Crise nos CAp revela intenção do governo de desfederalizar
instituições
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A política educacional do Governo Dilma precisa considerar a
contribuição dos Colégios de Aplicação (CAp) para o
desenvolvimento de uma educação de qualidade, mantendo-os
vinculados às universidades federais e com quadro docente e
dotação orçamentária compatível com sua importância no cenário
educacional brasileiro. Esta é a síntese da avaliação realizada
pelos docentes que participaram da reunião do Setor das Federais
do ANDES-SN, nos dias 7 e 8/5, em Brasília (DF). A professora Ana
Cristina S. dos Santos participou da reunião, representando a
ADUR-RJ.
Abandonados pelos governos das últimas décadas, os CAp sofrem com
a falta de uma política pública para manutenção e expansão da
rede, cada vez mais reduzida e precarizada. Para agravar ainda
mais a situação, o governo federal deixou vazar uma minuta de
proposta de regularização dos CAp que compromete a função
primordial para a qual foram criados e vêm cumprindo há 70 anos:
atender às demandas da formação de professores nas universidades.
“Os CAp oferecem excelente qualidade de ensino e, em decorrência
disso, conquistam os melhores índices nas avaliações do próprio
governo, como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Mas não é só isso. São espaços de inovação e experimentação
pedagógica imprescindível para a formação de novos professores”,
afirma a professora do Colégio de Aplicação (CAp Conluni) da
Universidade Federal de Viçosa (UFV) e secretária-geral da
Associação dos Professores da UFV (Aspuf Seção Sindical), Márcia
Cristina Fontes Almeida. |
De acordo com ela, a minuta de proposta do governo federal
desconsidera a regulamentação já existente dos CAp, impondo-os novas
funções, estabelecendo metas quantitativas que comprometem a qualidade
do ensino oferecido e desvinculando-os das universidade em que estão
lotados, a despeito da legislação garantir a autonomia universitária.
“Já há regulamentação para os CAp na Constituição Federal e na Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) da Educação. O governo quer desconsiderar
essa legislação existente para repassar essas instituições aos estados
e municípios”, argumenta.
Na reunião do Setor das Federais, uma comissão de docentes incumbida
de estudar o problema dos Cap com profundidade apresentou um documento
síntese que explicita a crise das instituições a partir de três
proposições: o que é “dito” pelo Governo como sendo a “intenção” da
minuta, o que está de fato escrito na minuta e que revela as reais
intenções do governo e o que os CAp precisam para funcionarem da
melhor forma possível.
Este documento serviu como base para o Setor das Federais apontar
quais ações serão empreendidas pelo movimento docente em defesa dos
colégios e das suas comunidades acadêmicas. O principal eixo apontado
é a unificação das várias lutas que têm pipocado nas instituições
federais de ensino superior: a luta é pela qualidade acadêmica e
contra a precarização do trabalho docente no processo de expansão.
CAp da UFRJ deflagra greve
Sob forte ataque do governo federal, os CAp vem enfrentando toda sorte
de problemas. O exemplo mais grave é o do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde os docentes estão
em greve desde 20/4. A escola trabalha hoje com um quadro de 48
efetivos em sala de aula e 68 professores substitutos, 28 deles sem
salário e nem contrato regularizado. Após tentarem exaustivamente
resolver a questão por vias administrativas, deflagraram greve. Contam
com o apoio dos 800 alunos da instituição.
É o caso de Joana Loureiro Freire, que prestou concurso público para
dar aulas como professora substituta na instituição. Ela passou,
comemorou, se encheu de expectativas e, no dia 18/2, quando sua
admissão foi publicada no Diário Oficial da União, já começou
simultaneamente a exercer o ofício. Joana nunca recebeu salário. “No
primeiro mês, a gente acha que houve algum problema técnico e que tudo
logo será resolvido. Mas, depois, é uma situação de desespero,
angústia e ansiedade por não saber como e nem quando a situação será
resolvida.”, desabafa.
A professora avalia que seus colegas estão fazendo o enfrentamento com
o governo da melhor forma possível. “Nossa greve tem a participação
efetiva de todos, inclusive dos professores efetivos, que estão
recebendo seus salários normalmente. Agora, a reitoria da UFRJ nos
acena com a possibilidade de nos pagar via contrato temporário, mas
essa medida só é possível por três meses. É uma situação paliativa. Me
sinto enganada. Fui aprovada para ser professora substituta, e não,
temporária. Além do mais, acho impossível que alguém consiga
desenvolver um trabalho pedagógico consistente em apenas três meses”.
Descaso e indignação
Vice-presidente da Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj Seção
Sindical) e professora do CAp da UFRJ, Cristina Miranda se mostra
indignada com a situação. Para ela, o estrangulamento dos CAp resulta
de um processo antigo e condizente com a política adotada pelos
últimos governos. “Hoje, 60% do nosso quadro de professores é formado
por professores temporários. Nenhum projeto pedagógico se sustenta
assim”, analisa ela, lembrando que o substituto só pode ficar na
universidade por, no máximo, dois anos. “O governo não tem aberto o
número necessário de vagas docentes para acompanhar a expansão das
vagas para estudantes”, acrescenta.
Cristina recorda que, em 2010, o governo federal abriu 300 vagas
docentes para atender aos 17 CAp do país. Entretanto, essas vagas só
supriram as vacâncias de cargos até junho de 2009. “De lá para cá,
outros professores se aposentaram ou deixaram o colégio. Além disso,
desde 2000, temos ampliado a rede. Aqui no CAp da UFRJ, por exemplo,
criamos turmas de alfabetização. Aumentamos o acesso e, hoje, temos
mais alunos em todos os níveis”.
Em função de todos esses problemas, a vice-presidente da Adufrj Seção
Sindical esclarece que a pauta de reivindicação dos professores
grevistas contempla aspectos emergenciais, além das bandeiras
históricas de luta da categoria: pagamento dos salários e
regularização dos contratos, celeridade na homologação dos concursos
realizados no ano passado para a admissão de 20 docentes e abertura de
novas vagas (cerca de outras 20) para suprir a expansão já efetivada.
CAp e HU: a mesma crise
Márcia Cristina Fontes Almeida avalia que a crise que os CAp enfrentam
hoje tem bastante similaridade com a enfrentada pelos hospitais
universitários. Para ela, O problema é que o governo não tem a
compreensão que os hospitais universitários são espaços
imprescindíveis de aprendizagem para estudantes da área de saúde,
assim como os Colégios de Aplicação são para as licenciaturas. E isso
sem contar que ambos favorecem o desenvolvimento da pesquisa e da
extensão.
Enquanto no caso dos HU a proposta do governo é repassá-los para serem
geridos por uma empresa terceirizada, em relação aos CAp a idéia é
destiná-los à municipalização e/ou estadualização. “O governo não nos
vê como uma instituição de ensino superior, pois não entende o nosso
papel na formação dos novos professores. A sorte é que essa minuta
vazou, porque nós corríamos o risco de só ter informações sobre essa
situação quando a portaria já tivesse sido publicada”, desabafa.
Cristina Miranda respalda, acrescentando que uma das principais
ameaças contidas na minuta de portaria do governo federal é justamente
o repasse da responsabilidade pelos CAp para os Estados e municípios,
ferindo a autonomia universitária. “Os CAp não são apenas colégios de
ensino fundamental e médio. São espaços de experimentação acadêmica,
de pesquisa e extensão. Por isso, precisam estar vinculados às
universidades”, justifica.
Ela alerta também para outras ameaças explícitas na proposta do
governo, como a de estabelecer metas absurdas, como a relação de um
professor para cada 20 alunos, que inviabiliza um ensino de qualidade.
Ou mesmo o prazo até 2012 para que as escolas obtenham IDEB igual ou
superior a 50%, o que é incompatível com a natureza de experimentação
pedagógica dos CAp.
FONTE: ANDES-SN