Estudantes da USP-Butantã divulgam manifesto sobre ocupação da
universidade
O campus da USP
(Universidade São Paulo) se tornou palco de enfrentamentos nos
últimos dias. Após a permissão da atuação da polícia dentro da
universidade, alunos tem sido abordados para revistas, o que vem
causando a indiganção de muitos e foi a causa das manifestações que
exigem a saída da polícia da universidade.
Manifesto da
ocupação na USP-Butantã
Nós, estudantes
da USP, organizados no movimento de ocupação e com apoio dos
trabalhadores, lançamos este manifesto a fim de nos posicionarmos
frente à sociedade sobre o que vem ocorrendo na Universidade de São
Paulo.
Há uma política
repressora que tem avançado contra aqueles que lutam por uma
Universidade pública. As ações da reitoria da USP para aprofundar o
processo de privatização tem se intensificado – o que se produz dentro
da universidade cumpre, cada vez mais, o propósito de atender aos
interesses do mercado em detrimento dos interesses de toda população.
Com o objetivo de desmontar o caráter público da USP, a reitoria vem
tomando medidas para eliminar as forças de resistência na
Universidade. Mais de 26 estudantes, além de vários trabalhadores e
professores, estão sendo processados por se manifestarem
politicamente, através de processos administrativos que visam a
eliminação e demissão da Universidade, e processos criminais que visam
a prisão.
Com a
justificativa de garantir a segurança, o reitor da USP instaurou, por
meio de um convênio, a presença da polícia militar no campus. Com o
avanço das perseguições políticas fica evidente que o real objetivo da
polícia militar na USP não é o de inibir crimes, mas sim de inibir e
combater manifestações políticas e cercear o direito de expressão
livre de estudantes e trabalhadores.
Num contexto de
crise sistêmica do capitalismo, se evidencia, em todo o mundo, o papel
da polícia como aparelho armado de repressão aos movimentos sociais
que resistem ao avanço da desigualdade e ataques a direitos históricos
da população. Na Grécia, durante os protestos contra as políticas de
austeridade, os manifestantes têm sido duramente reprimidos. Em
Londres e em Madri a situação é muito semelhante. No Chile, um milhão
de estudantes vão às ruas exigindo uma educação pública e gratuita, e
a violência contra manifestantes é igualmente dura.
No Brasil, os
conflitos em 2009 em Paraisópolis, a repressão cotidiana das UPPs aos
moradores dos morros cariocas, e as violências policiais contra
ambulantes em luta no centro de São Paulo indicam o mesmo sentido da
atual militarização da USP: a repressão policial são ataques àqueles
que lutam por seus direitos elementares. E essa repressão,
destaque-se, é mendaz: a própria ONU, entidade legitimadora do
imperialismo, reconhece a polícia brasileira como sendo a que mais
mata no mundo.
No dia
08/09/2011, o Reitor João Grandino Rodas, sustentado
institucionalmente por um Conselho Gestor antidemocrático (apenas 30 %
dos membros representam trabalhadores e estudantes juntos), assinou um
convênio com a Polícia Militar. Para mascarar os reais propósitos do
convênio Rodas-PM, a reitoria da USP se utilizou de maneira
oportunista da morte do estudante Felipe Ramos de Paiva, que ocorreu
dentro do campus. O que foi omitido é que no dia do assassinato a PM
já estava agindo na universidade – inclusive fazendo blitz em frente
ao local da ocorrência. Nos últimos dias, para legitimar as violências
ocorridas na USP sem explicitar seu caráter político, também se
utilizaram de maneira oportunista do mote do “combate as drogas” para,
assim, justificar todo clima de medo que têm promovido dentro da
Universidade diariamente. Nos morros do Rio e em todas as periferias
brasileiras, a repressão possui a mesma faceta: se utilizam de
argumentos como o combate ao tráfico de drogas para atacar as
liberdades mais elementares de todo o povo pobre.
O que a mídia não
denuncia é que a polícia que enquadra estudantes na USP por porte de
maconha é a mesma policia que age com o narcotráfico, recebendo o
lucro das vendas com uma mão enquanto reprime com a outra. O que a
mídia omite é que a polícia que invade casas na favela e atira em
mulheres e crianças com a justificativa de prender traficantes é a
mesma polícia que é sócia do tráfico. Isso expressa a hipocrisia de
combater o narcotráfico nas universidades e nas favelas, pois os
verdadeiros promotores e beneficiados desse mercado, um dos mais
lucrativos do mundo, são as industrias farmacêuticas, a polícia, as
clínicas privadas, entre outros.
Essa repressão
tem avançado, pois a lei vigente que supostamente descriminaliza o
porte de maconha só funciona como uma cortina de fumaça, erguida pelo
sistema para dificultar o aprofundamento do debate sobre a legalização
da maconha e para criminalizar a pobreza, movimentos sociais e
ativistas políticos.
A atuação da PM
em nosso Campus na última quinta feira (27/10) foi apenas mais um de
uma série de episódios de acuação de estudantes e servidores da USP
pela PM. Na semana passada estudantes da Escola Politécnica foram
abordados dentro de seus Centros Acadêmicos. Na Escola de Comunicação
e Arte (ECA) um estudante foi revistado pela polícia com a
justificativa, no mínimo estranha, de “olhar feio” aos policiais. Nos
últimos meses, não foram poucas as averiguações dentro dos Centros
Acadêmicos, o que não impediu um roubo no Centro Acadêmico da ECA,
apenas uma semana após a revista da PM no local. No dia que culminou
com esta ocupação, professores e estudantes foram abordados e
revistados em frente à biblioteca da Faculdade de Filosofia Letras e
Ciências Humanas (FFLCH). E nessa mesma faculdade, horas mais tarde,
três alunos foram detidos por políciais da ROCAM. Ao tentarem impedir
a detenção desses colegas, deliberadamente defendida pela diretora
Sandra Nitrini, centenas de estudantes foram atacados com bombas de
efeito moral, gás lacrimogênio, spray de pimenta, cacetetes e balas de
borracha. Vários estudantes foram feridos. Respondemos como pudemos –
ou seja, correndo e arremessando paus e pedras.
O discurso da
reitoria tentou justificar a intervenção policial utilizando de
maneira oportunista o assassinato de Felipe Ramos Paiva. Outros casos,
entretanto, não foram igualmente veiculados pela mídia e pela reitoria
– e isso não foi por acaso. Um desses casos foi o da morte do
estudante Samuel de Souza, morador do Conjunto Residencial da USP
(CRUSP). Ele era negro, pobre, baiano e estudava Filosofia. Samuel
morreu dentro da USP por negligência médica da reitoria em relação a
uma política de saúde nos campi da USP. Também houve a morte de
Cícera, funcionária da lanchonete da Pedagogia, assassinada na favela
São Remo, decorrente de uma “bala perdida” disparada pela Polícia. A
hipocrisia do discurso da reitoria, que diz combater a violência, fica
claro quando sua própria política de precarização foi responsável pela
morte do trabalhador terceirizado de limpeza, José Ferreira, em
decorrência de um acidente de trabalho.
Tais relatos nos
impõem o questionamento: ao que se presta, de fato, a presença
policial na USP?
O objetivo real
da presença policial é garantir a execução de um projeto de
universidade, ostensivamente defendido pelo Reitor João Grandino
Rodas. Esse projeto político busca submeter a Universidade aos
interesses de empresas e fundações privadas, cujo único objetivo é a
maximização de seus próprios lucros: e é por isso que as pesquisas sem
viés mercadológico são cada vez mais raras na Universidade. A
estrutura que sustenta tal projeto é referendada apenas por um pequeno
grupo de pessoas, imerso em relações políticas bastante duvidosas com
grandes empresas, fundações e o próprio governo do estado de São
Paulo. Com a diminuição da verba para trabalhadores efetivos, o
aumento da contratação de terceirizados, e sem garantias de
contratação de professores e reposição dos aposentados, a universidade
que já é fechada para a maioria da população, em especial pobres e
negros, se torna ainda mais exclusiva, elitista e mercadológica sob a
administração de Rodas, levada a cabo com a mão repressora da Polícia
Cívil e Militar.
Simultaneamente à
repressão policial, que ocorre tanto na USP quanto fora dela, a
reitoria tenta extinguir os espaços políticos e culturais de
organização dos estudantes, como o Núcleo de Consciência Negra, que
foi fundado há 23 anos na USP e até o momento não foi legitimado pela
universidade, sofrendo com ameaças de demolição do barracão onde
desenvolve suas atividades. O CANIL – Espaço Fluxus de Cultura, um dos
poucos espaços culturais estudantis da USP-Butantã, sofreu uma
tentativa de demolição, que foi barrada pelo conjunto de estudantes. A
Moradia Retomada, ocupada devido ao déficit de vagas no CRUSP,
continua ameaçada por um mandato de reintegração de posse solicitado
pelo Reitor. E o espaço do DCE Ocupado, após reforma, seria
re-inaugurado não mais como um espaço autônomo, mas como “Centro de
Vivência da Reitoria” – o que foi impedido pelos estudantes.
A reitoria tenta
silenciar todos os movimentos de resistência da Universidade com uma
avalanche de processos. Os processos administrativos baseiam-se no
Decreto 52.906, de 1972, Regime Disciplinar instituído sob a égide da
Ditadura Militar, que vigora no estatuto da USP como “disposição
transitória” há algumas décadas. Segundo este decreto, são
considerados atos de “indisciplina” de estudantes, trabalhadores e
professores, passíveis da punição, expressa no artigo 248, inciso IV,
de “eliminação”, as seguintes práticas: artigo 250 inciso VIII –
“promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário,
racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências
coletivas aos trabalhos escolares (greves)” ; inciso IV -“praticar ato
atentatório à moral ou aos bons costumes”; inciso II “ (…)afixar
cartazes fora dos locais a eles destinados”.
As acusações que
baseiam os processos tratam ações políticas legítimas como desvios de
comportamento e são, ou questionáveis, ou deturpadas. Alguns dos
processos foram abertos com base apenas em Boletins de Ocorrência que
apresentam, como de praxe, uma versão unilateral dos fatos. No caso
dos processos criminais, coloca-se a ameaça de prisão de pessoas com
base em acusações forjadas pela Consultoria Jurídica da reitoria para
levar a cabo sua perseguição política. As testemunhas em favor da
reitoria geralmente são membros das chefias, das guardas ou outros
que, tendo vínculos empregatícios com o denunciante, têm seu
testemunho enviesado. Esta é uma das maneiras de se produzir as provas
falsas. É no mínimo estranho que tenha sido criada, por exemplo, uma
delegacia especial para tratar da repressão às ações políticas dos
trabalhadores. Lembrando que em 2009 um dos diretores do Sindicato dos
Trabalhadores da USP foi demitido por lutar contra a precarização e
terceirização na universidade. A reitoria tenta hoje preparar terreno
para avançar rapidamente com as punições contra estudantes,
trabalhadores e professores dissidentes da ordem privatista que vem
sendo estabelecida. Por isso decidimos cobrir os rostos: pela real
ameaça de represália política – e não porque somos ou nos sentimos
criminosos.
Por esses
motivos, somos contrários aos processos contra estudantes e
trabalhadores e pela revogação completa destes decretos e processos
criminais e administrativos! Somos pela revogação imediata do Convênio
entre a PM e a USP! FORA PM!
Manteremos nossa
ocupação até que todas as nossas reivindicações sejam atendidas.
Fonte:
CSP-Conlutas.