A Administração
Superior da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ
estuda firmar um convênio, com empresa da iniciativa privada, para a
instalação de um retropátio (parque de manobras de trens de carga) no
campus de Seropédica. De acordo com deliberação nº 3 do Conselho
Universitário (03 /3/11), a Rural tem analisado a viabilidade de
estabelecer um contrato de cessão, de cerca de 40 hectares de suas
áreas, com a Empresa MRS Logística S.A -- responsável pelo transporte
de minério de ferro e produtos correlatos pela linha férrea que corta
o
campus.
O intuito é garantir vazão ao transporte de carga em direção ao Porto
de Itaguaí e adjacências.
Preocupada com o
tema, a Diretoria da ADUR-RJ e o Grupo de Trabalho em Política Agrária
e Meio Ambiente (GTPA&MA) realizaram um seminário no dia 4/10, que,
contou com a presença do Reitor Ricardo Miranda e dos professores
Humberto Kzure-Cerquera (IT/UFRRJ) e Cesar Augusto da Ros
(ICHS/UFRRJ). A discussão foi mediada pelo Prof. Ricardo Berbara
(IA/UFRRJ), que é diretor da ADUR-RJ.
Privatização
do espaço público
A Profa. Ana
Cristina S. dos Santos, pela ADUR-RJ, disse que a seção sindical já
havia comunicado ao CONSU seu posicionamento contra o convênio.
“Essa posição é
oriunda de uma discussão no Fórum de Mobilização contra o aterro
sanitário. Na época, ainda não tínhamos o domínio do que representava
de fato este convênio com a MRS. Mas, entendemos que esta proposta
referendava os objetivos da empresa que administra o aterro sanitário
de Seropédica, que, apresenta a linha férrea como uma das
possibilidades de transporte para o escoamento do lixo. Ao conhecermos
o projeto mais de perto, ficamos ainda mais preocupados. Há todo um
processo de ampliação de empreendimentos nesta região - o que demanda
um projeto para esta Universidade. Esses espaços públicos estão sendo
ocupados com outras intenções, voltadas para a tercerização dos
serviços e para a mercantilização”, disse a presidente da seção
sindical.
O Prof. Frederico
José Falcão, 1º Vice-Presidente da Regional Rio de Janeiro do
ANDES-SN, disse que a proposta do convênio entre a UFRRJ e uma empresa
privada é muito preocupante. Dependendo da atitude adotada pela
Reitoria, pode-se abrir precedentes para que o capital privado de
outras empresas sejam utilizados na instituição pública - o que
caracteriza a privatização desse espaço.
“Gostaria de
saber se alguém aqui conhece algum caso de devolução de área pública
que foi cedida para iniciativa privada. Eu não conheço nenhum caso”,
disse.
O docente
aproveitou a oportunidade para divulgar a Campanha “10% do PIB para a
Educação Pública, já!” (leia mais no site da ADUR-RJ -
www.adur-rj.org.br).
Convênio
existe desde 1996
O Prof. Cesar da
Ros apresentou algumas considerações sobre o assunto, tendo como base
o documento “Análise preliminar da solicitação de convênio da MRS
Logística S.A. e a UFRRJ”, que, aponta uma série de questionamentos
sobre o convênio e seus impactos a curto e a longo prazo para a UFRRJ.
Tais análises
resultam de estudos da Comissão criada durante a 169º Reunião do
Conselho Universitário - CONSU (junho de 2011), que tem por objetivo
analisar a proposta da MRS. A Comissão também é composta pelo
presidente Fernando A. Curvello (IZ), pelo docente Heber dos Santos
Abreu (IF) e por um representante de cada segmento da Universidade. O
representante da ADUR-RJ é o Prof. Ricardo Berbara.
Cesar da Ros
contextualizou a problemática. “Na década de 1970, foi construída uma
ferrovia - Malha Sudeste - utilizada para transportar minérios de
ferro da Vale do Rio Doce até Porto de Itaguaí. Na ocasião, a
Universidade não foi consultada porque estávamos sob o Regime Militar.
Em 1996, já dentro do programa nacional de desestatização de FHC, a
rede ferroviária federal delegou suas ações para a iniciativa privada.
Foi aberto um edital para licitação, houve um leilão, que, permitiu a
concessão da Malha Ferroviária à MRS -- um conjunto de empresas que
envolve a Vale do Rio Doce e vários grupos da área de siderurgia. Há
dois contratos: um de concessão e um arrendamento, com o tempo de 30
anos, que asseguram à empresa o direito de renová-los. Foi feito em 1º
de dezembro de 1996 e vai terminar na mesma data, em 2026. Já existe o
contrato e a ferrovia está passando aqui e transportando minério. A
negociação foi feita diretamente com o governo federal, envolvendo a
MRS e o Ministério dos Transportes. A Universidade não foi envolvida
nisso. Em junho de 2010, a empresa apresentou a proposta de um
possível convênio à Universidade, para a construção de um retropátio,
envolvendo 18 linhas de trem e cerca de 32 hectares, perto da
bovinocultura de leite”, disse.
O docente disse
que a comunidade universitária deve analisar as duas possibilidades:
negar o convênio de forma propositiva, indicando o que vai ser feito
da área cobiçada pela empresa, ou aceitar o convênio e pensar em como
aplicar os recursos oriundos desta parceria em investimentos na
Universidade.
“Se vamos dizer
que somos contra, temos que explicar qual é a destinação que vamos dar
à área, tendo em vista que existe uma grande pressão de interesses
privados na região. Temos que apresentar como prevemos a utilização da
área, porque se dissermos simplesmente que somos contra, nos
colocaremos de forma muito fragilizada em relação à pressão dos
interesses privados. Isso não excluiu que o governo alegue interesse
nacional e dê uma canetada”, avaliou Cesar da Ros.
De acordo com o
professor, se a Universidade aceitar a proposta da MRS, pode negociar
contrapartidas pelo aluguel do espaço. Caberia a instituição definir a
destinação dos recursos que seriam repassados à Universidade para
investimento de obras de infraestrutura ou para financiamento de
pesquisas. “Temos que iniciar um debate amplo sobre como vamos
utilizar nossas áreas públicas, buscando pensar no uso estratégico
dessas áreas - o que não se limita somente ao plano diretor da
Universidade”, concluiu.
O plano
diretor da UFRRJ e o fim da “cultura do puxadinho”
O Prof. Humberto
Kzure-Cerquera, que é o coordenador do plano diretor da UFRRJ,
enfatizou algumas questões técnicas que envolvem o ordenamento
territorial da instituição.
O docente afirmou
que é importante que toda a comunidade acadêmica participe da
construção deste plano diretor, que é um instrumento político que
auxiliará na adminstração da instituição, em aproximadamente uma
década, sendo reavaliado a cada cinco anos.
“Como estratégia,
para facilitar o debate sobre uma instituição multicampi, primeiro
está sendo feito um diagnóstico que aponte várias questões importantes
para a construção deste instrumento de política pública”, disse o
professor, lembrando que este projeto conta com o auxílios de outros
docentes especialistas, alunos e técnicos.
De acordo com
Kzure, é preciso que se pense em que que tipo de planejamento a
comunidade pretende construir para a Universidade, cuja realidade é
muticampi. A questão envolvendo a MRS e a UFRRJ, de acordo com ele,
passa pelo debate sobre o plano diretor. Ele criticou o projeto
apresentado pela empresa, dizendo que faltam dados que permitam uma
análise técnica pormenorizada.
“Na reunião em
que participei sobre a parceria, ponderei com os presentes e,
sobretudo com o Reitor, sobre a necessidade que fosse feito um estudo
mais criterioso sobre o impacto deste empreendimento para a
Universidade e para a cidade. Ponderei que existem instrumentos
federais, como o estatuto da cidades, que nos ajudam a pensar no
impacto de vizinhança e no impacto ambiental. O croqui apresentado
pela empresa não pode ser propalado como projeto, porque não é. A
empresa tinha que desenvolver de fato um projeto que demonstrasse os
fluxos, as frequências, as formas como serão tratados os resíduos que
entrarão nesta área de manobra, etc. Sou rigoroso para que se discuta
não a partir de esboços, mas a partir de propostas concretas, com
dados sistematizados. É preciso que estejam claros os limites físicos,
as questões de segurança envolvidas e se haverá espaços de
transposição. Entendo o planejamento como uma estratégia para o
desenvolvimento. Se o Brasil quer crescer, tem que romper com a
cultura do ‘puxadinho’. E é isso que eu trago para a nossa
Universidade. Está na hora de pararmos com o puxadinho e de pensarmos
que podemos fazer todo tipo de arranjo ou de ocupação sem levar em
consideração as implicações territoriais”, disse.
Reitor não descarta plebiscito sobre o tema
De acordo com o
Reitor, no primeiro mês de mandato, ele foi procurado pela empresa MRS
Logística, que, entregou um ofício comunicando que iria duplicar a
linha férrea e ceder a Rural os eucaliptos que fossem cortados para
abrir espaço para a via. O Prof. Ricardo Motta Miranda disse que, na
ocasião, solicitou que a empresa apresentasse um documento que
comprovasse que poderiam proceder desta forma, o que, segundo ele, não
aconteceu. “Na época, proibi a entrada de qualquer veículo da MRS em
nosso campus”, afirmou.
Foi somente em
junho de 2010, que a empresa formalizou o pedido para a construção do
retropátio, utilizando terras da Rural próxima a área de bovinos.
De acordo com o
Reitor, ele deixou claro que qualquer decisão só poderia ser tomada
após a deliberação do CONSU, que, deliberou que a
Reitoria discutisse a proposta a
partir de contrapartidas para a Universidade. O Reitor também afirmou
que qualquer decisão só poderá ser firmada com a anuência da
Comunidade Universitária.
“O debate começou em junho, o prazo foi previsto para setembro, mas,
vamos ampliá-lo. Podemos colocar uma avaliação, seja de forma
plebicitária ou através de uma grande assembleia, pela Comunidade
Universitária. Esta é uma possibilidade que não descarto. Não há
necessidade de fazer consulta assim para todas as demandas de espaço,
até porque os gestores foram eleitos e têm competência para tomar
essas decisões junto aos seus fóruns. Mas, neste caso, é importante um
posicionamento da comunidade”, afirmou o Magnífico, que, disse não
acreditar que o atual governo possa querer desapropriar as terras da
Rural em benefício da empresa.
Após as colocações, a comunidade apresentou questões para o debate. O
Reitor não ficou até o final. Ausentou-se cerca de 20 minutos após a
sua exposição ter encerrado.
Posição da Diretoria da ADUR-RJ
Coerente com a
luta histórica do movimento docente contra a privatização da
Universidade, a
Diretoria da ADUR-RJ
entende que a possibilidade de se estabelecer um convênio com a
empresa MRS/Logística é inaceitável porque estabelece uma relação
promíscua entre o público e o privado. Abre mão de um direito da
comunidade de Seropédica e da comunidade universitária para servir aos
interesses de uma empresa privada.
Percebemos que se
deseja tomar uma decisão política e tecnicamente desvantajosa.
Para nós, é muito
simples: a UFRRJ, hoje, é uma ilha de espaço público rodeada por
propriedades privadas. Entendemos que essa área é a única reserva para
se construir iniciativas de interesses públicos nos próximos cinquenta
anos.
É inadimissível
entregar este rico patrimônio à iniciativa privada, alegando que não
temos controle sobre a área e que ela é ameaçada por invasões.Também é
inaceitável ter que justificar a empresa privada o que vamos fazer com
a área, no caso de negação a proposta de acordo com a MRS, desprezando
por completo a autonomia universitária.
Diretoria da
ADUR-RJ