Obama, go
home!
Intensa
propaganda nos programas de maior audiência da Rede Globo, apoiada por
cartazes que cobrem o Rio e promoções patrocinadas pela embaixada
yankee, divulgam a visita do presidente Obama ao Brasil. Ela
esconde uma verdade: não se trata do mesmo Obama que empolgou o mundo
na campanha presidencial americana, em 2008.
É outro.
Aquele
Obama prometia mudar a política imperial dos EUA, radicalizada nos
tempos de Bush. Tornar seu país respeitado pela justiça e não temido
pela força. Era uma grande esperança, não só para os americanos de
mente aberta, mas todas as pessoas que anteviam um EUA exercendo um
papel ativo na construção de um mundo melhor.
Uma vez
presidente, aquele Obama foi se desvanecendo. Em seu lugar apareceu
esse que chega ao Brasil. Muito mais parecido com o tão criticado
George Bush do que com o Obama-2008, do qual conservou apenas a
retórica, hoje divorciada dos fatos.
Ainda não
era assim em junho de 2009, quando, no histórico discurso do Cairo,
Obama proclamou uma nova relação de amizade e justiça com os povos
islâmicos, defendendo até a criação de uma Palestina independente e
viável.
No
princípio parecia que era para valer. Obama pediu, suplicou, exigiu
que Bibi Netanyahu parasse de ampliar os assentamentos israelenses em
terras da Cisjordânia para permitir o início de conversações de paz
com os líderes da Autoridade Palestina. Nada feito. O
primeiro-ministro de Israel concedeu, no máximo, um congelamento
temporário, por 10 meses. Pressionados por Obama, os árabes aceitaram.
Nesse
período, pouco ou nada se avançou. Para conseguir mais três meses de
congelamento, Obama fez uma vergonhosa proposta que, além de armas e
muito dinheiro, garantia apoio dos EUA a Israel contra quaisquer
propostas que surgissem na ONU condenando suas ações.
Nem assim,
Bibi topou. Ele sabia que conseguiria tudo isso sem precisar conceder
nada.
E, de fato,
proposta de condenação de Israel pelos seus assentamentos ilegais e
injustos, aprovada por 14 dos 15 membros do Conselho de Segurança,
inclusive Alemanha e França, foi vetada pelos EUA, que foram contra.
Outros furos apareceram no discurso do Cairo.
O relatório
do inquérito da ONU sobre a invasão de Gaza, presidido pelo juiz judeu
Goldstone, apontara crimes de guerra praticados pelo exército de
Israel. Submetido à Comissão de Direitos Humanos da ONU, foi sabotado
pelos EUA, que chegaram a forçar, com forte pressão, Mahmoud Abbas,
presidente da Autoridade Palestina, a retirar seu apoio. Embora sob
pesadas críticas americanas, o relatório acabou aprovado.
Mas, no
Conselho de Segurança da ONU, Obama conseguiu melar uma investigação
oficial do caso. Primeiro, sustentou que Israel é que deveria fazê-la
(seria a raposa investigando a matança de galinhas no galinheiro...).
Isso foi aceito. No entanto, decidiu-se que os palestinos também
deveriam fazer sua investigação. Claro, as conclusões foram opostas. E
o empate não deu em nada...
O massacre
do navio que levava socorros a Gaza trouxe novas chances de Obama
mostrar que não falara à toa no Cairo. Mas, enquanto países do mundo
inteiro reprovaram a ação israelense, os EUA limitaram-se a
"deplorar". E agiram para neutralizar a Comissão de Investigação da
ONU.
Ao lado de
um representante de Israel, um da Turquia e um político neozelandês
respeitado, foi escolhido o ex-presidente colombiano Uribe, o mais
próximo aliado dos EUA na América Latina, cujo governo foi marcado por
graves violações dos direitos humanos. Portanto, mais um empate à
vista, com a probabilidade do massacre da chamada "flotilha da
liberdade" passar em branco.
Como também
está passando em branco a razão de ser da guerra do Afeganistão,
conforme Obama expôs na campanha eleitoral de 2008. Seria necessária
para impedir que o país fosse uma base da Al Qaeda para ataques
terroristas no Ocidente. Há mais de um ano este objetivo já teria sido
alcançado. Segundo o próprio assessor militar da Casa Branca, James
Jones, existem menos de 100 seguidores de Bin Laden no Afeganistão –
muito poucos para justificar a manutenção de um exército de 150 mil
homens, dos quais 50 mil enviados por Obama, e transformar o país numa
base terrorista.
Apesar
disso, os EUA prosseguem uma guerra que já dura nove anos, sem
resultado algum a não ser a morte de 1.500 soldados americanos, o
gasto de centenas de bilhões de dólares, o deslocamento forçado de
centenas de milhares de refugiados, a desestabilização do país e a
ascensão ao poder em Cabul de um bando de políticos corruptos.
A última
pesquisa (Post-ABC) mostra que o povo americano em sua maioria, 64%, é
contra a guerra. Mas os militares são a favor. E Obama tem preferido
ficar com eles. Apoiou mesmo sua solicitação de aumentar o número de
ataques de "drones"- aviões sem piloto - visando talibãs nas zonas do
aliado Paquistão fronteiriças com o Afeganistão. Passaram de 41, nos
quatro anos de Bush, para 190 nos dois anos e pouco de Obama.
Os drones
já mataram mais de 1.000 talibãs. Só que, junto com eles, foram mortos
cerca de 720 civis inocentes. E a imagem dos EUA foi para o espaço. Em
pesquisa realizada em meados de 2010, 68% dos paquistaneses tinham uma
visão negativa dos EUA. Outra pesquisa nessa época (Pew Research)
colocava os EUA muito mal, considerado como inimigo por 59%, enquanto
apenas 8% expressaram confiança no presidente Obama.
Esse tipo
de números jamais abalou o partido da guerra, que conquistou uma
grande vitória nos bastidores da Casa Branca, no front do Irã.
O
presidente parecia empenhado na paz com os aiatolás. Até produziu uma
peça publicitária especial para impressioná-los, estendendo a mão para
o Irã. O problema é que a outra mão estava fechada, pronta pra
golpear. O que aconteceu depois de alguns meses de palavras bonitas.
Dando de
barato que Ahmadinejad tinha um programa secreto para produzir armas
atômicas, apesar das afirmações em contrário de El Baradei, então
presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, e do próprio
serviço secreto americano, Obama passou a exigir que os iranianos
interrompessem o enriquecimento de urânio.
Apesar de
essa operação ser permitida pelos acordos internacionais, o Ocidente
apoiou os EUA e em quatro ocasiões aplicou severas sanções ao país. O
Brasil e a Turquia tentaram resolver o litígio, apresentando uma
solução (anteriormente aprovada pelo próprio Obama) que permitiria o
total controle do urânio iraniano para garantir sua aplicação em
atividades pacíficas.
Mas não era
o que Obama desejava. Ele pressionou o Conselho de Segurança para
recusá-la e, mais uma vez, sancionar o Irã. A essas alturas a
brilhante retórica de Obama no Cairo já era letra morta. Agora, ele
ainda tenta ressuscitá-la, mas o faz de maneira imprópria.
Somente
apoiou as revoluções democráticas contra as ditaduras pró-EUA do Egito
e da Tunísia quando já estavam vitoriosas. E, mesmo assim, no caso do
Egito, ainda tentou (em vão) substituir Mubarak pelo general Suleiman,
grande amigo de Israel e chefe do serviço secreto egípcio, o qual
torturou dezenas de suspeitos de terrorismo por encomenda da CIA.
Enquanto
isso, no plano interno, a maioria das promessas de campanha viraram
pó. Logo no começo de sua gestão, Obama anunciou o fechamento de
Guantánamano no prazo de um ano para, logo, dar o dito por não dito. E
adiar. Até quando? Respondeu o secretário Gates: "daqui a muito, muito
tempo". Mesmo porque Obama decretou que 47 prisioneiros ficarão em
Guantánamo para sempre. Sem direito a julgamento, pois poderiam ser
absolvidos, já que as provas contra eles tinham sido obtidas sob
tortura.
Porém, o
desrespeito aos direitos humanos não ficou por aí. Bradley Manning, o
"whistleblower" (denunciante) que forneceu ao WikiLeaks milhares de
documentos da diplomacia e do exército americano, revelando seus
podres, está preso desde maio pelos militares. Mantido em reclusão
solitária, com interrupção de sono, privação de exercícios físicos, em
condições "planejadas para degradar a mente e a resistência de Manning
para que incrimine a WikiLeaks", conforme seu advogado David
MacMichael, militar reformado, ex-comandante do mesmo quartel onde se
acha preso Manning..
Diante dos
protestos das organizações de defesa dos direitos humanos, Obama
respondeu estar tranqüilo, pois o Pentágono lhe informara que Manning
estaria preso "em condições adequadas".
Justificando o "novo Obama," seus defensores alegam que ele teria boas
intenções, mas o poder das forças da reação - particularmente, o
Partido Republicano, o lobby pró-Israel e as forças armadas - seria
invencível.
Mas o
Partido Republicano só assumiu o controle do Congresso em fins do ano
passado, Obama governou dois anos com maioria democrata. Só a partir
de agora sua influência poderá se efetivar.
Não se pode
negar o imenso poder de pressão dos judeus americanos. Segundo
pesquisa da American Jewish Opinion, 62% deles apóiam o governo do
direitista Netanyahu. Apesar de representarem apenas 3% do
eleitorado, seus votos pesam em estados como Nova York e Flórida, onde
estão mais concentrados. E, o que é mais importante, estima-se que
judeus americanos forneçam 40% das contribuições das campanhas
eleitorais do Partido Democrata.
A mais
forte dessas organizações, a AIPAC (Associação Israelo-Americana),
reuniu nada menos do que 2/3 dos congressistas na sua última
convenção. Sua palavra tem sido lei, tanto no Senado quanto na Câmara
dos Representantes.
Entretanto,
começam a ocorrer fraturas nessa frente até há pouco monolítica.
Surgiram várias organizações judaico-americanas liberais, como a
JStreet, que prega a paz com os palestinos, a cessação dos
assentamentos e a criação de um Estado árabe independente na região. E
a JStreet cresce já está organizada em 30 estados, com um orçamento de
6 milhões de dólares (pouco diante dos 67 milhões anuais da AIPAC).
A esquerda
do Partido Democrata questiona a fraqueza de Obama, ao permitir que os
lobbies ditem os rumos da política americana na Palestina e no Oriente
Médio, em geral, onde a defesa intransigente de Israel é prioritária.
Ele teria
armas poderosas para mudar de atitude e pressionar o governo
Netanyahu. O exército de Israel depende muito dos 3 bilhões anuais em
armamentos, os mais modernos, recebidos da Casa Branca. Secar esta
fonte deixaria Tel-aviv em maus lençóis.
Obama teria
também o apoio da maioria do povo americano. Segundo pesquisa da
Zogby, em março de 2010, 63% dos democratas e 40% dos independentes
achavam que os EUA deveriam "pegar duro" com Israel para impedir sua
expansão territorial. E apenas 34% da população em geral defendiam a
construção de assentamentos, enquanto 40% queriam seu abandono.
Não vamos
esquecer os 13 milhões de ativistas que lutaram por Obama na campanha
eleitoral, empolgados por suas propostas de mudanças. Convocados, eles
formariam um poderoso exército em defesa do Obama modelo 2008.
Quanto às
Forças Armadas propriamente ditas, sua pressão não pode ser
desdenhada. Mas ela tem limites. Na História dos EUA não há um só caso
de golpe militar. Não há por que ele acontecer neste século, quando as
instituições democráticas estão cada vez mais fortes em todo o mundo.
Dizem os
analistas que Obama vem ao Brasil, basicamente, por dois motivos:
promover o aumento das exportações americanas para nosso país e
estimular o governo Dilma a abandonar a política externa independente
do governo Lula, voltando a nos aproximar (ou submeter?) aos EUA.
Ora, em
matéria de comércio exterior, os interesses brasileiros são contrários
aos dos americanos. Sendo nosso comércio com eles deficitário,
precisamos, isso sim, aumentar nossas exportações para lá, não o
contrário.
Evidentemente uma política externa independente é fundamental para a
soberania plena de um país. E lhe dá autoridade para intervir nas
questões internacionais, pois independência exclui parcialidade. Por
que, então, mudar a nossa?
Se é por
coisas assim que Obama vem ao Brasil, o mais importante que podemos
lhe dizer é mesmo Obama, go home!
Luiz Eça é
jornalista.
FONTE: Correio da Cidadania