MPF quer que União seja responsabilizada por conflito entre
fazendeiros e índios de MS
Procurador da República irá ajuizar ações individualizadas para cada
comunidade contra o Estado
O Ministério
Público Federal (MPF) vai pedir que a Justiça Federal responsabilize o
Estado brasileiro pela atual situação dos cerca de 50 mil índios
Guarani Kaiowá que vivem em Mato Grosso do Sul.
O procurador da
República em Dourados (MS), Marco Antonio Delfino de Almeida, planeja
entrar com ações civis públicas na Justiça Federal. Almeida adiantou à
Agência Brasil que deve impetrar as duas primeiras ações em janeiro de
2012. Segundo ele, poderão ser as primeiras de uma série de ações
individualizadas ajuizadas - uma para cada comunidade ou denúncia de
violência contra os índios no estado. Se for condenada, a União pode,
entre outras coisas, ser obrigada a acelerar o processo de demarcação
de novas reservas.
"Isso vai
demandar tempo porque, para não sermos levianos, vamos precisar de
laudos técnicos que comprovem os prejuízos em cada um dos caso. E
também porque apenas dizer que os índios foram prejudicados é muito
pouco", declarou Almeida, revelando que o levantamento de informações
para comprovar a exata dimensão dos prejuízos causados aos Guarani
Kaiowá já foi iniciado.
Entidades ligadas
à causa indígena e órgãos governamentais apontam Mato Grosso do Sul
como o estado mais perigoso para os índios viverem. Segundo o Conselho
Indigenista Missionário (Cimi), 250 indígenas foram mortos no estado
de 2003 a 2010. Embora muitas dessas mortes sejam resultado de crimes
comuns, como brigas entre os próprios moradores de uma comunidade, a
maioria está ligada à luta pela terra que índios e fazendeiros travam
há décadas. Para especialistas, muitos dos crimes entre índios são
consequência da situação de confinamento em reservas cuja área se
tornou insuficiente para abrigar a todos, da falta de perspectivas ou
da perda da identidade cultural, que, entre coisas, ocasiona a
derrocada dos tradicionais mecanismos de mediação de conflitos
internos.
"Cada comunidade
tem um histórico de violência e de mazelas decorrentes desse processo
de confinamento, como a desnutrição infantil e a violência. É
importante caracterizar como a União contribuiu para isso em cada um
dos casos", afirmou o procurador. Para Almeida, a União não apenas tem
sido omissa em relação ao conflito fundiário causado pelo estímulo à
produção agropecuária no Centro-Oeste, como, inicialmente, contribuiu
para que a situação chegasse ao ponto que chegou.
Segundo o
procurador, durante as primeiras décadas do século 20, a pedido de
fazendeiros recém-chegados ao estado, onde adquiriam, legalmente ou
não, terras, a União passou a remover os índios de seus territórios
tradicionais. Eles foram concentrados em reservas, liberando as demais
áreas para a agropecuária. "Um processo semelhante à formação de
guetos de judeus" que, segundo o promotor, resultou na disputa
fundiária que já se arrasta há décadas, provocando não só prejuízos
aos índios, mas também um clima de insegurança jurídica que prejudica
o próprio setor produtivo.
De acordo com a
Funai, os Guarani Kaiowá são, atualmente, o mais numeroso povo
indígena do país, com cerca de 50 mil pessoas vivendo em Mato Grosso
do Sul. A maioria delas vive em situação de miséria, ocupando 42 mil
hectares (o equivalente a 420 milhões de metros quadrados ou 42 mil
campos de futebol).
Em 2009, a
Agência Brasil já havia publicado uma série de matérias sobre os
conflitos fundiários na região. O especial Duas realidades sobre o
mesmo chão mostra as contradições em uma área onde indígenas em
condições precárias vivem ao lado de latifúndios prósperos.
*O repórter
viajou para Dourados (MS) a convite da Comissão de Direitos Humanos e
Minorias da Câmara dos Deputados
Fonte: Brasil de
Fato, Alex Rodrigues, 5/12/11.