A um mês de plebiscito inédito, divisão do Pará gera controvérsias
Paraense decide
em dezembro se estado fica unido ou dá origem a mais dois, Carajás e
Tapajós. Às vésperas de propaganda na TV, debate esquenta. Para
economistas e sociólogos locais, separação só interessa a elites
paroquiais e empresas. Defensores dizem que região teria mais
recursos, e Estado chegaria ao cidadão. Líderes políticos tradicionais
optam pela neutralidade.
BELÉM -
Uma inédita propaganda eleitoral no Brasil começa na próxima
sexta-feira (11). A campanha de rádio e TV vai tentar influenciar uma
decisão que levará 4,8 milhões de eleitores paraenses às urnas um mês
depois. Manter o segundo maior estado brasileiro unificado ou
desmembrá-lo em mais dois, Carajás e Tapajós?
Nunca houve um
plebiscito no país que permitisse ao cidadão opinar sobre a mudança ou
não da configuração territorial. Já houve 17 mudançcas na divisão do
Brasil, mas foram os governantes que bateram o martelo.
Desta vez, após o
plebiscito, o resultado ainda terá que ser sancionado pela presidenta
Dilma Rousseff, que tem o poder legal de vetá-lo. Mas ninguém duvida
de que a vontade do povo será respeitada. O problema é que o risco de
alta abstenção preocupa. Apesar da importância do debate para a
definição do modelo de ocupação e desenvolvimento da Amazônia
brasileira, a população tem se mantido alheia à discussão.
Na capital e
maior cidade do estado, poucos se manifestam. E, qua sempre, são
contrários à divisão. “Eu entendo que as populações das regiões mais
longínquas se sintam abandonadas pelo estado, mas não é a divisão que
vai resolver o problema”, diz o taxista Luiz Marinho. Ele garante que,
em Belém, todos querem um Pará unido. “Dez de cada dez carros
adesivados defendem o não. Novos estados gerarão despesas para o país
inteiro”,acrescenta.
Estudo do
economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rogério
Boueri, realizado em dezembro de 2008, diz que o custo fixo de um novo
estado é de, em média, de R$ 832 milhões anuais. Cada habitante
implicaria mais R$ 564,69 em gastos públicos. E cada ponto percentual
de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) exigiria 7,5 centavos de
investimento público. Tudo somado, Carajás e Tapajós teriam déficit
anual de R$ 1,9 bilhão.
Para o
jornalista, blogueiro e professor da Universidade da Amazônia (Unama)
Rogério Almeida, a campanha pela divisão do estado se fundamenta em um
discurso puramente emocional, sem embasamento técnico ou científico.
“É um discurso frágil e desqualificado”, afirma.
O sociólogo
Raimundo Gomes, ligado ao Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria
Sindical e Popular (Cepasp) de Marabá, critica o reducionismo do
debate à questão desenvolvimentista do PIB. “Crescimento econômico não
pode ser o único parâmetro”. Para ele, o importante é detectar quem
irá se beneficiar da reconfiguração do poder. “E não será o povo”,
garante.
O militante, que
vive na região que poderá vir a se tornar o estado de Carajás, diz que
Marabá, candidata a capital do novo estado, é o município de porte
médio mais violento do país, devido ao modelo de ocupação extremamente
predatório.
Segundo ele, na
região, nos últimos 30 anos, foram mais de 600 trabalhadores
assassinados a mando de latifundiários. Em 2010, foram 18
assassinados, 36 conflitos envolvendo 3.099 famílias e 1.522
trabalhadores resgatados de trabalho escravo, conforme dados da
Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Criaremos um estado para ser
dominado por estes assassinos?”, questiona.
O professor da
Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará (UFPA) Aloísio
Nunes também corrobora que os problemas gerados pela criação dos novos
estados são muito mais graves do que sugere o atual debate público. “A
reformatação do poder costuma acarretar um alto nível de corrupção”,
afirma.
Segundo ele, são
dois os fatores que provocam o desmembramento de novos estados ou
países, como ocorreu, por exemplo, com a criação do Panamá, de Israel
ou do estado do Amapá. O primeiro é um interesse econômico muito
forte. O segundo, a existência de um poder local, atrelado a esse
interesse econômico, capaz de reivindicar o poder político. “A
corrupção é, justamente, o elo entre os setores público e privado. A
criação de novos estados não irá mudar isso”, esclarece.
Para o professor,
o capital internacional estaria de olho nas regiões de Carajás e
Tapajós a fim de garantir a exploração do patrimônio amazônico. “A
primeira, já completamente devastada, interessa ao agronegócio e à
mineração, e é dominada pela Vale do Rio Doce. A segunda, além desses
dois setores, desperta a cobiça também dos extrativistas, pois é uma
área que concentra um grande pedaço de floresta”, explica.
Discussão
eleitoreira
As campanhas
pelas emancipações de Tapajós e Carajás têm figuras tradicionais da
política pareanese, embora os grandes caciques tenha optado pela
neutralidade.
A Frente Pró
Tapajós tem como um de seus líderes o deputado federal Lira Maia
(DEM), engenheiro agrônomo e membro do Sindicato dos Produtores Rurais
de Santarém, cidade candidata a capital do novo estado. Na Frente Pró
Carajás, um dos líderes é o também deputado federal Giovanni Queirós
(PDT), médico e ruralista.
As duas frentes
usam argumentos e dados parecidos para defender os dois novos estados.
A divisão aumentaria o volume de recursos disponíveis na região - o
Pará recebe hoje cerca de R$ 3 bilhões por ano do Fundo de
Participação dos Estados (FPE), dinheiro repassado pelo governo
federal; com o desmembramento, os três estados, juntos, levariam o
dobro. O separatismo também aproximaria o Estado das populações mais
distantes de Belém.
Mas, para o
sociólogo Raimundo Gomes, só elites locais ganhariam. Segundo ele, com
80 mil votos, um político não se elege mais deputado no universo de
4,8 milhões de eleitores do Pará. Porém, em um universo de apenas 800
mil eleitores, como ocorrerá em Carajás, essa margem de voto é
suficiente para a vitória.
Diante do
imbróglio, as lideranças mais conhecidas do estado, não importa o
partido, preferem se manter neutras no processo. Os ex-governadores
Jader Barbalho (PMDB) e Ana Júlia (PT) e o atual, Simão Jatene (PSDB),
não estão defendendo nenhum lado.
“Esses políticos
já fizeram seus cálculos eleitoreiros e decidiram não tomar posição
para não perder votos. O governador prefere assumir o ônus de ver seu
estado diminuir”, analisa o professor do Programa de Pós-graduação em
Economia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilberto de Souza
Marques.
Identidades
múltiplas
O Pará é um
estado continental, que responde por 14% do território brasileiro. É
maior que países como França, Itália, Alemanha e Grã-Betanha. “A
demanda das populações de Tapajós e Carajás por uma maior presença do
Estado é legítima, mas se assemelha ao sentimento dos cidadãos da
periferia de Belém”, afirma Gilberto.
O antropólogo
Roberto Araújo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(Inpe),
avalia que a divisão geográfica proposta também não favorece as
identidades múltiplas, próprias de um estado das proporções do Pará.
Segundo ele, o estado de Tapajós, que ficaria com 58% do território
que hoje é do Pará, já nasceria com identidades tão fragmentadas
quanto é hoje o estado originário.
Ele afirma que,
em muitos casos, as populações dessas regiões sequer sabem que
identidade adotar. “Há comunidades que se reivindicam indígenas para
salvaguardar terras. O projeto político das elites locais não tem nada
a ver com o projeto políticos das populações”, defende.
O sociólogo Mário
Rodrigues da Silva filho, liderança indígena de Itupiranga, no sudeste
do Estado, afirma que a discussão sobre o plebiscito também não está
pautada em sua região. O município, que faria parte de Carajás, possui
80 mil habitantes que incluem comunidades tradicionais e indígenas.
“As comunidades
tradicionais e indígenas estão conscientes de que o movimentos ocial
será esmagado por esses grupos de poder que pregam a divisão do
Estado”, afirma. Segundo ele, os defensores da divisão sequer
procuraram esses atores sociais para debater o projeto político
implícito na mudança. “Mais uma vez, continuamos invisíveis aos olhos
dos grandes grupos econômicos”, criticou.
Fonte: Ag. Carta
Maior, Najla Passos.