Estudantes e professores chilenos preparam novas manifestações por
mudanças no sistema educacional do país
Líderes estudantis e professores chilenos criticaram, nesta
quarta-feira (7), a proposta do governo para resolver a crise na
educação no país, que há mais de três meses mobiliza milhares de
pessoas, paralisa colégios e universidades e afetou a popularidade do
presidente Sebastián Piñera.
Eles acham que o governo está tentando ganhar tempo, para negociar
algumas concessões, sem dar garantias de educação gratuita e de boa
qualidade para todos. Por isso, o Colégio dos Professores (o sindicato
que reúne cem mil profissionais de ensino de todo o país) anunciou um
novo calendário de protestos que tem como novidade manifestações fora
do Chile. Estão previstas manifestações na frente de embaixadas e
consulados chilenos em toda a América Latina. Além disso, professores
chilenos e argentinos se encontrarão na fronteira entre os dois
países, na Cordilheira dos Andes, para um abraço de "solidariedade".
"A reforma da educação no Chile tem o apoio de 81% dos chilenos e da
comunidade internacional", disse Jaime Gajardo, presidente do Colégio
de Professores do Chile. Apesar de o governo ter proposto um plano de
negociação, na segunda-feira passada (5), os mestres organizaram
protestos para as próximas quatro semanas. O principal evento será um
plebiscito, no dia 30 de setembro, para que a população chilena se
manifeste sobre a reforma na educação. "É mais uma forma de pressionar
o governo, que fez uma proposta de negociação, mas não deu qualquer
sinal de que está disposto a fazer as reformas necessárias", disse
Gajardo.
O que está em jogo, segundo ele, é o sistema de educação no Chile -
país que desde a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990)
adotou um modelo de economia neoliberal. Todas as universidades, tanto
as privadas como as públicas, são pagas. A mensalidade custa em media
200 mil pesos chilenos (mais de R$ 700). Quem não tem condições de
pagar pode pedir uma bolsa de estudos (se tiver boas notas) ou crédito
a um banco. Mas os juros são altos e os recém-formados iniciam sua
carreira profissional com dez anos de dívida para pagar.
Os estudantes e professores também exigem que o governo faça cumprir a
lei que proíbe as universidades (mesmo as privadas) de lucrarem com a
educação. Mas, segundo o economista Marcel Claude, os empresários
encontraram formas de burlar a lei. "O dono de uma universidade muitas
vezes é o dono de uma fundação e de imóveis. Com o dinheiro que recebe
dos estudantes, aluga um prédio de sua própria companhia e contrata
serviços e estudos de suas outras empresas e fundações", disse Claude,
em entrevista à Agencia Brasil. "No papel, a universidade não tem
qualquer lucro. Mas o empresário simplesmente passou o dinheiro de uma
conta para outra", completou.
No ensino médio, a situação é outra. Existem escolas privadas e
escolas publicas gratuitas, mas elas são financiadas pelos municípios
e não pelo governo federal. Mas existem também escolas "mistas",
colégios privados, que cobram mensalidades menores que os totalmente
privados, mas recebem subsídios do Estado. Os estudantes e professores
dizem que, como o modelo chileno diminuiu de forma significativa o
papel do Estado, o governo não tem órgãos para fiscalizar se o
dinheiro que entregam às escolas privadas mistas está sendo bem
investido. Por isso, querem acabar com esse modelo.
O governo tentou colocar um fim às mobilizações estudantis oferecendo
um número maior de bolsas e créditos mais baratos. No sábado passado
(3) o presidente Piñera cedeu a uma das reivindicações e recebeu os
estudantes e professores no Palácio La Moneda, sede do governo. Dois
dias depois, o ministro da Educação fez uma proposta de negociação:
criar três grupos de trabalho para negociar todos os temas. O prazo
para as negociações vai de 12 de setembro até o final do mês.
"O governo disse que temos três meses para negociar, mas na verdade
planejou apenas uma reunião por semana. Ou seja, em três reuniões
temos que resolver toda a reforma da educação. Não dá para tratar algo
tão profundo tão rapidamente", disse o líder estudantil Camilo
Ballesteros.
Outra crítica à proposta do governo foi em relação à forma de
negociar: a discussão começaria pelos temas menos complexos (bolsas de
estudo e créditos mais baratos) e só no fim tocaria nos temas mais
polêmicos, como o fim do lucro na educação. "Não queremos negociar por
partes; queremos negociar um todo. E só queremos negociar se o governo
der sinais concretos de que está disposto a fazer mudanças", declarou
Ballesteros.
Para o presidente do Colégio dos Professores, uma forma de demonstrar
vontade política, de negociar e começar pelo principal, é definir logo
as questões polêmicas. "Antes de sentarmos com o governo para negociar
temos que definir: queremos o fim do lucro na educação; queremos o fim
do sistema misto? Uma vez resolvido isso, aí podemos decidir o que
fazer", disse Gajardo.
Nesta quinta-feira (8), as lideranças estudantis se reúnem para
definir uma contraproposta ao governo e uma mobilização nacional. Mas
os protestos deverão ser tímidos. O Chile vive uma semana de luto,
primeiro por causa da queda de um avião, na sexta-feira passada,
matando 21 pessoas (entre elas Felipe Camioraga, um dos mais
conhecidos apresentadores de TV do Chile), e, segundo, por causa da
morte do ex-chanceler e ex-senador Gabriel Valdés, na quarta-feira
(7). Ele fez parte da resistência chilena à ditadura de Pinochet. Por
causa da morte de Valdés, o presidente Sebastián Piñera decretou dois
dias de luto oficial no país.
Fonte: Agência Brasil
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