Para estudante chileno, única solução para crise educacional é
plebiscito
Líder estudantil afirma que medidas anunciadas pelo presidente
Sebastián Piñera tentam enfraquecer movimento, mas avisa que saída é
aceitar propostas de alunos e professores
Por João Peres/ Rede Brasil Atual
Estudantes e professores chilenos mobilizados há três meses estão
dispostos a comprar uma briga pela convocação de um plebiscito para a
aprovação de uma reforma educacional. Os manifestantes, responsáveis
pelos maiores atos desde a redemocratização do país sul-americano, em
1989, querem o fim de um sistema que julgam desigual. Desde meados de
junho, protestos reuniram até 400 mil pessoas.
Desde o início da década de 1980, no governo de Augusto Pinochet (que
comandou o país numa ditadura de 1973 a 1990), a abertura ao mercado
privado veio modificando o quadro educacional do país. Tanto escolas
privadas quanto públicas são financiadas pelo Estado, na crença de que
o aumento da competição melhoraria a qualidade do ensino. “O
crescimento do mercado de educação superior fez com que aparecessem
muitas diferenças entre os estudantes e entre as instituições. Há um
uso massivo de recursos que não assegura a qualidade”, constata
Germain Quintana, presidente da Federação de Estudantes da
Universidade Federico Santa María, uma instituição privada.
Em entrevista à Rede Brasil Atual, ele destaca que apenas um
plebiscito dará fim aos protestos. Na próxima semana, eles esperam
reunir meio milhão de pessoas em todo o país. “Não é só a educação que
é a grande demanda. É a institucionalidade do Chile, a política, como
se governa.”
No começo deste mês, o presidente Sebastián Piñera assumiu o comando
das negociações e ofereceu um pacote de US$ 4 bilhões em
investimentos. As linhas principais são aumentar o número de bolsas e
diminuir os juros pagos pelos universitários – tanto em instituições
públicas quanto nas privadas é preciso pagar matrícula e mensalidades.
Confira a seguir a conversa, realizada por telefone.
RBA - O pacote anunciado por Piñera na última semana não foi
suficiente?
Germain Quintana - A análise que fazemos é que, se é um avanço que o
presidente se pronuncie sobre um debate que se criou por meio de
mobilizações de universitários e secundaristas, o que ele anunciou não
corresponde ao que queremos. Corresponde a uma agenda que o governo e
o ministério tinham em seu plano de governo. O que ele anda dizendo
não nos conforma. Vemos que um financiamento de US$ 4,4 bilhões é
muito dinheiro, mas não temos garantias de que será aplicado no que
estamos exigindo. Exigimos uma reforma do sistema que permita que o
dinheiro que se investe em educação seja aplicado da melhor maneira.
RBA - Esse tipo de concessão do governo tem a intenção de
enfraquecer o movimento?
Estamos mobilizados há três meses em algumas regiões do Chile. Na
capital, dois meses. Obviamente dar certos agrados a setores
mobilizados tem como fim dividir o movimento. Os recursos e uma série
de anúncios de bonificações tentam deixar a situação boa para os
reitores, para alguns setores universitários. Mas deixa fora os
professores e os secundaristas. Queremos respostas, mas para o
espectro completo da educação e de todos os atores que estão se
mobilizando.
RBA - Como se viu a determinação do ministro da Educação para
antecipar as férias de julho?
Não visa a resolver os problemas, mas a desmobilizar a sociedade. É
uma jogada política extremamente maquiavélica. Não resolve. É má
política. Nos opomos a isso, assim como os estudantes secundários,
afetados por essa medida, recusaram cumpri-la e seguem mobilizados.
"Pedíamos uma reforma que potencializasse a educação pública e que
tirasse os mercados deste que é um direito do cidadão, da sociedade.
Acreditamos que não se deve ficar subordinado ao mercado, ao dinheiro.
O Estado tem de garantir esse direito." – Germain Quintana, presidente
da Federação de Estudantes da Universidade Federico Santa María
RBA - O que motivou o começo da mobilização?
No Chile, em 1982, durante a ditadura, foi implementada uma reforma
universitária. Ela deu espaço a uma série de modificações para a
abertura de instituições privadas sem qualquer critério. O sistema
passou a ser misto, com universidades públicas – que se colocam no
grupo das que funcionavam antes de 1982 – e privadas. Há também
universidades particulares criadas antes da reforma, mas em geral são
estatais. As mais recentes não têm a qualidade das outras
universidades. O crescimento do mercado de educação superior fez com
que aparecessem muitas diferenças entre os estudantes e entre as
instituições. Há um uso massivo de recursos que não assegura a
qualidade. Os universitários começaram este ano uma grande mobilização
pedindo reformas no ensino superior. Somaram-se estudantes
secundaristas, professores das educações básica e média. Sempre os
discursos do governo diziam que este ano seria o da educação e da
seguridade, e nos agarramos nisso exigindo uma reforma. E não uma
reforma a partir do que o governo e a institucionalidade política
tradicional estavam propondo.
RBA - Em 2006, que resultados teve o movimento?
O movimento teve início muito similar. Os secundaristas pediam uma
reforma da lei que regia a educação, que provocou algo muito parecido.
Milhares de estudantes, colégios paralisados, tomada dos
estabelecimentos. Pedíamos uma reforma que potencializasse a educação
pública e que tirasse os mercados deste que é um direito do cidadão,
da sociedade. Acreditamos que não se deve ficar subordinado ao
mercado, ao dinheiro. O Estado tem de garantir esse direito.
RBA - Neste momento, além da educação, as pessoas estão cansadas do
sistema?
Em geral, a política chilena está muito desgastada em termos de
representatividade. A institucionalidade do governo não deixa muito
satisfeita a sociedade como um todo. Temos muito clara a ideia de que
essa é uma democracia muito precária, que não garante que o povo possa
participar. O que se quer no quadro atual é afastar a sociedade da
política. Há grupos de poder que se servem sempre do prato da
política, e não fazem políticas para as pessoas, mas para certos
grupos.
"Estamos reivindicando uma série de saídas que não estão previstas na
política tradicional, como o plebiscito, que são medidas mais
democráticas e que incluem a sociedade. Não há neste momento previsão
constitucional de realização de um plebiscito. Estamos trabalhando
para conseguir essa alternativa." – Germain Quintana, presidente da
Federação de Estudantes da Universidade Federico Santa María
RBA - Que importância teve a jornada de 30 de junho?
Antes desta houve a de 16 de junho, na qual fizemos uma mobilização
que, desde a volta da democracia ao Chile, havia sido a maior em vinte
anos. Tínhamos alta expectativa para o dia 30, na qual dobramos a
quantidade de pessoas (400 mil, segundo os organizadores). Estamos
vendo que são mobilizações provocadas pelo descontentamento social. A
grande demanda não é só a educação. É a institucionalidade do Chile, a
política, a forma como se governa o país. Estamos muito contentes pela
grande mobilização, que está criando uma grande expectativa pela
articulação social, que se reprimiu muito durante a ditadura e que
após a volta à democracia seguiu reprimida.
Já se somam os sindicatos dos trabalhadores do cobre, que se juntam à
nossa demanda para que se recuperem os recursos naturais para assim
poder financiar o gasto social que precisa ter o Estado, e que hoje é
muito precário. Os trabalhadores estão tomando consciência de que são
o setor produtivo e que têm de produzir para que o Chile e o Estado
possam garantir o cumprimento dos direitos dos cidadãos.
RBA - A solução, então, não estaria em algum outro político.
Isso não terá solução na política tradicional. Estamos reivindicando
uma série de saídas que não estão previstas na política tradicional,
como o plebiscito, que são medidas mais democráticas e que incluem a
sociedade. Não há neste momento previsão constitucional de realização
de um plebiscito. Estamos trabalhando para conseguir essa alternativa.
Fonte: www.redebrasilatual.com.br