Francisco Miraglia: pensar dá muito mais trabalho do que produzir

 

Por Mathias Rodrigues
Assessoria de imprensa da Sedufsm

Francisco Miraglia é professor de matemática da Universidade de São Paulo (USP). Desde jovem, quando ainda estudante, lutava pela educação pública e socialmente referenciada. Hoje, atua na Associação dos Docentes da USP (ADUSP – Seção Sindical) com o intuito de desmistificar o produtivismo acadêmico. Ele também é o 1º vice-presidente da Regional São Paulo do ANDES-SN. No dia seguinte ao encerramento do 30° Congresso do ANDES-SN, em Uberlândia, Miraglia falou à Sedufsm sobre tema como o produtivismo, a democracia, a universidade, entre outros assuntos. Confira trechos abaixo:

Produtivismo

"O cerne do problema está na própria estrutura da universidade. O que é o produtivismo? É você medir apenas a quantidade de trabalho. Substituir a análise de qualidade pela de quantidade. O malefício que ocorre é que você passa a trabalhar em função apenas de quantidade. E, quando o trabalho intelectual é realizado em função da quantidade, ele é necessariamente pior, ele perde sua natureza fundamental. O trabalho intelectual tem uma característica artesanal que lhe é intrínseca. Você não sabe quando terá uma idéia. E você não pode ser submetido a critérios de produção industrial, porque isso destrói sua própria natureza intelectual. Agora, todo bom artesão tem uma produção razoavelmente regular, medida em um longo prazo de tempo, e não em termos de dias ou meses. O problema aqui é a destruição da natureza do trabalho. E ao produzir e reproduzir essa destruição, tornamos o Brasil um país que não consegue produzir ciência e tecnologia e outros avanços fundamentais para o país. Eventualmente, você produz uma grande quantidade de peso de papel, mas não produz o necessário para a independência e autonomia do país".

Os jovens e a solução

"A solução seria incentivar os jovens a trabalhar com questões razoavelmente sofisticadas, e, portanto, muito mais fundamentais, muito mais difíceis, e que demoram muito mais para serem tratadas. Mas, em compensação, os avanços e os eventuais sucessos produzem diretrizes de trabalho, diretrizes de pensar, que são muito mais significativas. Agora, fazer isso dá muito mais trabalho. Pensar mais do que produzir dá muito mais trabalho".

Democracia

"Hoje, a universidade não seria capaz de pensar mais do que produzir. É preciso democratizá-la de forma estrutural. A democracia traz consigo a capacidade de garantir autonomia, que é fundamental para o desenvolvimento do pensar crítico. Porque essa história do produtivismo também vem acompanhada de uma supervalorização do científico. Todo mundo quer ser cientista, como se o fato de ser cientista fosse um instrumento de legitimação da sua atividade. Quando há muitas atividades humanas, absurdamente fundamentais, que não são científicas e jamais serão. Que não são passíveis de justificativas científicas, e mesmo assim são fundamentais para o desenvolvimento da sociedade".

Interdisciplinaridade

"Vemos, de um lado, a desvalorização de certo tipo de atividade da área das Humanas, e, por outro, uma supervalorização de áreas mais novas, muito mais jovens, do ponto de vista do desenvolvimento da ciência. O que precisamos é de um desenvolvimento articulado dessa árvore toda. A árvore precisa crescer junta. Outro aspecto que considero importante é a interdisciplinaridade, e isso é algo que a universidade perdeu. Antropólogo não conversa mais com matemático, que não conversa mais com físico, que não conversa mais com filósofo. Cada um fica no seu canto. Isso já é expressão da implantação de certo raquitismo intelectual, que, exercido no longo prazo, pode matar a imaginação humana. Penso até, que desse ponto de vista, é a idéia dessas pessoas".

FONTE: SEDUFSM

 


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