MP-520:
Diferentes setores defendem concurso público e gestão pública dos HU
Representantes de diferentes setores da sociedade - incluindo Tribunal
de Contas, Ministério Público, entidades de classe e movimentos
sindicais e sociais - condenaram a Medida Provisória nº 520/2010,
durante o painel “Criação de Empresa Pública para gerir
hospitais-escola do SUS – Razões e Objetivos”, no primeiro dia do
seminário “Aspectos Jurídicos, Econômicos e Sociais da Medida
Provisória n.º 520/2010”, promovido pela Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão (PFDC), nos dias 5 e 6/4, em Brasília (DF).
A MP 520,
proposta pelo Executivo em 31 de dezembro do ano passado, no apagar
das luzes do governo Lula, institui a Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares S.A. (EBSERH) para gerenciar os hospitais universitários,
desvinculando-os das instituições federais de ensino superior, entre
outras competências. Os participantes do painel criticaram,
principalmente, o fato da Medida Provisória entregar ao setor privado
parte do patrimônio público brasileiro e, também, de promover a
terceirização da mão-de-obra, desrespeitando a exigência de concurso
público.
Terceirização, ilegalidade e penúria
O
secretário-executivo da Associação Nacional do Ministério Público de
Contas (AMPCON) e procurador do Ministério Público de Contas
(MPContas) no Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo
Oliveira, avalia que a MP foi criada para tentar solucionar o problema
da terceirização dos trabalhadores dos hospitais universitários, que
há quase uma década vem sendo condenada pelo TCU.
Na sua
fala, ele recuperou a história dos 45 hospitais universitários do país
para mostrar os fatores que o levaram à situação de penúria em que
vivem atualmente. “Atualmente, são mais de 26 mil terceirizados, sem
nenhum direito que trabalham ao lado dos servidores concursados”,
resume, para explicar que, desde 2002, o TCU tem recomendado a
regularização dos trabalhadores, a partir da abertura de concursos
públicos.
O
procurador recorda que, em 2006, o Ministério do Planejamento acolheu
o cronograma apresentado pelo TCU, com a estimativa da contratação de,
em média, 6,5 mil concursados por ano para substituir terceirizados,
de 2006 a 2010. “Ninguém explicou ainda porque os concursos não foram
realizados. E também não apareceu ninguém que explicasse porque não
resolver a crise dos hospitais universitários por meio dos concursos
prometidos em 2006 pelo MP”.
Para ele, a
máxima propagandeada de que as empresas privadas têm mais capacidade
de gestão do que as públicas é “um canto de sereia do mercado”. “Onde
está escrito que o Regime Jurídico Único (RJU), adotado para os
servidores públicos, não funciona para a saúde? Quem disse que os
médicos serão melhores remunerados se seus contratos de trabalho forem
precarizados? O mercado vende a gestão privada da saúde como algo bem
sucedido, mas isso não é verdade”, acrescenta.
Júlio
Oliveira conclui explicitando o perigo da MP-520 ser aprovada. “Para
resolver o problema da terceirização dos funcionários, o governo
resolveu terceirizar todo o hospital: o prédio, o orçamento, o corpo
de funcionários. Essa MP causa uma deformação no serviço público
brasileiro. Espero que não passe pelo Congresso e, caso passe, seja
considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Ele
criticou também o fato da medida ter sido proposta por meio de Medida
Provisória, e não de projeto de lei. “A MP vem para forçar uma
situação que eu considero de afronto à democracia. Parece que o
governo optou por encaminhar uma MP ao invés de projeto de lei para
diminuir os prazos de debate e, se tiver maioria, passar o trator”.
Sobre o
problema dos mais de 26 mil funcionários dos hospitais universitários
que terão que ser substituídos por concurso público, ele é taxativo.
“A constituição não prevê outra forma de acesso ao serviço público. Os
funcionários que estão há 10 anos nos hospitais são privilegiadas, não
vítimas. Eles tiveram acesso a um emprego público de forma
privilegiada, sem prestar concurso público, enquanto outras pessoas
tão valorosas não tiveram a mesma oportunidade”
Sem
dotação orçamentária, não há mágica
Preceptor
de residência médica em cirurgia pediátrica na Universidade Federal do
Ceará e presidente da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do
Brasil, Ricardo Madeiro condenou vários aspectos da MP. Ele relatou
que visitou, no seu Estado, 21 diferentes hospitais e constatou que a
terceirização é realidade em todos eles e atinge, em média, 45% dos
funcionários. “A partir desse dado, fizemos amplo estudo de modelo
para resolver problema. Essa MP desconhece nosso estudo. Não há
previsão de recursos para a melhoria da infra-estrutura. Não há
previsão de recursos para ampliação do quadro de pessoal ou para
melhoria de salários. Então, como essa MP vai resolver o problema?”.
Ele
comparou a empresa prevista pela MP com as organizações sociais (OS),
que também tem caráter privado. “As OS são altamente seletivas. Não
aceitam pacientes que não gerem lucro. Para internar um diabético,
medem antes o nível de glicose. É esse o modelo de saúde que queremos
ou é o modelo de portas abertas do atual Sistema Único de Saúde (SUS),
que atende a todos nem que seja nos corredores?”.
O médico
lembrou também que, hoje, 60% dos recursos dos hospitais
universitários vão para pagar terceirizações. E, ainda assim, o
problema da falta de pessoal persiste. “O número de denúncias por erro
médico vem crescendo assustadoramente. E ninguém discute as condições
de trabalho dos médicos que, em 12 horas de plantão, são obrigados a
realizar cem atendimentos. Dá, em média, 6 minutos por paciente”,
alertou.
Ele
questionou como seria solucionado, dentro desta empresa, o eterno
conflito entre lucro e prestação de serviço. E, ainda, o problema da
falta de isonomia entre servidores estatutários e profissionais
contratados pela CLT. “Com medidas como essa, nós correremos o risco
de voltar a conviver com o clientelismo e a corrupção. Por isso,
condenamos qualquer forma de privatização e ou terceirização do
serviço público, seja ela direta ou indireta”.
Voz
parcialmente dissonante
Reitor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, que possui nove
hospitais universitários, Aloísio Teixeira também condenou a MP 520,
embora com ressalvas em relação à posição contundente dos demais,
principalmente de defender o concurso público como única forma de
acesso ao serviço público. “Só rejeitar a MP e exigir concurso público
não resolve o problema. Porque este ano não haverá concurso público e
os hospitais precisam continuar funcionando”.
Contrário à
MP, Teixeira iniciou sua fala elogiando a atuação do governo Lula em
relação às as universidades e aos hospitais universitários.
Entretanto, considerou a MP-520 um erro, já que ela tem um viés
convergente com a proposta do ministro Temporão de criar as fundações
estatais e com outras que, voltam e meia, aparecem. “A lógica dessas
propostas é dizer que o problema da Saúde Pública brasileira é de
gestão. E isso desonera o governo da sua responsabilidade pelo
problema”.
Da
experiência da UFRJ, ele conta que, a partir de 1990, a universidade
começou a contratar pelas fundações privadas. “Em 2008, o TCU proibiu
esse tipo de contratação. E nos passamos a contratar por cooperativas.
E o Ministério do Trabalho nos chamou e disse que isso era uma burla.
E era mesmo. Desde janeiro de 2008, nós pagamos os terceirizados como
prestadores de serviços Pessoa física, em flagrante irregularidade”,
confessa.
“A MP-520
permite as contratações temporárias que precisamos, mas tira a gestão
dos hospitais universitários da universidade. Antes, o problema era
que nós tínhamos dois tipos de profissionais diferentes trabalhando no
mesmo espaço. Agora, estamos em um caminho que significa um novo golpe
a algo que nos é caro: a autonomia universitária”, alertou.
Entrega
de patrimônio público
A 2ª
vice-presidente da Secretaria Regional Rio de Janeiro do Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES-SN,
Sônia Lúcio, afirmou que, durante o 30º Congresso da entidade,
realizado em fevereiro, os docentes rejeitaram a MP-520 e deliberou
que a categoria trabalhe, em parceria com as demais entidades
interessadas, pela não aprovação da medida pelo Congresso Nacional.
Segundo
ela, é preciso avaliar a quem essa MP interessa. “O primeiro artigo
prevê que a empresa pública constituirá uma sociedade anônima de
natureza privada. Por tratar-se de sociedade anônima poderão
transacionar ações no mercado. Isso submete a universidade à
lógica do capital financeiro. Trata-se da entrega de patrimônio
público para o capital privado”, denunciou ela, esclarecendo que, por
patrimônio público, deve-se entender não só os prédios, a
infra-estrutura, mas também o conhecimento científico produzido há
décadas nas universidades brasileiras.
Sônia Lúcio
alertou os presentes também para o fato de que, pela MP, a empresa
poderá patrocinar previdência privada. “Ou seja, constituirá
previdências privadas com recursos públicos”. Ela encerrou sua
participação incitando a mesa a aprofundar os debates sobre o tema e o
movimento sindical a aprofundar a luta pela rejeição da MP.