Osvaldo Coggiola: “Estamos indo para um calote mundial”
 


Foto: Renato Seerig

 

Ele esteve em Santa Maria no dia 29 de setembro, a convite da SEDUFSM, para falar sobre o terrorismo e os reflexos de 11 de setembro (leia mais sobre o tema na pág. 10). Entretanto, o professor de História Contemporânea da USP, Osvaldo Coggiola, autor de mais de 60 livros, não se restringe aos temas de Oriente Médio. No dia 30, falou sobre a América Latina para alunos de História e de outros cursos da UFSM. E, em entrevista ao Jornal da SEDUFSM, falou sobre um tema que também domina amplamente, que é sobre economia, área na qual também tem formação. Mesmo sem fazer previsões catastrofistas, Coggiola elencou diversos problemas enfrentados pelo Brasil, sendo um dos principais deles, a internacionalização da economia do país, o que a tornaria bastante vulnerável ao que ocorre nas principais economias mundiais. A questão da dívida pública e do endividamento privado brasileiro também são questões preocupantes, na análise de Osvaldo Coggiola. Citando dados da revista “The Economist”, Coggiola destaca que é muito provável que estejamos caminhando para um “calote mundial”.

 

 

Leia a íntegra da entrevista a seguir:

Pergunta - Professor Coggiola, em 2008, quando o crise do subprime levou à quebra de instituições financeiras tradicionais, como o Lehmann Brothers, o presidente Lula disse que no Brasil essa crise seria uma marola. E agora, com a quebra da Grécia, da Irlanda e ameaças, por exemplo, sobre Espanha e Itália, o sr. acredita que a economia brasileira está mais vulnerável ou tem capacidade de suportar os solavancos?

Resposta- A vulnerabilidade brasileira está determinada pelo grau de exposição à economia mundial. E esta está determinada pela acelerada internacionalização, comercial e financeira da economia de nosso país na última década. A corrente de comércio (importações + exportações) que em 2000 situava-se em R$ 100 bilhões, alcançou R$ 383 bilhões em 2010, se encaminhando para o meio trilhão neste ano. O “Fundo Soberano” brasileiro já perdeu mais de R$ 2 bilhões (mais de US$ 1 bilhão), só neste ano, devido à queda das Bolsas. As remessas de lucros ao exterior, por sua vez, se situam nos níveis de 2008, superando os US$ 34 bilhões (74% do total correspondem a empresas estrangeiras que fizeram investimentos diretos no Brasil).  O déficit em conta corrente do país já supera, neste ano, US$ 30 bilhões. A manutenção das reservas vincula-se ao saldo positivo da conta capital, de US$ 80 bilhões. O que mantém os recordes do fluxo de capitais externos ao país são as elevadas taxas de juros assim como os recordes nas exportações e no superávit na balança comercial, projetado para US$ 30 a 35 bilhões neste ano, enquanto os investimentos externos (de caráter especulativo, chamados pelos economistas de “aplicação disfarçada em renda fixa”) estão projetados para ultrapassar US$ 70 bilhões.O saldo comercial favorável se apóia em fatores conjunturais, em especial a alta das commodities agrícolas e minerais. Um fator decisivo é o crescimento do comércio com a China, que pulou de US$ 2 bilhões em 2000 para US$ 56 bilhões em 2010. Mas a economia chinesa (com uma enorme bolha especulativa, inclusive imobiliária, interna) não é imune à crise mundial, e já desenha um movimento de desaceleração; a alta das commodities, por sua vez, inclui um importante componente especulativo. Contra esse pano de fundo, a situação das contas nacionais é explosiva, uma explosão só adiada pelo “boom externo”: o Brasil gastou, nos últimos anos, em média, mais de R$ 200 bilhões anuais (entre 40% e 50% do orçamento federal) em juros e amortização da dívida pública, que continua crescendo, já ultrapassando R$ 3 trilhões (R$ 2,4 trilhões a dívida interna; mais de R$ 600 bilhões a dívida externa), ou seja, quase um PIB.

P- Na sua avaliação, quais os componentes que mais fragilizam a economia do país?
R- A dívida pública e o alto grau de endividamento privado (empresas e famílias). Nos quatro mandatos de FHC e Lula (1995-2010) os gastos com a dívida somaram mais de R$ 6,8 trilhões, o que corresponde a dois Produtos Internos Brutos (PIBs). A situação piora aceleradamente. Entre janeiro e junho de 2011 o governo gastou R$ 364 bilhões com juros, amortizações e refinanciamento da dívida: esses gastos representam 53% do orçamento executado em 2011, previsto para pouco menos de R$ 650 bilhões. À tendência estrutural para a deterioração das contas públicas soma-se agora a crise mundial. O “pacote anticíclico” do governo, com a queda em meio ponto percentual das taxas de juros e o aumento do IPI para veículos importados (11% do consumo de veículos em 2005, quase 36% em 2011), saudados pela “esquerda” como medidas anti-imperialistas (que só beneficiam os monopólios [pseudo]nacionais) provocaram uma violenta desvalorização do real (alta do dólar) que far-se-á sentir de imediato no “setor produtivo”, cuja dependência externa para o consumo de máquinas e equipamentos pulou de 20% em 2005 para quase 36% em 2011. Para compensar, o plano “Brasil Maior” anunciou uma renúncia fiscal (“incentivos”) de R$ 25 bilhões, beneficiando os capitalistas, comprimindo ainda mais as finanças e os gastos públicos, já submetidos a um recorte de R$ 50 bilhões no início do mandato de Dilma Rousseff. Nos dois anos precedentes, o governo destinou R$ 635 bilhões para pagar a dívida pública, contra R$ 166,6 bilhões pagos aos servidores públicos (quatro vezes menos).

P- O sr. acredita que, em um cenário mais complicado, o Brasil pode voltar às portas do FMI, como o fez em décadas passadas?

R- O FMI está muito questionado. A degringolada de seu ex presidente Dominique Strauss Kahn foi simbólica disso. Agora se pede dos “emergentes” que aumentem sua quota de participação no FMI, para salvá-lo. Estamos indo para um calote mundial ou, como disse a edição recente da de The Economist (na capa) para um “buraco negro”. Os meios de que dispõe o FMI contra isso são ridículos.

P- Recentemente, o governo grego, para acessar recursos internacionais teve que cumprir a velha cartilha do FMI, de cortar gastos sociais, privatizar empresas estatais. O sr. vê possibilidade desse tipo de cenário, de uma forma mais intensa, para o Brasil?

R- Já está sendo feito, com o congelamento de fato dos salários do setor público (federal). O corte dos gastos sociais também já é um fato. O orçamento da reforma agrária é, em 2011, ridículo. O Bolsa Família é o seguinte da lista, embora cortes aí provocariam uma grave crise política. Todos os gastos públicos (saúde, educação, transporte, previdência e assistência social) estão sendo fortemente afetados, com destaque para os salários do setor público que, devido ao crescente “superávit primário” (para pagar a dívida pública), foram comprimidos de 56% da receita corrente líquida (em 1995) para pouco mais de 30% (em 2010). O gasto com reforma agrária é o mais baixo da década, ridículos R$ 526 milhões em 2010, contra um bilhão no último ano do mandato de FHC (graças a isso, depois de uma década de “governo popular”, menos de 1% dos proprietários detém 44,5% das terras, as melhores, segundo o último Censo Agrário do IBGE). Os gastos com desapropriações caíram para... R$ 60 milhões, com Dilma, a quantia mais baixa em décadas. A parte dos salários na renda nacional (um índice enganoso, pois parte dos lucros capitalistas são computados como salários, sem falar no espantoso gap (hiato) salarial brasileiro, um dos maiores do mundo) se mantém constante em 43% (percentual equivalente ao de 1995), enquanto os lucros de empresas, bancos e proprietários de terras (outro índice enganoso, pois computa os “lucros” de centenas de milhares de autônomos, considerados “microempresários”, e da agricultura familiar) foi de 31,2% para 32,6%, no mesmo período. Nos grandes centros mundiais capitalistas, a participação dos salários na renda nacional é de, no mínimo, 50% (superando folgadamente 60% na Suíça ou nos países escandinavos).

P- No dia 28 de agosto, o colunista Vinicius Torre Freire, da Folha de São Paulo, divulgou o que seria um “programa de oposição radical”, relacionado às ideias do PSDB. Dentre o que estaria sendo pensado por ideólogos dos tucanos estaria de que, o país, para se desenvolver, necessita de uma “privatização ampla, geral e irrestrita”. Como o sr. avalia essas ideias?

R- Privatizar o que? A Petrobrás? Ela já está 60% privatizada. A Caixa Econômica e o BB? Fazem parte do processo especulativo, da rolagem da dívida com altos juros. Acho que nem os tucanos vão comprar as idéias de Vinicius Torre Freire. Maluco tem em toda parte, até na Folha e no PSDB.

P- Qual a contribuição da crise econômica no estímulo de mobilizações populares em países árabes ou mesmo em Israel?

R- Toda. A revolta árabe começou, em dezembro de 2010, em conseqüência da alta dos produtos de primeira necessidade, conseqüência da especulação mundial sobre as commodities, determinada pela própria crise mundial. Em Israel, mesma coisa, já não é o paraíso das bondades para os judeus de todo o mundo, estão apertando o cinto. Em troca da austeridade, os incitam a ocupar e colonizar ilegalmente terrenos palestinos, criando a base “popular” para um fascismo israelense. Mas já há “indignados” também Israel, assim como em Wall Street.

P- O sr. vê uma coordenação política em mobilizações, seja em países árabes que lutam contra regimes autoritários ou em países europeus que passam por severas crises econômicas?

R- Nenhuma coordenação política, lamentavelmente. Só uma difusa ideologia anti-autoritária e anticapitalista, que deverá, ao longo de um processo, transformar-se em programa político. Mas isso não acontece espontaneamente, é preciso a presença e atuação de partido(s) político(s) revolucionário(s), que é o que mais faz falta no momento.

 

Entrevista: Fritz Nunes

Fonte: SEDUFSM

 


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