Audiência Pública na ALERJ discute aterro sanitário de Seropédica
Deputados sugerem instalação de CPI para apurar irregularidades da
‘máfia do lixo’.
Desde 2007, a comunidade de Seropédica está mobilizada contra a
instalação de um aterro sanitário no município, denunciando – por meio
de iniciativas como debates com especialistas, panfletagem, passeatas
e outras manifestações públicas – os riscos do empreendimento para a
região. Como mais um capítulo dessa luta, no último dia 27 de maio
houve uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro – ALERJ, para discutir o Centro de Tratamento de Resíduos
(CTR) / Santa Rosa em Seropédica, que, embora não esteja concluído,
está em operação desde 20 de abril, recebendo cerca de mil toneladas
de lixo diariamente. Ele tem como finalidade substituir o aterro
sanitário de Gramacho (Duque de Caxias), que deve ser completamente
desativado até 2012. A partir de então, a estimativa é que o CTR/Santa
Rosa receba aproximadamente nove mil toneladas de lixo todos os dias.
A polêmica que gira em torno do empreendimento chegou à ALERJ, quando
foram apontadas várias irregularidades envolvendo interesses de
empresas privadas e de políticos no Estado. Alguns parlamentares
sugeriram que a Casa Legislativa levasse adiante a proposta de
instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI para apurar
as denúncias, que, estão devidamente formalizadas em um dossiê
intitulado “Lixo e Corrupção no Rio de Janeiro”, apresentado por
Leonardo Aguiar Morelli. Ele é representante da Organização
não-governamental Defensoria Social, ligada à Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. “O processo de instalação do
CTR/Santa Rosa em Seropédica é fraudulento desde a sua origem. Tenho
documentos que comprovar o conluio entre os poderes públicos e
empresas de interesse privados”, falou, exibindo cerca de 200 páginas
do referido dossiê. “Temos que pedir a prisão preventiva do governador
Sérgio Cabral, do Prefeito Eduardo Paes e do
secretário de estado do Ambiente do Rio de Janeiro
Carlos Minc”, disse Morelli em plenário, sob fortes aplausos.
A audiência pública foi promovida pelas comissões de Saneamento
Ambiental, Meio Ambiente e Saúde da ALERJ como resultado de uma
manifestação pública realizada pela comunidade de Seropédica no dia 31
de março, nas escadarias da Casa Legislativa. Na ocasião, os
participantes ocuparam as galerias do prédio e expuseram sua
indignação com aterro sanitário na cidade. No dia 4 de abril, o
deputado Paulo Melo (PMDB), presidente da ALERJ, recebeu alguns
representantes da luta contra o aterro sanitário em Seropédica para
ouvir suas reivindicações. Naquele momento, foi acertada a realização
da audiência pública de 27 de maio, cujos trabalhos foram presididos
pela deputada Aspásia Camargo (PV).
Compondo a mesa
da audiência pública, estiveram os deputados Lucinha (PSDB), Janira
Rocha (PSOL), Paulo Ramos (PDT), Andreia Busatto (PDT), Zaqueu
Teixeira (PT) e Waguinho (PRTB). A empresa Haztec,
que está à frente da gestão do CTR/Santa Rosa, se fez
representar pela funcionária Adriana Filipeto. Ana Cristina Souza dos
Santos, presidente da ADUR-RJ - Seção Sindical do ANDES-SN,
representou o Fórum de Mobilização Contra o Aterro Sanitário
–
entidade formada, hoje, por moradores de Seropédica, organizações
sociais, estudantes, professores e técnicos da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. O Reitor da instituição, Ricardo
Motta Miranda, também integrou o grupo. O plenário e as galerias da
ALERJ foram ocupados por moradores e representantes da cidade de
Seropédica e de regiões adjacentes e pela comunidade universitária.
Foram disponibilizados quatro ônibus para a participação no evento,
tendo havido um número expressivo de estudantes do campi da
UFRRJ em Três Rios.
“Vamos tratar
desta questão com seriedade”, disse Ana Cristina
A Profa. Ana
Cristina Souza dos Santos relatou a luta que a comunidade de
Seropédica tem travado há bastante tempo para frear a construção e,
agora, o funcionamento do aterro sanitário no local. Disse que ela e
outros participantes do Fórum de Mobilização estiveram em
empreendimentos semelhantes, como o que existe no bairro de
Adrianópolis (Nova Iguaçu), e que, em pouco tempo de funcionamento, já
têm apresentado problemas. “Temos que tratar desta questão com
seriedade. A forma que o Estado, através do seu órgão licenciador
(INEA), tem encaminhado o tratamento de resíduos revela total falta de
competência e de responsabilidade. O local do CTR/Santa Rosa fica
muito próximo ao reservatório de água potável, que é o Aquífero
Piranema”, disse a docente, lembrando que este é o segundo
maior reservatório de água doce do país. “Além
disso, Seropédica é uma região com vocação agrícola e as propriedades
rurais estão a menos de um quilômetro do aterro. Especialistas da
UFRRJ têm demonstrado em trabalhos técnicos, devidamente entregues aos
órgãos competentes, que o empreendimento está em um local inadequado.
Há risco de crime ambiental”, afirmou.
Representando a
Universidade Rural, o Prof. Jorge Xavier da Silva – geógrafo e um dos
maiores especialistas na área – apresentou em um telão imagens que
comprovam que o CTR/Santa Rosa está mal localizado. Questionou as
declarações do representante da empresa Ciclus em reportagem
exibida, recentemente, pela TV Globo. “Queria saber se o funcionário
da empresa que vai administrar o aterro e que me desmentiu em
entrevista à Rede Globo, está aqui no plenário. Quero que ele veja que
os mapas que exibimos foram cedidos pela própria empresa e que eles
comprovam que existem recursos hídricos ao redor do aterro”, disse. “É
inquestionável a existência de rios, lagos e brejos na localidade do
CTR, que está praticamente sobre o Aquífero”, alertou o especialista,
revelando que, de acordo com leis estaduais,
não é permitida a
construção de aterros sanitários próximos aos recursos hídricos.
“Além da riqueza do manancial, na área do CTR ocorrem inundações.
Outro agravante é o registro de malária naquela região”, complementou
o docente.
“CTR/ Santa Rosa
não é aterro. É um lixão maquiado”
O Prof. Cícero Augusto Prudêncio Pimenteira, especialista em
planejamento estratégico, apresentou fotografias de recente Visita
Técnica ao CTR/Santa Rosa. Também combativo, o docente da UFRRJ disse
que o empreendimento fere a Constituição e várias leis de promulgadas
como a de nº 3.111/1998.
Ele ainda enumerou as
irregularidades que observou no local do CTR/Santa Rosa. Dentre vários
pontos, destacou os indícios de captação ilegal de água do próprio
aquífero a partir de poços ou da sucção direta de uma lagoa;
solapamento da área; camadas muito finas das mantas para a
impermeabilização do local; sensores – cuja tecnologia é dos Estados
Unidos – que não estão em funcionamento para detectar possíveis
vazamentos de resíduos do lixo; precariedade na confecção de um
cinturão verde na área; ausência de medidas para controle de roedores
e marsupiais; e a existência de uma ‘lagoa’ de chorume.
“Estamos em
Seropédica desde o final da década de 1940. A UFRRJ tem grandes
especialistas que poderiam ter orientado o governo do Estado e os
órgãos competentes na elaboração do Estudo de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA). Não fomos consultados. A Universidade tem um levantamento
das espécies da fauna e da flora da região que estão em área
remanescente da Mata-Atlântica e que, como era de se esperar, não
foram contempladas no EIA/RIMA do empreendimento”, disse o Prof.
Cícero.
Representante da
Comlurb e da Haztec não convencem plenário
Moradores,
representantes da cidade de Seropédica e da comunidade universitária
que estavam na ALERJ reagiram com indignação diante das declarações do
subsecretario estadual de Meio Ambiente, Luiz Firmino. “Aterro
sanitário, de acordo com determinações internacionais, é uma política
adequada para países em desenvolvimento. Jogamos no aterro o que não
pode mais ser aproveitado. Não há nada de ilegal no caso de Seropédica
porque houve um licenciamento dado pelo INEA. A Companhia Municipal de
Limpeza Urbana - Comlurb não teria qualquer iniciativa de depositar o
lixo na região se não houvesse o respaldo dos órgãos ambientais
competentes”, disse. “Por mim, poderiam depositar o aterro até mesmo
na Zona Sul. Mas, estudos técnicos demonstraram que aquela região era
adequada”, finalizou, em tom jocoso.
Pela Haztec,
Adriana Filipeto ressaltou que o CTR possui tecnologia
suficiente para garantir o destino adequado do lixo, sem riscos para o
meio ambiente. “Vamos contribuir para a erradicação dos lixões
irregulares, que acomodam 70% de tudo que é descartado no Brasil”,
disse.
Apoio da ALERJ
para interromper funcionamento do CTR
De acordo com a Vereadora Maria José Sales Ferreira, a atual bancada
Legislativa de Seropédica está em luta para impedir que este aterro
continue em funcionamento na cidade. Ela revelou que em, 2007, o então
prefeito Darci dos Anjos enviou projeto de emenda à lei orgânica
municipal para reduzir a área de proteção ambiental, para que o aterro
fosse instalado. “Queremos o apoio da ALERJ para suspender o
funcionamento do aterro sanitário na cidade”, disse, lembrando que a
população do município já deixou claro que não está de acordo com o
empreendimento no local.
CPI para apurar
irregularidades da “máfia do lixão”
De acordo com
Leonardo Morelli, representante da ONG Defensoria Social, o caso do
aterro sanitário em Seropédica não pode ser pensado de forma
dissociada do modelo econômico que ameaça a sociedade.
“Vivemos uma
crise civilizatória. O mercado é a grande pedra de toque e as elites
se colocam contra a maioria da população. Temos que relacionar a luta
da comunidade de Seropédica àquela dos trabalhadores da Companhia
Siderúrgica do Atlântico (CSA)/ ThyssenKrupp, à batalha dos moradores
de Niterói (RJ) que perderam suas casas no deslizamento do Morro do
Bumba. Lutamos contra a corrupção e contra um modelo econômico.
Devemos sair daqui, hoje, com a indicação de que esta Casa Legislativa
levará adiante a instauração de uma CPI para apurar as irregularidades
da chamada ‘máfia do lixo’, que atua neste Estado. A ALERJ está de
posse do dossiê que apresenta documentos que comprovam o envolvimento
do Executivo e do Judiciário com interesses de empresas privadas.
Temos que pedir a prisão preventiva do Sérgio Cabral, do Eduardo Paes
e do Carlos Minc, que sustentaram a construção do aterro sanitário na
Baixada porque estão de olho no Arco Metropolitano e nas obras de
embelezamento da cidade para os eventos esportivos que o Rio de
Janeiro sediará em breve”, bradou Leonardo, muito aplaudido.
Os deputados
Paulo Melo e Janira Rocha disseram que a mobilização da comunidade é
importantíssima. O primeiro, inclusive, sugeriu que a população
colocasse interditasse a rodovia para impedir o tráfego dos caminhões
de lixo. “Vamos ganhar as ruas. Não podemos depender das
instituições”, afirmou. Cada cidade deve ser responsável pelo lixo que
ela mesma produz”, falou Paulo Melo. Janira Rocha disse que a ALERJ
não pode ser entendida como simples mediadora. “Temos que ter um
posicionamento político e já escolhi o meu lado”, enfatizou ao
declarar total apoio à luta da comunidade seropedicense. “As denúncias
expostas aqui não podem cair no leito comum. Devem ser investigadas
por uma CPI”, disse a parlamentar. A deputada Lucinha, famosa por ter
sido uma das lideres no movimento que impediu a instalação do aterro
sanitário em Paciência, também foi taxativa: “O INEA é imoral por ter
ignorado a lei que proíbe a instalação de aterro sanitário ou lixões
em área de aquífero. Temos que estudar o dossiê “Lixo e corrupção no
Rio de Janeiro” e bancar a abertura de uma CPI na casa. Vai ser
difícil, mas, temos que tentar”, avaliou.
Aline Pereira/ADUR-RJ