A
visita de Obama ao Brasil
A campanha presidencial
norte-americana de 2008, a candidatura democrata, representada por
Barack Obama, entusiasmou não só o eleitorado local, mas boa parte
da opinião pública mundial, ao firmar o compromisso de mudar a
forma de administração do país. Naquele momento, a desolação
administrativa da Casa Branca, sob conduta republicana,
alastrava-se a olhos vistos, ao embaraçar-se militarmente em dois
países no Oriente Médio e adjacências e ao atrapalhar-se cada vez
mais economicamente, até desaguar em uma severa crise, com efeitos
até hoje em todo o planeta.
Desta maneira, Obama
angariou, em um primeiro momento, a atenção da sociedade, ao
beneficiar-se de modo indireto de uma gestão presidencial
ineficiente; mais adiante, contudo, ele obteria por mérito
próprio, através das propostas e da boa retórica, o apoio dos
eleitores, em especial o dos mais jovens, segmento mais
desestimulado tradicionalmente na participação eleitoral.
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O reconhecimento da conduta
inadequada da política externa do país proporcionou a Barack Obama
simpatia ao redor do mundo, mesmo no Brasil – no segundo semestre de
2008, período de eleição municipal no país, a imprensa registrou ao
menos seis candidatos com seu nome. Ele posicionava-se contra a
existência de prisões secretas para prisioneiros das duas guerras,
tendo como símbolo Guantánamo, e contra a indefinição da presença
militar no Iraque e, ao mesmo tempo, inclinava-se a favor de maior
diálogo com os chamados países renegados, entre os quais se destacava
o Irã, por conta do desenvolvimento do programa de energia nuclear.
Quase dois anos e meio depois,
a avaliação de Obama alterou-se, uma vez que a maior parte das
promessas não foi cumprida, ainda que se reconheça o pesado fardo
legado pelo governo predecessor. Assim, sua popularidade, tanto
interna como externa, decresceu, visto que a economia norte-americana
não se recuperou muito bem, o que significa uma taxa de desemprego
próxima de dois dígitos, e a política externa não se modificou, o que
se traduz na manutenção das carceragens encobertas e na permanência em
solo iraquiano, não obstante o estabelecimento de um cronograma de
retirada.
Nos últimos dias, mais
problemas se somaram à tensa rotina da Casa Branca: no plano externo,
a convulsão política no norte da África, na qual a expressão maior é a
Líbia, e o desastre natural no Japão, do qual há possibilidade de se
ocasionar grandes danos nucleares nas imediações; no interno, a
disputa entre os servidores públicos e o governo de Wisconsin, por
conta da proposta de se retirar o direito de dissídio coletivo de
quase duzentos mil trabalhadores e de se reduzir a contribuição
patronal para a aposentadoria e para o plano de saúde. Outros vinte
estados tentam efetivar medidas similares, inclusive Illinois, berço
político do presidente. O efeito nas eleições presidenciais de 2012
pode ser desastroso ao Partido Democrata.
Ante o exposto, a curta visita
do presidente Barack Obama a três países da América Latina, embora
programada com bastante antecedência, quase foi cancelada. Os destinos
– Brasil, Chile e El Salvador - haviam sido cuidadosamente
selecionados – locais em que a popularidade do dirigente é
significativa ou o antiamericanismo, menor.
No Brasil, país com o qual os
Estados Unidos têm tido bom relacionamento político e principalmente
comercial, a presença se estendeu por meros dois dias. Nenhum tema
espinhoso foi abordado de maneira incisiva. Assim, exportação de
biocombustível, concessão de vistos a brasileiros, venda de caças,
exploração do pré-sal, existência da Quarta Frota, presença
norte-americana na Colômbia, política nuclear do Irã ou mesmo destino
da ditadura da Líbia, por conta da recente divergência entre ambos no
Conselho de Segurança das Nações Unidas, não foram abarcados de forma
extensa.
A presença de Barack Obama é
considerada uma deferência política a Dilma Rousseff – normalmente, o
dirigente estadunidense retribui visita. Desta vez, não houve isso.
Prevê-se que ela irá a Washington em junho deste ano. Pondera-se que
Obama não teria visitado o país no ano passado, na esteira da viagem
de Hillary Clinton em março, a fim de demonstrar a insatisfação da
Casa Branca no tocante ao apoio do governo Lula à política nuclear
iraniana.
O local escolhido para
discursar à população brasileira simboliza um tom menos sisudo da
presente viagem: o Rio de Janeiro, onde esteve presente com a família,
uma das cidades-sedes da Copa do Mundo de 2014 e sede da futura
Olimpíada de 2016. Desta forma, Obama auxilia a divulgar a cidade de
modo positivo, ao ser ela o centro dos dois maiores acontecimentos
turísticos do globo nos próximos anos.
Todavia, ele não descuidou do
lado comercial da visita, ao encaminhar a negociação para que se possa
incluir a participação efetiva de corporações de seu país no andamento
dos dois eventos. Porém, o objetivo da visita foi, no curto prazo, o
de reiterar de modo simbólico a boa relação entre os dois mais
importantes países da região.
Virgílio Arraes é doutor em
História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e
professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma
instituição.