Cai o financiamento, per capita, da pesquisa científica no Brasil
Apesar do aumento
nominal dos recursos nos últimos oito anos, o financiamento para a
pesquisa, em termos per capita, é menor do que era destinado no início
da década de 90. Essa foi uma das principais conclusões da mesa
“Financiamento da Pesquisa Científica no Brasil”, durante o primeiro
dia do seminário de “Ciência e Tecnologia no Século XXI”, promovido
pelo ANDES-SN, de 17 a 18 de novembro, em Brasília.
Participaram
dessa mesa, o ex-reitor da Universidade de Brasília e atualmente
Assessor de Coordenação dos Fundos Setoriais do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, Antonio Ibañez Ruiz; o professor do
Departamento de Física da Universidade de São Paulo e ex-presidente da
Associação dos Docentes da USP, Otaviano Helene; e a ex-reitora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex-presidente da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (Andifes),
e vice-presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) entre 2007 até 2010.
Antonio Ibañez
mostrou vários gráficos com dados sobre o orçamento do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Foi perceptível a queda no
orçamento entre 2010 e 2011. Enquanto naquele ano, o orçamento
executado foi de R$ 6,18 bilhões, em 2010, a previsão de execução é de
R$ 4,72 milhões, que é o mesmo valor previsto para próximo ano.
Consequentemente, o orçamento do Fundo Nacional para o Desenvolvimento
da Ciência (FNDC) caiu de R$ 3 bilhões em 2010, para 2,5 bilhões em
2012. A culpa dessa queda, segundo Ibañez, foram dos cortes no
orçamento que o governo fez para responder à crise internacional.
Ibañez também
falou sobre a utilização dos recursos do pré-sal em ciência e
tecnologia e sobre a necessidade de a comunidade acadêmica saber como
funcionam os fundos setoriais de financiamento da pesquisa. “Os
reitores não têm conhecimento do funcionamento desses fundos, cuja
governança não é fácil, mas é preciso saber como funcionam”,
aconselhou. Segundo Ibañez, o governo pretende criar os fundos
automotivo, da construção civil e do sistema financeiro.
Redução dos
recursos
O professor
Otaviano Helene foi enfático ao afirmar que, proporcionalmente, os
recursos destinados à ciência e a pesquisa reduziram. “Hoje estamos no
mesmo patamar de investimentos que era feito na década de 90, só que
agora temos muito mais gente demandando por esses recursos”, afirmou.
Em 1990, o Brasil
tinha 10 mil doutores, enquanto agora são 140 mil. O orçamento da
Finep, empresa pública que financia a maior parte das pesquisas
públicas brasileiras, era de R$ 400 milhões em 1992 e em 2010 não
chegou a R$ 900 milhões.
“Esse descompasso
na formação dos doutores e no orçamento destinado à pesquisa se
reflete nas dificuldades impostas para conseguirmos financiamento.
Hoje, é muito mais difícil conseguirmos uma bolsa para nossos alunos”,
argumentou Otaviano Helene. “A falta de recursos é o que justifica as
exigências feitas. Antes, tínhamos de escrever um artigo a cada dois
anos, agora são dois por ano, no mínimo”, denunciou.
O pior, segundo
Otaviano, é que toda essa exigência não está se refletindo em números.
Em 1990, os 10 mil doutores produziram 4.500 artigos. Em 2010, os 140
mil produziram apenas 40 mil artigos. A citação dos artigos
brasileiros no exterior também tem caído.
“Ou seja, temos
mais doutores, menos orçamento per capita, menos artigos e com menor
importância”, sintetizou Otaviano Helene.
O professor
também desconstruiu falsas verdades acerca do orçamento dos governos
para a pesquisa, a ciência e a tecnologia e citou como exemplo o caso
de São Paulo. “O governo diz que gasta 0,5% d seu PIB (Produto Interno
Bruto) com ciência e tecnologia. O problema é que a a Fapesp, que
financia a maior parte das pesquisas, responde por apenas 0,06% do
PIB. Onde estão os outros 0,46%?”, questionou Otaviano Helene.
O governo diz que
o restante é gasto na USP, mas o ensino de graduação, que responde por
40% do orçamento da universidade, não pode ser incluído como gasto em
CT&I. Outra questão é que as despesas com a USP também são incluídas
nos gastos com educação. “Estamos diante, então, diante de uma dupla
contabilidade”, resumiu Otaviano.
Autonomia da
ciência
Ao iniciar sua
fala, a professora Wrana Panizzi elogiou o ANDES-SN por fazer uma
discussão sobre ciência e tecnologia. “No tempo em que estive no CNPq,
nunca fizemos uma discussão como essa. Aliás, decepcionei-me ao
perceber que lá não é a casa do pesquisador”, afirmou.
Wrana Panizzi fez
uma discussão mais geral sobre a qualidade e a função do conhecimento
gerado pela pesquisa. “Para que produzir conhecimento, que ciência
estamos fazendo?”, questionou. “Acho que precisamos provocar sérias
mudanças nas universidades, que estão deixando de pensar e sendo
levadas pelo pensamento único. Estamos pouco preocupados em fazer
nossos alunos refletirem”, provocou.
Citando Bourdieu,
Wrana lembrou que a ciência é um campo em disputa e que o conhecimento
é um bem econômico. Para ela, está sendo gestado um novo modo de
produção do conhecimento (baseado em redes) e um novo contrato social
entre a universidade e a sociedade. “A pesquisa deve resolver
problemas práticos e não ficar circunscrita aos pares. Deve, também,
estar preocupada com a responsabilidade e a validação social”,
afirmou.
Para ela, a
consolidação de uma nova forma de fazer pesquisa não implica na
substituição do modo antigo, assim como a preocupação com
competitividade internacional não deve ser impeditivo para que haja o
desenvolvimento de pesquisas voltadas para os problemas brasileiros.
Fonte: ANDES-SN