“Função dos
CAp é garantir boa formação para novos professores”, ressalta
professora
Desde que a proposta de
regulamentação dos Colégios de Aplicação – Cap vazou dos gabinetes do
Ministério da Educação – MEC, em março deste ano, o Setor das Federais
do ANDES-SN designou uma comissão para estudar o documento que, já na
primeira análise, pareceu representar uma grave ameaça à autonomia
universitária.
Professora do Colégio de
Aplicação (CAp Conluni) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e
secretária-geral da Associação dos Professores da UFV (Aspuf Seção
Sindical), Márcia Cristina Fontes Almeida faz parte deste grupo que,
agora, na última reunião do setor, nos dias 6 e 7/5, apresentou várias
contribuições sobre o tema.
Para a professora, o grande
problema está no fato de que o governo vê os CAp apenas como escolas
da educação básica, mas sua principal missão é proporcionar espaço de
inovação pedagógico e experimentação para a formação de novos
professores. Confira a entrevista em que ela explicita as ameaças
contidas na proposta do governo e aponta quais são as reais
necessidades dos CAp:
Qual a origem da crise vivida
hoje pelos Colégios de Aplicação?
Desde o início
deste ano, os professores substitutos têm enfrentado a suspensão dos
seus pagamentos e também ocorreu o vazamento da versão preliminar de
uma portaria do Ministério da Educação (MEC) para regulamentar os
Colégios de Aplicação. A sorte é que essa minuta vazou, porque a gente
corria o risco deles já virem com uma portaria sem que tivéssemos
espaço para discussão. O problema é que a minuta parte do zero, como
se os CAp nunca tivessem tido um lugar reconhecido nas universidades.
Na verdade, já existe regulamentação. Já temos espaço tanto na
Constituição quanto na Lei de Diretrizes Básicas (LDB). Mas na verdade
o governo nunca reconheceu essa realidade. O que a gente precisa é
regularizar a situação de alguns colégios que, por uma série de
motivos, não estão cumprindo a função de integrar o ensino básico com
o superior, que a função dos CAp. Mas essa regularização depende muito
mais da contrapartida do governo, a partir de previsão orçamentária,
reposição de pessoal. E não há nenhuma previsão sobre isso na minuta.
O que é mais forte ali é desconsiderar a regularização que já existe
para os CAp e, principalmente, transferir os CAp da esfera federal
para os estados e municípios.
A Constituição Federal e na
LDB prevêem que os CAp possam ser estadualizados ou municipalizados?
Não. Inclusive a
Lei primeira, que é de 1946, instituiu os ginásios de aplicação
justamente para se ter o espaço de prática das faculdades de filosofia
que, na época, eram as licenciaturas. Eu acredito que o problema todo
é de como nós somos vistos. Estamos sendo vistos só como instituição
de ensino básico e, por isso, há a intenção do governo de transferir a
responsabilidade para as secretarias de Educação dos Estados e
municípios, que são as responsáveis pela educação básica.
Isso porque,
constitucionalmente, a responsabilidade pelo ensino básico é dos
estados e municípios?
Exato, mas nós não
podemos ser vistos apenas como instituições de ensino básico. Porque
os CAp desenvolvem um trabalho conjunto, que contempla a formação de
professor, por causa das licenciaturas, e por isso nós fazemos parte
do Ensino Superior. O ideal é que toda instituição de ensino superior
que tenha licenciatura tenha também um colégio de aplicação, assim
como os hospitais universitários (HU). Porque os HU são o local da
prática dos cursos da área da saúde. E os HU tem uma diretoria
específica na SESU (Secretaria de Ensino Superior do MEC) para tratar
das especificidades deles. E nós não temos em lugar nenhum, embora
trabalhamos com formação docente, que é educação superior, e com
educação básica, ao mesmo tempo.
O descaso é recente?
Vem de muito tempo.
Toda vez que tinha reunião do Condcap (Conselho dos Dirigentes dos
CAp) quem participava pelo MEC era a Secretária de Educação Básica. O
MEC não nos vê como instituição de ensino superior. E a minuta vem
exatamente comprovar essa falta de visibilidade que temos por parte do
governo. Agora, o que o governo está dizendo no discurso oral é que a
intenção é fomentar a discussão, resolver os problemas, regularizar os
CAp vinculados aos municípios. Mas o que está escrito na minuta vai no
sentido oposto. Revela que a intenção é repassar os que são das
universidades federais para a esfera estadual/municipal.
Qual a lógica do governo para
abrir mão desse importante espaço de formação de professores, que
também é importante pelos excelentes resultados obtidos na educação
básica?
Nos CAp, você tem o
espaço de inovação pedagógica e o de ensino básico que se
retroalimentam. Os alunos do ensino básico são privilegiados, porque
saem com potencial muito grande. A gente não visualiza a questão do
resultado. O ENEM e o vestibular não são nosso foco, mas conseqüência
do trabalho desenvolvido, justamente porque temos profissionais
qualificados. Esses profissionais trabalham com teorização da prática
e, consequentemente, os alunos da graduação, futuros professores,
também são beneficiados, porque temos recursos, professores com
Dedicação Exclusiva e tudo mais, mas temos também problemas reais de
escola básica, como indisciplina de alunos. Então, é um campo de
vivência importante para esses futuros docentes que vão sair dali e
trabalhar na educação básica.
Qual é o quadro hoje nos CAp?
Estamos precisando
fazer um levantamento porque são várias realidades. E é por isso que
falamos que é preciso regularizar, mas não uma regulamentar. É
necessário ver o que é preciso colocar em ordem em cada colégio,
porque tem a questão de cada região, o contexto, quais cursos de
licenciatura cada um atende. Cada CAp tem uma especificidade, mas esta
especificidade não pode se sobrepor a função primeira de integração
teoria e prática para os alunos das licenciaturas. Os alunos precisam
sair das salas de aula e ir para lá aplicar as teorias que estão
aprendendo.
Mas há também as demandas
comuns...
Sim, por exemplo,
desde 2005 que o governo não liberava vagas para concurso. Em 2010,
liberou. Só que, na verdade, ele só liberou contratação para códigos
de vagas antigas. E nós temos demandas novas, como a ampliação do
número de alunos que a gente atende. Ou a oferta de novas disciplinas:
como filosofia, sociologia, música. E mesmo as demandas antigas de
desenvolvermos ensino, pesquisa e extensão, como prevê a constituição
Federal. E não tem tido contrapartida do governo para atender essas
demandas.
O que a gente percebe é que a gente fica no limbo. Nós somos da mesma
carreira dos Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT), mas só que
nós somos das universidades, não pertencemos às carreira de 3º grau.
Então, todas as políticas públicas que saíram até agora não nos
contemplam. Por exemplo, o banco de professor equivalente de 2007 era
só para os professores de 3º grau das universidades. Agora, saiu o
decreto dos professores equivalentes da EBTT, mas também ficamos de
fora porque estamos nas universidades.
E qual é a solução?
Ou mudar a
legislação ou batalhar pela carreira única que, inclusive, é pauta do
Setor das Federais do ANDES-SN. Não resolveria todos os nossos
problemas, mas ajudaria bastante, uma vez que a gente seria visto como
professor das universidades. Não ficaríamos mais excluídos das
políticas que vem para as universidades. Inclusive porque somos
unidade das universidades.
E como está a mobilização dos
CAp para derrubar essa minuta de proposta?
Nesse caso, o papel
do Sindicato tem sido importantíssimo. Quando vazou a minuta, as
pessoas assustaram e pararam para prestar a atenção no assunto, com
medo da desfederalização. E o Condcap parou para discutir o assunto. O
governo, numa estratégia muito sábia, pela primeira vez enviou um
representante da SESU para a reunião. Os Colégios de aplicação se
sentiram importantes, o governo apagou o fogo e cada diretor voltou
para sua unidade tranqüilizando a comunidade escolar. Com isso, muitos
colégios que estavam em efervescência, se desmobilizaram. Entretanto,
o que permanece no papel é outra coisa. Não podemos acreditar só na
boa intenção do discurso oral do MEC.
Até porque há um grande embate entre o MEC e o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). O MEC diz que vai editar
portaria para garantir salário dos professores substitutos, mas o
MPOG, que tem a chave do cofre, não libera. Então, o MEC também está
submisso ao MPOG. A gente tem que combater o que está escrito. E o que
está escrito é muito claro: desconsiderar a legislação existente e
transferir os CAp para os estados e municípios, inclusive ferindo
totalmente a questão da autonomia universitária. Até porque o
funcionamento vai ser avaliado ou sofrerá interferência dos conselhos
regionais de educação. Neste contexto, precisamos do Sindicato para
desconstruir a lógica do governo. Além de que nós observamos que os
CAp que possuem docentes diretamente envolvidos com o Sindicato, o
nível de consciência crítica é muito maior e, consequentemente, a
mobilização também.
Fonte:
Najla Passos (ANDES-SN)