Na USP, greve estudantil seguirá em 2012
Calourada 2012 receberá os bixos com debates, teatros e shows
Estudantes que
ingressarão na Universidade de São Paulo (USP) em 2012 serão recebidos
com debates, teatros, shows-protesto e manifestações para esclarecer e
discutir a movimentação estudantil impulsionada desde o dia 27 de
outubro, quando os universitários entraram em confronto com a Polícia
Militar (PM) no campus Butantã.
Ao contrário do
que ocorre tradicionalmente, a Calourada Unificada de 2012 será
realizada pelo comando de greve da USP e não pelo Diretório Central
dos Estudantes (DCE). Assim, em pelo menos um dia, os bixos de todos
os cursos participarão das mesmas atividades na USP organizadas por
esse fórum.
“Estamos
preparando uma calourada política. Será bastante interativa e busca a
unidade dos estudantes. Queremos que os ingressantes tenham todo o
conteúdo político necessário para tomar uma posição e ingressar na
luta o mais depressa possível”, afirma o delegado do comando de greve
e estudante do curso de Ciências Sociais, Alcides Moreno.
Entre as
atividades programadas, está prevista uma caminhada por locais que
marcaram a mobilização em 2011 como os prédios da administração da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e da
reitoria da Universidade, que foram ocupados para exigir do reitor
João Grandino Rodas um posicionamento a respeito de ter autorizado a
PM a entrar no campus sem consultar a comunidade acadêmica e sobre os
processos imputados contra os opositores da sua gestão.
Também serão
organizados um debate com a presença de professores, funcionários e
intelectuais e a exibição da peça “Auto dos 99%” pela Companhia
Antropofágica. Estudantes do Chile, Estados Unidos, Egito e Inglaterra
ainda estão sendo contatados para participar da calourada e falar
sobre suas manifestações.
O comando também
está organizando ônibus para que alunos dos campi do interior
participem das atividades.
Para Joana
Franco, estudante do curso de Letras e delegada do comando de greve,
os calouros devem aproveitar o momento para politizar o debate.
“Gostaria de dizer aos bixos que conheçam o movimento estudantil,
participem dos debates e reconheçam a importância da luta que estamos
travando aqui. Sobre a [situação da] PM na USP, a falta de democracia
na universidade, etc., espero que possam conhecer mais no decorrer das
primeiras assembléias”, afirma.
Além de ser uma
das recepções mais politizadas dos últimos anos, para Alcides, a
calourada será uma oportunidade de conhecer e discutir as
reivindicações estudantis de modo diferente ao que foi colocado pela
cobertura da grande mídia. “Esse movimento não se trata da legalização
da maconha, como a grande mídia tem vinculado, mas sim trata da
estrutura de poder da universidade, dos abusos cometidos pela reitoria
e pelos órgãos burocráticos”, destaca.
O comando de
greve reúne estudantes de cursos que estão ou não em greve. Cada
integrante deste fórum é eleito a partir de 20 votos de estudantes nas
assembléias de cursos.
Em reunião para
organização da calourada no dia 11 de dezembro, na sede do Diretório
Central dos Estudantes (DCE), mais de 100 delegados estavam presentes,
incluindo representantes da USP de São Carlos.
Os cursos que têm
estudantes delegados no comando de greve são: Arquitetura, Artes
Cênicas, Artes Plásticas, Audiovisual, Biologia, Ciências Sociais,
Design, Direito, Educação, Educação Física, Engenharia Ambiental,
Filosofia, Física, Geografia, História, Instituto de Matemática e
Estatística – IME, Jornalismo, Letras, Nutrição, Psicologia,
Publicidade e Propaganda, Relações Internacionais, Relações Públicas e
a Pós Graduação.
Já os cursos que
permanecem em greve na USP são: Arquitetura, Artes Cênicas,
Audiovisual, Biblioteconomia, Ciências Sociais, Educação, Geografia,
História, Letras, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações
Públicas, Turismo e a Pós Graduação.
Por que protestam
os estudantes
Desde que se
iniciaram as manifestações contra a presença da Polícia Militar no
campus Butantã, as assembléias estudantis percorrem as unidades
escolares e tem sido lotadas, reunindo em média mais de 3 mil
estudantes. A última assembleia do ano, ocorrida na Escola de
Comunicações e Artes (ECA), reuniu 1500 estudantes, em período em que
muitos tiveram que fazer provas e entregar trabalhos.
Os estudantes
dizem que a Polícia Militar não traz segurança ao campus. Eles
recordam a ação de junho de 2009, quando a Corporação destruiu
piquetes feitos por funcionários em greve e agrediu com bombas e balas
de borracha manifestantes que realizavam protesto. Atualmente
denunciam que a PM faz revistas truculentas e está mais disposta a
abordar negros e pobres.
“A atuação da PM
nunca esteve de acordo com o tipo de atuação que se espera dentro de
uma Universidade. Além disso, a maioria dos estudantes é contra a
atuação dela em qualquer lugar, já que é uma polícia especializada
historicamente em repressão a movimentos sociais. O problema da
segurança é um discurso oportunista do reitor para colocar a polícia
aqui”, explica Joana.
O policiamento
militar na USP foi intensificado desde a morte do estudante de
Ciências Atuariais, Felipe Ramos de Paiva, em 18 de maio deste ano,
depois de reagir a um assalto. Na ocasião, a PM estava presente, mas
não conseguiu evitar a tragédia. Baseado no argumento da segurança, um
convênio foi assinado pelo reitor João Grandino Rodas e a Corporação
em 08 de setembro.
“Quando houve o
assassinato do rapaz [no estacionamento] da FEA (Faculdade de Economia
e Administração), os alunos não pediram polícia, pediram mais
iluminação. Quem cantou a bola da PM foi o Rodas. Trazer a polícia pro
campus tem consequências muito mais extensas que a mera segurança, e é
para isso que atentamos”, destaca Joana.
“Eu acredito que
a questão não é simplesmente a PM dentro ou fora da USP. A USP conta
com praças, parques, bibliotecas e que são de uso exclusivo de uma
parcela muito pequena da sociedade. Se a USP não é uma bolha, por que
só a PM tem passe livre para dentro de seus muros? A universidade é
segura? Não! Por quê? Porque é vazia, porque impede a circulação de
pessoas”, acredita Alcides.
Segundo ele, a
reitoria tenta transferir para o Estado a responsabilidade de promover
a segurança dentro do campus, que poderia ser feita, por exemplo, com
uma guarda universitária treinada. “E essa transferência de
responsabilidade fere a autonomia universitária. Acredito que existam
outros meios para vivermos em uma universidade segura que não envolva
o aparato repressor do Estado. A PM não traz segurança porque não é
esse seu objetivo. Ela existe para fazer a manutenção da ordem
social”, argumenta.
Além da presença
da polícia, estudantes denunciam que o reitor tem realizado repressão
política contra quem os contrários à sua gestão. Somado os 73 alunos
presos durante a desocupação da reitoria em 8 de novembro, outros 26
estudantes e sindicalistas do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da
USP) estão sendo processados em razão das suas posições políticas.
Os processos são
baseados no regimento disciplinar da USP, feito para ser provisório,
mas que vigora desde 27 de março de 1972 e pune atos políticos como
manifestações, divulgação e a colagem de cartazes e ações que atentam
à moral e aos bons costumes.
“Fora isso, há
espionagem dentro do movimento estudantil. Há denúncias de que a
guarda universitária ouve e registra as assembleias de estudantes e
funcionários. Já a Polícia está sempre filmando e fotografando as
manifestações, sem falar no helicóptero ‘olho de águia’ que sempre
sobrevoa a USP”, pontua Joana.
“Realmente hoje
na USP a liberdade de expressão política é restrita. Você não pode se
articular fora do plano das idéias. Não pode tentar mudar as coisas.
Digo isso tendo como exemplo a ocupação da reitoria em 2011. Ali tinha
dezenas de estudantes cobrindo seus rostos para não sofrerem processos
administrativos. E o que isso significa? Significa que a reitoria pune
sem pesar aqueles que se levantam contra os abusos que estão sendo
cometidos na universidade”, complementa Alcides.
Rodas ainda é
investigado pelo Ministério Público do Estado por aquisição de imóveis
no centro de São Paulo e por nomear funcionários sem que tenham a
experiência exigida para assumir os cargos dentro da Universidade.
Além disso, é considerado persona non grata pela Faculdade de Direito,
na qual foi diretor.
Os manifestantes
questionam também a legitimidade Rodas para gerir a USP. Rodas foi
nomeado pelo então governador José Serra para assumir o cargo em
janeiro de 2010, apesar de ter sido o segundo mais votado pelo
Conselho Universitário. A última vez que fato semelhante ocorreu foi
em 1969, quando o governador Paulo Maluf indicou Miguel Reale para
ocupar o cargo de reitor até 1973.
Conheça as
reivindicações dos estudantes
A greve
estudantil reivindica a aprovação de um plano alternativo de segurança
condicionado a saída da Polícia Militar do campus e ao encerramento do
convênio com a Corporação; o fim dos processos políticos e
administrativos contra funcionários e estudantes; a renúncia do reitor
João Grandino Rodas e a aprovação de um novo estatuto para a USP.
Fonte: Brasil de
Fato, Aline Scarso, 15/12/11.