Bombeiros, um bom exemplo de mobilização
Por
Wladimir Pomar*
A luta dos bombeiros do Rio, que quase ninguém supunha possível, mas
cujas condições salariais e de trabalho são vergonhosas para um estado
que sediará os Jogos Mundiais Militares, a Copa do Mundo e as
Olimpíadas, é o primeiro bom exemplo de mobilização massiva, que se
transformou de luta econômica em luta política. Com a particularidade
de que se confrontou com um governo do qual fazem parte o PT e outros
partidos de esquerda. A rigor, os bombeiros não reivindicavam qualquer
exorbitância.
Pretendiam que seu salário passasse de míseros mil reais por mês para
cerca de dois mil reais. Mesmo com um aumento de cem por cento, esse
salário ainda continuaria sendo um dos mais baixos do país, em
comparação com os de bombeiros de outros estados. Além disso,
reivindicavam melhores condições de trabalho, com o fornecimento de
equipamentos e proteções apropriadas ao desempenho de suas ações de
risco.
A inabilidade com que essas reivindicações foram tratadas levou parte
dos bombeiros em greve a invadir e ocupar, juntamente com seus
familiares, o quartel-general da corporação. Mais uma vez, ao invés de
negociar com os bombeiros e obter uma saída pacífica, o governo do
estado decidiu utilizar a tropa de choque da polícia militar e
qualificar os bombeiros de vândalos.
Com esse gesto, embora muita gente tenha considerado errada aquela
invasão e ocupação, o governo fluminense conseguiu mobilizar o
conjunto da população não a seu favor, mas a favor dos bombeiros.
Quanto mais pessoas tomavam conhecimento dos salários iníquos e das
péssimas condições de trabalho daqueles profissionais, e mais firmes
os bombeiros se mostravam na decisão de continuar a luta e a
mobilização, maior se tornou a solidariedade popular a eles, inclusive
no restante do país e no exterior.
Os partidos de esquerda também declararam sua solidariedade e seu
apoio aos bombeiros e entraram em campo, tanto para restabelecer a
negociação do governo com os grevistas quanto para obter a libertação
dos 439 bombeiros presos e processados pela invasão e ocupação de um
patrimônio público. À luta pelo atendimento das reivindicações
econômicas somou-se a luta política pelo direito à luta, agora tendo a
anistia como principal meta.
Esse bom exemplo de mobilização social não deve ser encarado como um
fenômeno restrito aos bombeiros do Rio. O Brasil vive um momento
delicado em que parcelas consideráveis da população, após oito anos de
governos com forte participação da esquerda, emergiram com um poder
aquisitivo maior, seja devido aos programas sociais de redistribuição
de renda seja em virtude do crescimento do emprego.
Porém, esse processo não é equilibrado e dificilmente poderia sê-lo. O
caso dos bombeiros do Rio mostra que há fortes desequilíbrios na
redistribuição de renda e no acesso a poderes aquisitivos mais
elevados, o que deve estar causando tensões em diferentes setores
profissionais e sociais. Ainda mais que os governos fazem questão de
propagar as vantagens de uma nova classe média emergente. Quem se acha
excluído dessa emergência certamente pretende se incluir. E os
bombeiros do Rio podem ser o exemplo que muitos procuravam.
Nesse sentido, governos com a participação da esquerda devem aprender
com a lição do Rio e evitar os erros cometidos no tratamento da luta
dos bombeiros. Não devem desprezar as reivindicações. E, em princípio,
não devem utilizar tropas de choque para reprimir, mesmo ações
desesperadas, antes de esgotar todas as possibilidades de negociação.
A esquerda, por seu turno, tem o dever de estar integrada nos
processos de mobilização social por melhorias econômicas e maior
liberdade política. A não ser que queira deixar que a direita se
aproprie da mobilização social, menos para obter sucesso naquelas
melhorias e mais para criar um fosso entre as reivindicações populares
e democráticas e os governos com participação da esquerda. Nesse
sentido, uma análise mais apropriada do bom exemplo de mobilização dos
bombeiros pode lhe fornecer outras lições para as lutas futuras. Mesmo
porque, se o exemplo for seguido, talvez tenhamos uma boa retomada das
mobilizações sociais.
*
Wladimir Pomar é escritor e analista político