Reunião entre estudantes e governo chileno termina sem avanços
Reunião entre estudantes e governo ocorreu em meio à 36ª marcha
estudantil, que terminou em novos confrontos com a polícia. Mais de
cem pessoas foram detidas. Governo anuncia aumento de 7,2% no
orçamento para a Educação em 2012, mas não discute o tema da
gratuidade na mesa de negociações, além de exigir que os estudantes
voltem às aulas imediatamente. Os estudantes condicionam o retorno ás
aulas à obtenção de avanços reais.
A primavera se instalou no Chile. Neste caloroso cenário foi
realizada, na quarta-feira (28) a 36ª marcha dos estudantes desde que
iniciaram as paralisações e ocupações de escolas há quatro meses. A
mobilização também foi importante em regiões onde centenas de milhares
de jovens das cidades mais importantes voltaram a reclamar um direito
essencial das pessoas, a saber, o direito a uma educação de qualidade.
A marcha começou cedo saindo da frente da Universidade de Santiago,
preparando a reunião da qual participaria, horas mais tarde, a
Confederação de Estudantes do Chile, representada por Camila Vallejo,
da Universidade do Chile, e Giorgio Jackson, da Universidade Católica.
A mesa de negociação foi aceita pelos líderes estudantis sob diversas
condições como a participação ativa no desenvolvimento de leis
educativas, tornar públicas as atas das reuniões com o governo e
conhecer o orçamento que o governo de direita de Sebastian Piñera
dedicará á Educação em 2012. Tais requisitos demonstram a maturidade
política do movimento que não se conforma com reformas superficiais e
defende mudanças estruturais em um modelo econômico que faz água em
diversos lugares do mundo. O discurso na manhã de quinta-feira (29)
era claro: “Nós, jovens, não confiamos no governo”. E eles têm razão.
Navegando nesses mares de dúvidas, os estudantes saíram outra vez às
ruas sob o olhar atento dos carabineiros que observavam como as
tradicionais batucadas, danças, fantasias e faixas com slogans
alusivos ao movimento coloriam a Alameda, tradicional avenida que
corta Santiago em duas. O grito tradicional de “e vai a cair a
educação de Pinochet” foi escutado com força novamente, tudo em calma
e harmonia. Mas, de repente, a calma virou caos. A marcha teve que ser
interrompida em razão de fortes enfrentamentos de jovens com o rosto
coberto e as forças policiais.
As autoridades disseram que as escaramuças foram provocadas por
manifestantes que não respeitaram o traçado estabelecido pela
prefeitura metropolitana, enquanto os jovens denunciaram provocações
dos carabineiros. Em resumo, os carros com jatos d’água e as bombas de
gás lacrimogêneo voltaram com força ao teatro de operações.
“Não houve vontade, nós estamos cedendo o tempo todo, então somos
capazes de dialogar, somos capazes de ceder, mas é o cúmulo sermos
reprimidos desta forma”, disse indignada Camila Vallejo.
“Os carabineiros tinham que ter colaborado para orientar a
manifestação ou mesmo controlá-la, mas não reprimi-la”, acrescentou
após em estimar em 150 mil o número de manifestantes. “A violência por
parte dos carabineiros foi que iniciou os distúrbios. Esperamos que
haja uma autocrítica do governo”, disse Giorgio Jackson.
Do outro lado, a prefeita metropolitana, Cecilia Pérez, disse que
reavaliará a relação com os dirigentes estudantes após os incidentes.
“Quando faltam com a palavra, a confiança se quebra”, afirmou.
Os jovens mais exaltados provêm principalmente dos bairros periféricos
e que não têm muito a ver com as reivindicações estudantis. Eles
aproveitaram a confusão para saquear um supermercado, queimar um
automóvel e deixar destroços pelas ruas. Ao final da marcha, houve
mais de 100 pessoas detidas.
Após o meio-dia, os olhares se transportaram para o Ministério da
Educação, onde os líderes estudantis chegaram à tarde para dialogar
com o governo em uma primeira aproximação após várias semanas de
diálogo congelado. A ideia do ministro da Educação, Felipe Bulnes, de
“voltar às aulas”, não foi bem vista pela Confech que decidiu não
entrar nas salas de aula na segunda parte do ano a menos que existam
avanços concretos nas mesas de negociações. Paralelamente a isso,
Piñera anunciava horas mais tarde, que apresentaria em cadeia nacional
de rádio e televisão a Lei do Orçamento, incluindo os recursos
destinados à Educação.
A Educação teria, pela primeira vez, a maior parcela do gasto público
chileno, superando inclusive os ministérios do Trabalho e da Saúde.
Isso foi confirmado mais tarde. A Educação terá US$ 11,65 bilhões
(+7,2%) para gastar em 2012. No entanto, isso não assegura a
gratuidade, a qualidade e a diminuição dos juros cobrados pelas
universidades, nem a concessão de bolsas para os setores mais pobres
da população.
O anúncio apresentado por Piñera como o mais importante da história da
educação no Chile não surpreendeu os economistas que prometem nos
próximos dias rebater esses dados considerados exagerados.
Enquanto isso, exatamente às 19h50min, terminava a reunião entre a
comunidade estudantil e as autoridades. O primeiro a falar foi o
presidente do Colégio de Professores, Jaime Gajardo, que reconheceu
que se tratou de uma reunião “tensa e difícil”. Essa avaliação foi
referendada por Vallejo e Jackson, que informaram que na próxima
reunião se discutirá o tema da gratuidade na educação. “Está claro que
haverá uma segunda instância onde se discutirá o tema da gratuidade. A
Confech vai apresentar o nosso projeto sobre isso, o qual estamos
preparando há bastante tempo”, observou Vallejo.
Os estudantes reclamaram que não havia câmeras registrando a reunião
nem um funcionário tomando notas para relatar as conversas, conforme
tinha sido prometido pelo Ministério da Educação.
Os estudantes secundaristas, assim como os universitários,
condicionaram a volta às aulas à obtenção de avanços reais.
Finalmente, o ministro Bulnes disse que “todos os temas são
importantes, mas não podemos discutir tudo ao mesmo tempo”, insistindo
em que os jovens deveriam voltar às aulas. O certo é que muita água
terá que passar por baixo da ponte para que o conflito chegue ao fim,
como ficou evidenciado ontem. Na próxima quinta-feira será realizada
uma nova marcha geral, em um cenário onde 89% da população apoia as
reivindicações educacionais e só 22% avalia positivamente o governo de
Sebastian Piñera.
Tradução:
Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior,
Christian Palma -
Correspondente – Santiago do Chile.