Os estudantes da USP e a reação das autoridades acadêmicas
Segmentos da
sociedade, com fundamento em uma pretensa defesa da legalidade, estão
fazendo uso, indevidamente, de mecanismos judiciais
Por Ass. Juízes
para a Democracia.
“É preciso
solidarizar-se com as ovelhas rebeldes”
Fernando Pessoa
A Associação
Juízes para a Democracia - ADJ, entidade não governamental e sem fins
corporativos, que tem por finalidade trabalhar pelo império dos
valores próprios do Estado Democrático de Direito e pela promoção e
defesa dos princípios da democracia pluralista, bem como pela
emancipação dos movimentos sociais, sente-se na obrigação de desvelar
a sua preocupação com os eventos ocorridos recentemente na USP,
especialmente em face da constatação de que é cada vez mais frequente
no país o abuso da judicialização de questões eminentemente políticas,
o que está acarretando um indevido controle reacionário e repressivo
dos movimentos sociais reivindicatórios.
Com efeito,
quando movimentos sociais escolhem métodos de visibilização de sua
luta reivindicatória, como a ocupação de espaços simbólicos de poder,
visam estabelecer uma situação concreta que lhes permita participar do
diálogo político, com o evidente objetivo de buscar o aprimoramento da
ordem jurídica e não a sua negação, até porque, se assim fosse, não
fariam reivindicações, mas, sim, revoluções.
Entretanto,
segmentos da sociedade, que ostentam parcela do poder institucional ou
econômico, com fundamento em uma pretensa defesa da legalidade, estão
fazendo uso, indevidamente, de mecanismos judiciais, desviando-os de
sua função, simplesmente para fazer calar os seus interlocutores e,
assim, frustrar o diálogo democrático.
Aliás, a
percepção desse desvio já chegou ao Judiciário trabalhista no que se
refere aos “interditos proibitórios” em caso de “piquetes” e “greves”,
bem como no Judiciário Civil, como ocorreu, recentemente, em ação
possessória promovida pela UNICAMP, em Campinas, contra a ocupação da
reitoria por estudantes, quando um juiz, demonstrando perfeita
percepção da indevida tentativa de judicialização da política, afirmou
que “a ocupação de prédios públicos é, tradicionalmente, uma forma de
protesto político, especialmente para o movimento estudantil,
caracterizando-se, pois, como decorrência do direito à livre
manifestação do pensamento (artigo 5º, IV, da Constituição Federal) e
do direito à reunião e associação (incisos XVI e XVII do artigo 5º)”,
que “não se trata propriamente da figura do esbulho do Código Civil,
pois não visa à futura aquisição da propriedade, ou à obtenção de
qualquer outro proveito econômico” e que não se pode considerar os
eventuais “transtornos” causados ao serviço público nesses casos, pois
“se assim não fosse, pouca utilidade teria como forma de pressão”.
Ora, se é a
política que constrói o direito, este, uma vez construído, não pode
transformar-se em obstáculo à evolução da racionalidade humana
proporcionada pela ação política.
É por isso que a
AJD sente-se na obrigação de externar a sua indignação diante da opção
reacionária de autoridades acadêmicas pela indevida judicialização de
questões eminentemente políticas, que deveriam ser enfrentadas,
sobretudo no âmbito universitário, sob a égide de princípios
democráticos e sob o arnês da tolerância e da disposição para o
diálogo, não pela adoção nada democrática de posturas determinadas por
uma lógica irracional, fundada na intolerância de modelos punitivos
moralizadores, no uso da força e de expedientes “disciplinadores” para
subjugar os movimentos estudantis reivindicatórios e no predomínio das
razões de autoridade sobre as razões de direito, causando inevitáveis
sequelas para o aprendizado democrático.
Não é verdade que
ninguém está acima da lei, como afirmam os legalistas e
pseudodemocratas: estão, sim, acima da lei, todas as pessoas que vivem
no cimo preponderante das normas e princípios constitucionais e que,
por isso, rompendo com o estereótipo da alienação, e alimentados de
esperança, insistem em colocar o seu ousio e a sua juventude a serviço
da alteridade, da democracia e do império dos direitos fundamentais.
Decididamente, é
preciso mesmo solidarizar-se com as ovelhas rebeldes, pois, como
ensina o educador Paulo Freire, em sua pedagogia do oprimido, a
educação não pode atuar como instrumento de opressão, o ensino e a
aprendizagem são dialógicos por natureza e não há caminhos para a
transformação: a transformação é o caminho.
Fonte: Brasil de
Fato, 30/11/11.