Haiti e Japão
Escrito por Roberto Malvezzi (Gogó)
A tragédia japonesa – embora
ainda longe de ser avaliada em todas as suas dimensões – põe em crise
algumas afirmações extremamente arrogantes do universo da ciência e da
técnica, particularmente aquelas postas a serviços de setores
poderosos no mundo de hoje.
Em primeiro, quando aconteceu
o terremoto no Haiti, houve unanimidade em dizer que "se fosse no
Japão praticamente não teria conseqüências". Claro, a tecnologia
japonesa evitou o que poderia ser muito pior. Entretanto, os mortos já
contados, os milhares de desaparecidos ainda não devidamente
contabilizados, mostram que, diante da fúria da Terra em transe,
nenhuma tecnologia é tão poderosa que possa evitar todas as tragédias.
Segundo, com a retomada do
programa nuclear brasileiro, começando aqui pelo São Francisco, o
argumento posto na praça é que "hoje existe uma segurança que não
havia no tempo de Chernobyl". Mais uma vez a assertiva não se
sustenta. A Terra em fúria é capaz de pôr em risco qualquer pretensa
segurança nuclear.
Ainda mais, como os resíduos
têm efeitos ativos por cerca de mil anos, ninguém sabe como será nosso
planeta durante esse milênio. O certo é que será muito diferente do
que é hoje. Portanto, mais que a arrogância da técnica e da ciência,
espera-se uma boa dose de bom senso e responsabilidade com as gerações
atuais e futuras.
Finalmente, existe uma
pergunta crucial: há alguma relação entre o aquecimento global e o
aumento dos fenômenos sísmicos?
Nenhum cientista põe a mão no
fogo para dizer que sim. Entretanto, há várias insinuações de que pode
haver. No encontro para debater catástrofes no Brasil, na Câmara dos
Deputados, uma professora da UNB insinuou que poderia haver uma
correlação, mas não se aprofundou.
Fiz essa pergunta numa lista
latinoamericana de pessoas envolvidas com o debate sobre mudanças
climáticas. Um climatologista da Universidade de Buenos Aires, Eduardo
Agosta, assim respondeu:
"Em geral a teoria diz assim:
o aquecimento global, entre outras coisas, gera um aumento do nível do
mar (por expansão e/ou derretimento do gelo), o qual, por sua vez,
gera mudanças na distribuição da massa superficial da Terra, a qual,
por sua vez, muda a velocidade angular da Terra (variações na
velocidade de rotação da Terra).
Estas mudanças de velocidade
de rotação podem alterar o movimento do magma terrestre, gerando
variações na pressão interna sobre as placas tectônicas e, portanto,
alterações na atividade sísmica da Terra. Contudo, se deveria estudar
cada uma destas fases, antes de asseverar a relação direta entre
Aquecimento Global e terremotos."
Portanto, guardadas todas as
devidas restrições, é bom pôr a barba de molho.
Roberto Malvezzi
é assessor da CPT (Comissão Pastoral da Terra).
FONTE:
Correio da Cidadania