Desafios após o plebiscito sobre a divisão territorial do Pará
Por Gilberto
Marques
O resultado do
plebiscito realizado no domingo (11/12) mostrou um estado com a
população dividida. Belém e cidades próximas (Nordeste do estado)
contrários à divisão e Sudeste (Carajás) e Oeste (Tapajós) do Pará
majoritariamente favoráveis à criação das novas unidades federativas.
Em cada uma das três regiões, o voto em defesa da sua posição
majoritária moveu algo em torno de 90% dos votantes. O grande número
de votos pela divisão nas duas regiões que reclamavam a emancipação
decorre do fato, antes de tudo, de a população sentir na pele a
ausência das políticas públicas: hospitais públicos, educação,
saneamento, estradas, entre outras.
Por conta da
concentração populacional no entorno de Belém e Nordeste paraense (com
mais de 60% da população e do eleitorado) o plebiscito já tinha um
final mais ou menos desenhado. Por que, então, o acirramento da
campanha de TV até o último dia anterior ao plebiscito? Porque tanto
aqueles que dirigiram as campanhas pró quanto os dirigentes da frente
contra os novos estados estavam usando o plebiscito para antecipar
suas candidaturas às principais cidades do estado, em especial Belém,
Marabá e Santarém. Manipularam de acordo com os seus cálculos
eleitorais interesses e desejos verdadeiros da população trabalhadora.
Afora isso, chama
atenção o fato das regiões que reivindicavam a autonomia não se
apresentaram homogêneas no resultado do plebiscito. No que seria o
estado do Tapajós, por exemplo, Altamira, segunda principal cidade da
região e sede da Hidrelétrica de Belo Monte, registrou 64,5% dos votos
contrários à criação do novo estado.
Desafio: dividir
a riqueza e barrar o avanço do grande capital e o saque aos recursos
naturais
Metade da
população do Pará vive com uma renda mensal de até R$ 100,00. Assim, a
grande questão que fica de imediato pós-plebiscito é a necessidade de
lutarmos unidos pela efetivação das políticas reivindicadas pela
população pobre do Pará. Mas para isso não poderemos contar com
aqueles que estiveram à frente da campanha pró-divisão. O motivo é
simples: eles sempre compuseram o bloco no poder que se reveza na
condução da máquina administrativo-governamental do Pará. As
oligarquias do Carajás e do Tapajós também são governo do estado e,
por isso, nada diferente qualitativamente do atual governo tucano ou
do governo petista derrotado nas últimas eleições.
Mudar o quadro
econômico e social do Pará exige como ponto de partida enfrentar as
políticas do governo tucano de Simão Jatene (governo) e do governo
federal (Dilma Roussef).
Temos que fazer
aquilo que a propaganda eleitoral não se propôs a fazer: discutir as
raízes dos verdadeiros problemas enfrentados pela população que vive
no Pará e apontar um verdadeiro projeto de desenvolvimento, voltado
aos anseios dos trabalhadores.
O Estado do Pará,
com florestas e rios, conta com uma riqueza em biodiversidade tão
imensa que se torna impossível mensurá-la, ainda que aproximadamente.
O rebanho bovino paraense, com aproximadamente 18 milhões de cabeças,
está entre os maiores do país. Sua localização principal é o Sudeste
paraense.
No ano passado, o
Pará exportou um valor total de US$ 12.835.420.476, principalmente
decorrente da produção mineral, que tem se espacializado, de modo que
as grandes mineradoras estão assentadas em dezenas de municípios de
todas as regiões. A cada dia do ano de 2010 o estado mandou para o
exterior nada menos que 204 mil toneladas de ferro. China, Japão,
Europa e EUA são os destinos da riqueza produzida na Amazônia.
É preciso, então,
dividir a propriedade fundiária e a riqueza produzida no conjunto do
estado. Isso implica em retomar a campanha pela reestatização da Vale,
responsável por 59,26% de todo o valor exportado pelo Pará. Esta
companhia, privatizada pelo PSDB e mantida nesta condição pelo governo
petista, anuncia publicamente que seu capital já está 40% em mãos
estrangeiras. Esta proporção é maior do que ela afirma e faz com ela
não seja uma empresa brasileira, mas multinacional, movendo-se um
busca de lucros cada vez maiores, ainda que para isso, saqueie um
patrimônio incalculável na forma dos recursos naturais amazônicos.
Um projeto de
classe: um governo dos trabalhadores e para os trabalhadores
Este
enfrentamento exige um projeto de classe: um governo verdadeiramente
dos trabalhadores contra o imperialismo e a burguesia (regional ou
nacional, rural ou urbana). Isso, evidentemente, não pode ser
conduzido pelas elites locais, sejam elas a favor ou contra os novos
estados.
Do PT ao PSDB, os
governos que se sucedem à frente do governo estadual e das prefeituras
apresentam em grande perfil em comum: não questionar a estrutura da
propriedade que alimenta um quadro social que concentra riqueza nas
mãos de poucos e generaliza a pobreza e degradação ambiental para os
demais.
Além dos
interesses de controle de novas máquinas governamentais e cargos
parlamentares, outros interesses estiveram presentes durante o
plebiscito e vão permanecer, exigindo dos movimentos sociais ação
contrária, pois eles representam um perigo aos trabalhadores e á
natureza.
O rebanho bovino
paraense está concentrado nas áreas que seriam os estados de Carajás e
Tapajós. A oligarquia pecuarista e os grandes frigoríficos nacionais
(já configurados como multinacionais com apoio do BNDES) querem a
ampliar as áreas de pastagem sobre a floresta e não recompor a reserva
legal devastada por eles – por isso todo o loby em torno da aprovação
do novo código florestal brasileiro. O aumento da devastação da
Amazônia tem acompanhado a ampliação do rebanho bovino e da produção
do agronegócio. A Cargill e outras multinacionais pretendem
transformar o rio Tapajós na grande hidrovia da exportação de soja,
ainda que para isso a frente de Santarém (que seria a capital do novo
estado) suma para dar lugar aos terminais graneleiros. Afora isso, com
a pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém se intensificaria novamente
a corrida por novas áreas para o plantio de soja sobre a floresta. O
Sudeste e Oeste do estado estão reservados para abrigar dezenas de
imensas hidrelétricas, como Belo Monte, que em operação vão gerar mais
da metade de toda a energia produzida pelo Brasil atualmente. As
grandes construtoras e mineradoras agradecem e pretendem transformar o
Pará numa imensa colônia energético-mineral.
De tudo que o
Pará exportou em 2010, mais de 85% decorreu da produção mineral, sendo
que 54% foi ferro bruto (sem beneficamento), essencialmente extraído
no Sudeste do estado (Carajás). Diferente do que se apregoa, ao invés
de nos industrializarmos estamos regredindo e consolidando o perfil de
um estado primário-exportador. No ano passado, para cada US$ 100,00
exportado US$ 72,98 foram na forma de produtos básicos (sem
industrialização). Isso se reflete na projeção dos investimentos para
os próximos anos, onde 66% serão concentrados na indústria extrativa
mineral, limitando o potencial de geração de emprego e renda mais
elevada para nossa população. É riqueza bruta sendo literalmente
saqueado com o apoio governamental, pois os minérios exportados não
pagam ICMS e ainda contam com outros benefícios e financiamento
estatal.
Em resumo, a
configuração da estrutura da propriedade agrária ou mineradora, está
aceleradamente saqueando nossos recursos humanos (o trabalhador) e
naturais. Para mudarmos isso, torna-se urgente não apenas se opor aos
governos de plantão, mas lutar pela divisão da riqueza. Isso
pressupõe, entre outros, reforma agrária, impedimento da construção de
novos grandes projetos como a hidrelétrica de Belo Monte, a
reestatização da Vale e a estatização das demais grandes mineradoras e
empresas do agronegócio. Podemos conseguir isso? Sim, mas com um
governo verdadeiramente dos trabalhadores, um passo primeiro e
necessário para a constituição de uma sociedade sem exploração e onde
a relação entre homem e natureza não ocorra permeada pela busca do
lucro.
Fonte:
CSP-Conlutas, 14/12/11