Sobre educação, racismo e miséria
Por Douglas Belchior*
A presidenta Dilma Rousseff elegeu o combate à miséria como prioridade
de seu governo. A relevância do tema provoca expectativa, em especial
por conta da óbvia compreensão de que o combate à miséria requer algo
mais do que políticas compensatórias superficiais, marca das ações
governamentais nos últimos anos.
A superação da pobreza depende, fundamentalmente, do rompimento com os
interesses do grande capital, no Brasil representado por uma elite
racista e preconceituosa, formada por latifundiários e empresários do
agronegócio, por banqueiros, especuladores financeiros, grandes meios
de comunicação e empresas transnacionais de diversas áreas. Daí porque
somente uma mudança estrutural nas relações políticas, sociais,
raciais e econômicas seria capaz de combater efetivamente as
desigualdades.
Pobreza e analfabetismo
Não podemos permitir ou compactuar com corte de recursos ou
investimentos públicos nas áreas sociais. Ao contrário, devemos exigir
uma ampliação desses investimentos, sempre considerando o peso da
variável “raça” na estruturação das desigualdades sociais no Brasil.
Para isso, basta analisar os dados do Censo 2010 do IBGE, segundo o
qual aproximadamente 16,2 milhões de brasileiros vivem em condições de
extrema pobreza. Desses, mais de 70% são negras e negros.
Já a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) divulgada
no final de 2010 apontou que o Brasil possui 14 milhões de
analfabetos. E mais uma vez, percebe-se a população negra entre os
mais preteridos no acesso ao direito à educação.
Aqueles que conseguem superar o analfabetismo encontram inúmeros
desafios para completar o ensino médio, ter acesso a cursos técnicos
e, principalmente, às universidades. Mesmo com o ProUni e o Enem
enquanto via de acesso, as camadas mais empobrecidas têm ficado às
margens das oportunidades visto o déficit na preparação prévia
adequada e a própria limitação dos programas. São os cursinhos
comunitários em todo Brasil que ocupam as lacunas deixadas pelo
abandono do Estado. No caso da UNEafro-Brasil, mais de 2 mil jovens
oriundos de escolas públicas se organizam em 42 núcleos, aliando
estudo e luta em favor da educação pública. Será possível uma política
efetiva de combate à miséria sem que haja ações dirigidas à população
negra?
Lei 10.639/03 e o PNE
O racismo é constitutivo do capitalismo brasileiro. É uma ideologia de
dominação sem a qual a elite brasileira não se manteria. Esse quadro
explica, em parte, o fato de a Lei 10639/03 (alterada pela lei
11645/08), apesar de sua histórica e festejada aprovação, não ter
saído do papel. Afinal, sua intenção é justamente contribuir para a
superação dos preconceitos e atitudes discriminatórias por meio de
práticas pedagógicas que incluam o estudo da influência africana e
indígena na cultura nacional.
É necessário trabalhar para que o Plano Nacional de Educação (PNE),
que volta a ser debatido, contemple a necessidade de radicalizar na
efetivação das leis 10639/03 e 11645/08. E mais que isso. Em tempos de
reivindicação pelo aumento dos investimentos em educação para a ordem
de 10% do PIB, a UNEafro-Brasil propõe uma bandeira paralela tão
importante quanto: a obrigatoriedade da destinação de, no mínimo, 10%
dos recursos da educação de municípios, estados e federação para a
aplicação das Leis 10639/03 e 11645/08. É preciso também regulamentar
punições severas aos gestores públicos que as descumprirem.
A educação, num sentido ampliado, é tudo o que rodeia e forma o
indivíduo, seja na escola formal, no ambiente familiar, nos diversos
espaços de sociabilidade. E hoje, mais que nunca, também através dos
meios de comunicação, em especial a televisão, a produção cultural
(sobretudo na música) e as redes sociais da internet. Essa realidade
nos coloca o desafio de pensar numa radical reformulação da educação
brasileira, não apenas no que diz respeito aos recursos, mas ao modelo
educacional, aos valores e aos métodos.
No Brasil, os afro-brasileiros representam 51% da população (IPEA).
Diante dessa realidade, é sempre bom lembrar as palavras do mestre
Kabengele Munanga: “Para qualquer pessoa se afirmar como ser humano
ela tem de conhecer um pouco da sua identidade, das suas origens, da
sua história”.
10% do PIB para educação
Não é possível imaginar um desenvolvimento sustentável e socialmente
justo em uma sociedade que não prioriza a educação, não valoriza
professores e não democratiza o acesso. Sobretudo, é necessário dar
uma basta ao modelo neoliberal de educação que, infelizmente caminha a
passos largos em nosso país. Exigimos 10% do PIB para o investimento
em uma educação de qualidade, gratuita, popular, laica, antirracista,
antimachista e antihomofóbica.
* Douglas Belchior é professor de História e membro do Conselho Geral
da UNEafro-Brasil.
Fonte: Brasil de Fato