Elevador Lacerda escapa de privatização
Ameaça a cartão postal de Salvador escancara má administração da
cidade e caos no transporte público
Dividindo o mesmo cenário que a vizinha prefeitura municipal, o
Elevador Lacerda ouviu o anúncio de privatização no dia 13 de
setembro. A justificativa dada pelo secretário Municipal de
Transportes, José Mattos, era a velha conhecida fórmula: a melhoria da
qualidade de serviço a um preço justo. Mas o peso de vender um
patrimônio histórico-cultural não durou mais que uma semana e a
prefeitura voltou atrás no dia 20 de setembro.
O Elevador Lacerda aparece como o estopim de um pacote de privatização
em Salvador. Junto com ele, estavam as estações de transbordo da Lapa
e Pirajá e os planos inclinados Gonçalves, Pilar e Liberdade. O recuo
anunciado, porém, não os excluía, livrando apenas o Elevador Lacerda
oficialmente desta venda. O motivo da desistência não passou pelo fato
de o Elevador Lacerda, um dos principais monumentos da cidade, ser um
bem tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional nem pelos seus 138 anos de história e memória soteropolitana.
O problema estava nas contas da prefeitura, que deram errado: o
aumento iria inviabilizar o transporte diário de milhares de pessoas
que usam o elevador não como diversão ou turismo, mas sim como um dos
principais acessos entre as partes da cidade.
Cidade alta, Cidade baixa
A geografia de Salvador é bem particular. Dividida por 72 metros entre
a cidade alta e a cidade baixa, a construção de planos inclinados e do
Elevador Lacerda visava um fluxo mais rápido entre as duas. Em poucos
segundos, muda-se de cidade. O Lacerda, por exemplo, é responsável
pelo transporte de 28 mil pessoas por dia, quando as quatro cabines
estão funcionando, sendo o mais fácil acesso do Pelourinho para o
Comércio. Atualmente apenas duas cabines estão em uso.
A tarifa para uso do Lacerda custa, atualmente, R$ 0,15. Se passada
para as mãos de empresas privadas, a previsão de aumento ultrapassaria
330%, chegando a custar R$ 0,50 o trecho. Para a vereadora Olívia
Santana (PCdoB), o prefeito teria recuado pelo impacto negativo da
proposta na população, mas isso não significaria a incompatibilidade
da privatização com a gestão atual.
“A medida de privatizar ou terceirizar a gestão de bens simbólicos,
que fazem parte da história da cidade e da vida da população, soou
muito mal. É claro que, em se tratando de João Henrique (PP), cuja
marca da gestão é a instabilidade da palavra e a sujeição ao setor
privado, é sempre possível que ele volte a apresentar a proposta, mas
acho difícil lograr êxito, pois não há condições políticas favoráveis,
e, também, o seu governo já está apagando as luzes”, afirma a
vereadora.
Já o anúncio das privatizações das estações de transbordo Lapa e
Pirajá também trouxe à tona o papel do Fundo de Desenvolvimento do
Transporte Coletivo de Salvador (Fundetrans), que seria responsável
pelo “desenvolvimento e modernização do sistema de transporte coletivo
por ônibus do município de Salvador”, conforme disponível no site
da Superintendência de Trânsito e Transporte do Salvador
(Transalvador).
A vereadora Andréa Mendonça (PV) classifi ca a Fundetrans como uma
caixa-preta. “Não se tem acesso ao saldo da empresa. Entramos com um
pedido no Ministério Público em abril deste ano para saber como este
fundo estaria sendo gerenciado e não obtivemos resposta”, declarou.
A vereadora Olívia Santana enxerga uma submissão da prefeitura ao
capital privado ao retratar a Fundetrans. “Desde 2006 o empresariado
alega que o valor da tarifa [de ônibus] cobrada à população tem sido
menor que os custos que eles dizem ter com o sistema. Os empresários
simplesmente entraram com uma Ação Judicial contra a prefeitura e isto
está rolando até hoje. Resultado: pararam de pagar a taxa do
Fundetrans e até impedem que a prefeitura realize licitação das linhas
de ônibus, o que seria fundamental para termos a democratização dos
serviços e mais qualidade e conforto para o usuário. Por outro lado, a
prefeitura tem sido leniente, não enfrenta o poder do empresariado e
ainda acaba fazendo o jogo deles”, afirma.
Enquanto isso, a Estação Lapa, que recebe cerca de 460 mil pessoas por
dia, é alvo de críticas da população. A cabeleireira Angélica Lima,
que trabalha em um shopping vizinho da estação, diz que é difícil
suportar o ambiente da Estação Lapa. “É muita sujeira, principalmente
na parte do subsolo, que está em condições precárias. A iluminação é
péssima, estamos sempre sujeitos a assaltos”, diz a trabalhadora.
A tarifa de ônibus de Salvador custa R$ 2,50, sendo uma das mais caras
do país. O aumento costumava ser acompanhado de fortes movimentações
estudantis, o que chegou a causar a Revolta do Buzu, em 2003, quando
milhares de estudantes bloquearam as vias da cidade para protestar
contra o aumento. Devido a essas manifestações, os aumentos são
anunciados em tempos de férias escolares, reduzindo a intensidade dos
protestos.
Histórico privatista
Dentro das propostas de melhoria, a privatização seria um sinal de
“incompetência da administração municipal, e não uma saída viável para
a solução dos problemas de transporte em Salvador”, segundo Olívia
Santana. Para a vereadora do PCdoB, “o que acontece com o Elevador e
os planos inclinados, também está acontecendo com as praças, que estão
abandonadas e degradadas. Vai sair privatizando tudo? Se houvesse uma
gestão equilibrada e capaz de planejar os investimentos, os processos
de manutenção, a estabilidade de uma equipe voltada para pensar e
realizar as políticas públicas necessárias à preservação desses
equipamentos públicos, teríamos resultados muito melhores.”
A privatização de transporte não é difícil de ser visualizada na
cidade, afinal este foi o destino do ferry-boat. A antiga
estatal Companhia de Navegação Baiana (CNB) foi privatizada em 1996
durante o governo de Paulo Souto (na época, PFL, atualmente do DEM).
Os protestos pelas condições do ferry-boat, mantido pela
empresa concessionária TWB, são constantes. No final de agosto, os
atrasos das embarcações causaram uma ocupação dos terminais. A
situação do transporte que liga Salvador à Ilha de Itaparica tem sido
tão preocupante quanto a saída encontrada pela administração: uma
ponte de 13 km deve ser construída na Baía de Todos os Santos, tendo
os custos divididos entre o capital privado e os cofres públicos. A
previsão é de que ela seja construída até a Copa do Mundo. Além dos
impactos que podem causar na região da Ilha de Itaparica, com suas
áreas indígenas e quilombolas, fica a desconfiança de uma obra de tal
porte, devido ao constrangedor trajeto do metrô.
Fonte: Brasil de Fato.