Congresso: o balcão de negócios da Câmara dos Deputados
Com a mão no nosso bolso

Divergência petista na sucessão da Câmara leva governo a distribuir mimos de mais
de 100 milhões de reais
aos deputados

 

 
Montagem sobre fotos de Fabio Mangabeira/Ana Araújo

Na madrugada da terça-feira passada (11/01), depois de uma reunião de cinco horas no Palácio do Planalto, os contribuintes brasileiros começaram a pagar a conta das divergências petistas na Câmara dos Deputados. Ali, com a participação de seis ministros e a presença interrupta do presidente Lula, decidiu-se que, para favorecer o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, candidato governista à presidência da Câmara, os cofres públicos farão um gasto adicional de mais de 100 milhões de reais por ano com o objetivo de distribuir mimos aos deputados-eleitores. Hoje, cada deputado pode contratar até vinte funcionários para seu gabinete, com uma folha de pagamento de no máximo 35.000 reais. Agora, com a verba aumentada para 45.000 reais, eles poderão contratar até 25 funcionários. É tanta gente que, se todos fossem trabalhar na mesma hora, não haveria espaço físico nos gabinetes. É tanta gente que, no Brasil de hoje, mais de 90% das empresas nacionais têm menos de 25 empregados na folha de pagamento.

O outro mimo chegará na forma de aumento salarial para os deputados, de 12.800 para 19.100 reais por mês. É o maior salário que um servidor público pode receber. A idéia era fazer com que as duas medidas fossem adotadas de imediato, ainda na gestão do petista João Paulo Cunha no comando da Câmara, para facilitar a vitória de Greenhalgh, ameaçada pelo lançamento da candidatura de Virgílio Guimarães, do PT mineiro. Mas a proposta trombou com a realidade no dia seguinte. Os ministros esqueceram que, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, um governante não pode criar despesas nos últimos seis meses de mandato – e o mandato de João Paulo, que participou de alguns momentos da reunião da madrugada, termina em 14 de fevereiro. Assim, as medidas acabaram na plataforma de promessas de Greenhalgh. Em público, ele não defende o trem da alegria, mas, nas conversas eleitorais com os líderes partidários, comporta-se como exímio maquinista. Além de dar sinal verde para o aumento da verba de gabinete e dos salários dos deputados, o governo apoiou outra medida, aprovada no fim do ano passado mas que só entrou em vigor agora. É o aumento de 12.000 para 15.000 reais da verba a que cada um dos 513 deputados tem direito para manter um escritório em sua base política.

O benefício resultará em despesa adicional de 18,5 milhões de reais por ano. Somando-se tudo, o mimo já em vigência e os outros dois que entrarão em vigor com a eleição de Greenhalgh, a cizânia na sucessão da Câmara já elevou os gastos públicos em 119,5 milhões de reais por ano. Poderia ter sido ainda pior. Na reunião da madrugada, o ministro José Dirceu, da Casa Civil, chegou a propor a liberação imediata das verbas de todas as emendas orçamentárias apresentadas pelos deputados em 2004 – sugestão que custaria algo em torno de 2 bilhões de reais ao Erário. O ministro Aldo Rebelo, coordenador político do governo, chiou. Sabendo que a liberação de emendas é um dos trunfos do governo na hora de negociar com os parlamentares, Rebelo advertiu que seria imprudente gastar toda a munição no início do ano. Ganhou a adesão do ministro Antonio Palocci, da Fazenda. E a idéia morreu, pelo menos por enquanto.

O deputado Virgílio Guimarães, contrariando as expectativas da cúpula petista do governo, insiste em manter sua candidatura. Na terça-feira, num jantar oferecido pelo deputado João Paulo Cunha em sua residência oficial, Virgílio Guimarães foi insistentemente abordado para que renunciasse à candidatura. "Você já demonstrou seu prestígio, Virgílio, mas, se levar essa candidatura adiante, vai sair derrotado e sem moral", analisou João Paulo. Não adiantou. Em vez disso, Virgílio Guimarães mostrou uma pesquisa feita pelo instituto Sensus na qual se entrevistaram 230 deputados. O levantamento indica que Guimarães seria o melhor candidato do PT. Ele venceria a disputa diante do pefelista José Carlos Aleluia e de Severino Cavalcanti, do PP, candidatos de oposição. A pesquisa mostra que Greenhalgh, no entanto, correria o risco de ser derrotado por qualquer um dos deputados candidatos de oposição.

Nem a intervenção sutil do presidente da República alterou o quadro. Na quarta-feira de manhã, Virgílio Guimarães tomou café com Lula no Planalto, mas o presidente não chegou a pedir explicitamente ao deputado que desistisse de concorrer. "Virgílio, como sou petista, apoio o candidato escolhido pelo PT, que é o Greenhalgh. Mas você é meu amigo e sabe o risco que corre", afirmou o presidente. "Se o presidente tivesse pedido, eu teria desistido. Como ele não colocou obstáculo, vou até o fim, para ganhar ou para perder", disse Guimarães, mais tarde. O Palácio do Planalto, no entanto, não esconde que não gostaria de vê-lo no comando da Câmara. O deputado é tido como um bom parlamentar, é popular entre os membros do baixo clero e defende as posições do governo, mas parece nutrir um exacerbado gosto pelos prazeres da vida noturna – o que, aos olhos do governo, poderia trazer alguns constrangimentos caso o deputado ocupasse um cargo de tanto destaque. Na semana passada, como que para provar a seriedade de suas intenções, Guimarães até autorizou a confecção de material de campanha e marcou o lançamento oficial de sua candidatura. A festa será nesta terça-feira. À noite, com certeza, haverá comemoração com muita cachaça mineira.
 

Fonte: Revista Veja, Otávio Cabral, Edição 1888, 19/01/2005


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