“Estar na CSP-Conlutas é uma grande possibilidade de fazer o debate
com a sociedade. Temos uma central autônoma”, diz Edmundo Dias
Professor Edmundo autografa o livro
que lançou durante o 30ºCongresso |
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O
professor Edmundo Fernandes Dias, docente aposentado do IFCH
(Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), participou ativamente do processo
de fundação do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de
Ensino Superior - ANDES-SN, na década de 1980.
No momento em que o ANDES-SN completa 30 anos, o ADUR Informa
realizou uma entrevista com Edmundo Dias, que, respondeu às
questões por email. A seguir, ele analisa as principais
transformações do movimento sindical, a criação da CSP-Conlutas e
sua importância para a classe trabalhadora e algumas deliberações
do 30º Congresso do Sindicato Nacional, ocorrido recentemente em
Uberlândia (MG). |
Como se
deu o seu envolvimento com o Sindicato Nacional de Docentes? Sua
história se confunde com a criação e consolidação do próprio
sindicato. Conte-nos, por favor, um pouco da sua trajetória política.
Edmundo
Fernandes Dias:
O meu envolvimento se dá já no processo de fundação da Associação
Nacional. O Encontro Nacional de Docentes que se realizou no Rio
determinou que deveria ser feito um Congresso Nacional da categoria
para definir suas formas de atuação. Existiam duas propostas: a de uma
Associação Nacional que representasse toda a categoria de modo
absolutamente autônoma em relação ao Estado e a outra que defendia a
criação de uma Confederação nos moldes da legislação vigente. O local
escolhido foi Campinas. Assim eu e o Schneider pela Adunicamp e o
Carlos Martins pela Apropucc fizemos a comissão organizadora.
Inventamos várias formas para garantir o êxito do Congresso, como p.
ex, a questão do rateio que permitiria que todos os interessados
gastassem o mesmo para estarem presentes. Como havia a possibilidade
de boicote ao Congresso – dada a polarização das propostas - cada vez
que havia uma plenária trocávamos o cartão de voto, recolhendo o
anterior.
Minha
trajetória política começou com o movimento estudantil durante a
ditadura. Na época eu não tinha vinculação com nenhuma organização:
era um independente. Quando vim trabalhar em Campinas o movimento
sindical retomava fôlego e as lutas por anistia, contra a carestia,
pelas liberdades democráticas animavam uma cena política tornando
possível a luta contra a ditadura em melhores condições. Fui um dos
fundadores da Adunicamp, da ANDES e da CUT. Militei no PT enquanto
acreditei que essa era uma possibilidade real para a emancipação dos
trabalhadores. Depois o PT e a CUT revelaram-se instrumentos contra os
trabalhadores e aí eu sai dessas organizações. Militei – e mais tarde
saí – do PSTU.
Quais
são os principais feitos do ANDES-SN em defesa da Universidade Pública
e dos trabalhadores docentes ao longo das três décadas de existência
do Sindicato Nacional?
Edmundo
Fernandes Dias:
Foram muitas. Digamos que a luta por uma ordem educacional pública,
gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada foi sempre
uma das nossas prioridades. Junto a isso a questão salarial, a da
carreira, a das liberdades democráticas ganharam nossa emoção e
firmeza de ação. Trabalhamos sempre no sentido de articular as
diversas formas da classe trabalhadora seja pela articulação popular e
sindical que deu origem à Proposta da Sociedade Brasileira para a
Educação, seja pela luta conjunta com os trabalhadores do público (que
normalmente são chamados de funcionários públicos) por uma estrutura
de carreira (cada categoria com a sua pelas diferentes
especificidades, mas sempre uma carreira única para evitar
manipulações governamentais), seja por uma escala de salários
(ressalvado o dito anteriormente sobre a carreira). Uma demonstração
clara da vontade dos membros da ANDES foi a unificação das carreiras e
salários das universidades federais (autárquicas e fundacionais).
Combatemos a GRIPE – uma gratificação para fazer com que o(a)s
docentes deixassem de fazer pesquisa para dar apenas aulas. Isso
acabaria com o conceito de indissociabilidade de ensino-pesquisa e
extensa. Participamos na luta pela anistia e a volta dos exilados,
pelo fim do estado ditatorial, etc.
Quais
foram as principais transformações do movimento sindical nas ultimas
décadas? Como a conjuntura atual tem interferido no processo de
organização da classe trabalhadora? E mais: como os ataques constantes
aos movimentos sociais têm influenciado mudanças no campo sindical?
Edmundo
Fernandes Dias:
Construímos a CUT em conjunto com o movimento sindical e vimos
progressivamente a central abandonar suas propostas iniciais para
transformar-se em um instrumento para eleger Luis Inácio.
Transformações internas como uma centralização que passou pela idéia
do sindicato orgânico que eliminava a democracia de base das entidades
filiadas, centralizava as finanças e fazia com que as deliberações de
congressos se tornassem obrigatórias sem que as assembléias das bases
pudessem discutir. Tornou-se o Reino Unido dos Burocratas Sindicais.
Enquanto isso o processo de transformação do mundo do capital foi
sendo implantado sem nenhuma resistência da elite do RUBS. Automação,
terceirização e medidas similares foram implementadas com anuência
deles. Banco de horas, câmaras setoriais e outras medidas só puderam
ser efetivadas graças à destruição dos direitos sociais e dos
trabalhadores. As reformas da previdência (em especial a segunda já
com Luis Inácio no Executivo) foram determinando maior exploração e
opressão dos trabalhadores. A Central, sob o comando do hoje deputado
Vicente de Paula, chegou a dizer que funcionário público não
trabalhava.
Depois
de vários anos de debates rompemos formalmente com a Central. Diante
de uma classe trabalhadora em profunda mutação nosso sindicato
desenvolveu uma série de análises mostrando que a maior parte dos
trabalhadores vivia sob condições draconianas, sem carteira de
trabalho assinado, sem sindicalização e que, portanto, era necessário
entender quem era essa classe, suas formas, os desempregados, os sem
terra, os sem direitos. Fazia-se necessário criar um novo instrumento:
uma Central Sindical e Popular que resgatasse as diversas formas da
classe. Esse instrumento é a Central Sindical e Popular - CONLUTAS.
Nos
últimos tempos, tem-se visto a muitos trabalhadores – em seus mais
diferentes campos de atuação – bastante desmobilizados. Muitos são
explorados e sequer se indignam. Que relações tal afirmação guarda com
o governo do PT, o carisma do Lula e a eleição da Dilma? A sociedade
brasileira parece anestesiada e desinteressada das questões
concernentes à vida pública, às ações políticas. Tal desmobilização é
fruto das transformações conjunturais, da falta de formação política
ou ainda da falta de uma leitura crítica das informações veiculadas
pelos grandes conglomerados da comunicação? O que fazer para reverter
esse quadro?
Edmundo
Fernandes Dias:
A uma hipótese de que aumentando a exploração os trabalhadores
expressariam o seu descontentamento. A brutalidade do capitalismo no
Brasil é das maiores do planeta. Porque então os trabalhadores não
reagem? São alienados? Masoquistas? Ignorantes? Tenho analisado esse
problema com alguma freqüência. O problema está localizado em outro
local. Trata-se de um mecanismo internacional. Um dos elementos que
permite o domínio do capitalismo é a capacidade que ele tem de
capturar a subjetividade antagonista. Quando o capitalismo aparece
como o único cenário possível a tendência é a aceitação quase
resignada. Aqui é vital o problema das direções e sua separação em
relação às bases.
O
governo de Luis Inácio, o aparente momento bom da economia, os
programas ditos sociais (as bolsas) e a possibilidade de identificação
entre governante e governados (o chamado carisma) foi crucial na
construção dessa passivização da luta social. Para reverter esse
quadro é preciso garantir a autonomia das organizações em relação ao
patronato, ao estado, as crenças religiosas e acima de tudo aos
partidos que dizem representá-lo. Unir partido e sindicato – a
experiência internacional é rica sobre isso – levou ao desastre. Isso
significa abandona a perspectiva dos partidos? Não, necessariamente
não. O militante sindical, contudo, deve levar em consideração
fundamentalmente os interesses da sua classe.
Como
explicar a falta de valorização do profissional docente em seus mais
diferentes níveis de atuação? Apenas os professores universitários, de
uma maneira geral, ainda são bem vistos pela sociedade, apesar de
serem constantemente atacados pelo governo. Contudo, os professores da
educação básica são desmerecidos de forma muito freqüente pelos
governos – sobretudo nas esferas estaduais e municipais – e a
profissão, há muito, já não está mais cercada de respeito.
Edmundo
Fernandes Dias:
Em um quadro construído sobre a desnecessidade de uma cidadania
crítica, capaz de pensar e propor, o docente é um elemento sem valor
para esse sistema. É preciso afirmar que ele só é citado para ser
culpabilizado. Se algo não dá certo, partidos, mídia, governos
aproveitam para atacar a educação pública. A outra, a privada (aqui o
duplo sentido é sintomático) não consegue ser eficiente, pelo menos
para a massa da população. A escola privada para a chamada elite essa
funciona e bem. A educação pública já foi, em muitos países
latino-americanos (em especial Uruguai, Argentina e Chile),
valorizadas. Havia aí uma dupla aposta: a de um capitalismo nacional
autônomo e a de uma cidadania reduzida (só para os dominantes). Já
existe muita pesquisa sobre o fato de que a crise da educação decorre
em nosso país quando há o afluxo das classes trabalhadoras. Outra
prova – e isso também é internacionalmente verificado e comprovado –
se dá pela expansão do e-learning, da EaD, onde o professor pode ser
substituído por um monitor de televisão, alguns monitores e muita
propaganda. É claro que isso não é educação e sim, quando muito,
ensino. Tudo em nome da democratização e universalização da educação.
Obviamente não se fala de que isso permite no Brasil a transferência
de recursos públicos para o setor privado.
Por
último, mas não menos importante é preciso chamar a atenção para o
fato da criação do PROIFES. “Entidade” que serviu apenas para tentar
quebrar o ANDES-SN e que hoje “our guest star” governamental para
fingir que negocia. Essa “entidade” não conseguiu mudar a regra
salarial ou de carreira. Mas atrapalhou e muito a mobilização dos
docentes. Estes primeiro fingiram que o proifes (em minúscula mesmo)
não existia – era quase pecado falar nele – e agora se defrontam com
um longo processo de desgaste do ANDES-SN seja pela retirada das
entidades de base, seja pelo reforço à cassação do nosso registro
sindical.
Considerando a questão acima, como o Sindicato Nacional pode se
aproximar mais da sua base? Qual a receita para que o ANDES-SN
permaneça sendo reconhecido como um Sindicato Classista e Autônomo por
mais 30 anos?
Edmundo
Fernandes Dias:
Essa é a questão crucial. Na realidade co-existem na Universidade
Pública de pelo menos duas gerações. Uma que viveu o mito do
desenvolvimentismo, do capitalismo autônomo e da democracia ainda que
liberal. Outra que veio junto com a chamada transformação do mundo do
capital. A pesquisa socialmente engajada perdeu sentido para muitos
docentes. O produtivismo – que é diferente de produtividade – faz com
que publicar seja o referencial, o ensino deixa de ser relevante. O
Currículo Lattes passa a ser o termômetro da vida acadêmica. A tarefa
é como fazer essas duas gerações dialogarem. Penso que isto passa por
um debate mais profundo com a sociedade. Vencer esse corte permitirá
colocar em movimento a academia. Aqui a sociedade tem um papel mais
que decisivo. Se ela vencer o seu preconceito antiintelectualista – de
que nós somos em grande parte responsáveis – poderemos ver esse
processo pôr-se em movimento. Tratamos um pouco dessa questão nas
respostas acima.
Por que
é tão importante para o Sindicato Nacional estar filiado à
CSP-Conlutas? Que contribuições a Central pode trazer para o campo
político?
Edmundo
Fernandes Dias:
Estar na CSP-Conlutas é uma grande possibilidade de fazer o debate com
a sociedade. Com a CSP-Conlutas temos uma central autônoma. E é essa
autonomia que permitirá – junto com outros setores que se coloquem no
campo da luta contra as medidas mais repressivas do capitalismo. Como
a CSP-Conlutas reúne os movimentos de juventude, de etnias (recuso-me
a falar em raça, pois quem viveu o século passado sabe bem ao que
fomos levados por essa questão associadas é claro ao capitalismo), de
gênero, de classe, de cultura popular. É esse o grande debate e a
construção com esse conjunto que vai permitir a todos nós superarmos a
ordem do Capital.
Em seu
30º Congresso, o ANDES-SN aprovou o Plano de Carreira do Professor
Federal. Qual a importância desta deliberação para a categoria? Por
que o Sindicato Nacional demorou a ter um próprio Plano de Carreira
para os professores? Que outras deliberações do último evento do
Sindicato Nacional considera essencial destacar?
Edmundo
Fernandes Dias:
Curioso! A primeira greve nacional dos docentes foi exatamente sobre a
questão da carreira. A carreira vigente foi imposta pelo governo, não
representando o ponto de vista da categoria. Hoje estamos novamente
nessa luta. Durante todo esse longo intervalo o governo, como prática
normal, buscou com todas suas forças defraudar essa carreira por ele
mesmo imposta. Lembremos a GRIPE, os centros de excelência, as PPP, a
lei que permitia o uso dos recursos pelas empresas privadas, o
esvaziamento da pesquisa universitária. Demoramos a ter uma proposta?
Sim, porque se fez necessário um enorme esforço para termos a proposta
que pudesse ser a mais interessante para a categoria. Haverá
descontentamento? Pode ser, mas fez-se o máximo para chegar a um
consenso ativo.
Outras
medidas foram importantes decisões. A luta contra o “pacote da
autonomia”, a luta contra a construção da privatização da Universidade
pública é fundamental. O combate às fundações que teoricamente apóiam
a universidade, mas são na verdade mantidas por estas, é condição
sine qua non para nossa intervenção. Na mesma linha está colocado o
enfrentamento à precarização. Outra decisão importante foi a retomada
da luta pelos 10% do PIB para a Educação pública em todos os níveis. E
nesse sentido a luta para que os recursos, os processos e a tomada de
decisões de entidades como CAPES, FINEP sejam absolutamente públicas.
No
conjunto com os trabalhadores se coloca a defesa dos direitos dos
aposentados e contra a privatização dos Hospitais Universitários,
única forma de sistema de saúde ainda aberto a todos: consolidar o SUS
e combater a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
Por
último, mas não menos importante a filiação do ANDES-SN à CSP-Conlutas
por tudo que já dissemos acima. Terminamos essa resposta com essa
decisão porque a consideramos estratégica para a vida do nosso
sindicato e da nossa sociedade.