas, Luiz Renato Martins, a situação da USP hoje já é de grande repressão. Ele destaca os inquéritos abertos pela Universidade contra estudantes por causa da ocupação da reitoria em 2007 e da ocupação da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas) em 2010. 

“Vivemos um estado de ditadura e despotismo total”, argumenta Martins, fazendo referência à democracia na gestão da Universidade. “A USP permanece fundamentalmente com o mesmo estatuto desde a sua fundação, agravado pela ditadura militar, e pela cultura do AI-5. A polícia dentro do campus é uma enormidade a mais para interferir diretamente na organização e movimentação política dos sindicatos e estudantes”, afirma. 

O estudante Suzano teme que isso realmente aconteça mais constantemente, com a abertura de ação maior da polícia dentro da USP. “Um posicionamento político em uma discussão e a participação em manifestações que coloquem em cheque a ordem que os policias defendem, pode ser facilmente relatada pelos PMs camuflados. É uma tentativa de silenciar setores combativos presentes na universidade”, acredita. 

Para ele, a situação deve piorar também para os moradores de comunidades pobres no entorno da USP, que precisam atravessar a Universidade, e que podem ser vítimas de preconceito de cor e classe ao serem revistados pela Polícia. 

Essa também é a opinião do diretor do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp), Marcelo Santos. “A maior quantidade de Polícia na USP vai acirrar os conflitos e a repressão”. 

Para o porta-voz, o preconceito entre policiais não existe. “A PM pode fazer abordagens para saber se existe um problema criminal. Aprendemos também que infrator da lei não tem rosto. Somos treinados para identificar comportamentos suspeitos”.

 

Fonte: Aline Scarso/ Brasil de Fato

 

 


Coletânea de artigos


Home