WikiLeaks:
EUA suspeitam de motivação brasileira no Oriente Médio

 

 

 

 

 

O governo dos Estados Unidos ainda não conseguiu decifrar, precisamente, os motivos que levam o Brasil a demonstrar tanto interesse em participar de espinhosas negociações sobre conflitos no Oriente Médio – e, sobretudo, as maneiras utilizadas para se inserir nesse contexto. Intrigados com o comportamento – que consideram pouco ortodoxo – das autoridades brasileiras sobre o assunto, diplomatas americanos têm ido além dos canais oficiais em busca de respostas, procurando contatos com as comunidades árabes no país atrás de alguma pista. Nos encontros, eles também mostram grande preocupação com a presença crescente no Brasil – segundo os seus cálculos – de militantes e simpatizantes do grupo radical xiita libanês Hezbollah, à qual o governo estaria fazendo vista grossa. 

É isso o que sugere uma série de telegramas confidenciais enviados a Washington pela Embaixada dos EUA em Brasília, entre julho de 2005 e janeiro de 2009, que o WikiLeaks entregou ao GLOBO. Num deles, os diplomatas dizem que as autoridades brasileiras “tentam justificar suas posições e políticas mais controvertidas sobre o Oriente Médio” como uma resposta às demandas políticas da comunidade muçulmana brasileira. 

No entanto, segundo a avaliação americana, tanto a comunidade árabe cristã como a muçulmana no Brasil não parecem ter o menor interesse no cenário político do Oriente Médio. Esse é um dos fatos intrigantes: “Isso levanta uma questão maior: o que está motivando, então, as políticas às vezes controversas e contraditórias do governo brasileiro em relação ao Oriente Médio?”, conclui um dos telegramas. 

Elementos radicais em Foz do Iguaçu, diz telegrama 

Numa reunião promovida pelo consulado americano em São Paulo entre o deputado republicano Darrell Issa, ex-capitão do Exército, com quatro líderes da comunidade libanesa local, os diplomatas americanos registraram ter sido surpreendidos quando dois deles — Joseph Sayah, cônsul-geral libanês, e Souheil Yamourt, conselheiro político e de investimentos do Grupo Hariri — disseram que o governo era fortemente influenciado por sírios, que teriam uma grande presença no Itamaraty. 

“Eles disseram que, durante várias gerações, sírio-brasileiros se tornaram diplomatas, enquanto os imigrantes libaneses focaram em negócios”, diz um dos telegramas. Mais: “A Câmara de Comércio Árabe-Brasil se tornou extremamente influente, e tende a se opor a iniciativas dos EUA no Oriente Médio”. 

O documento diz, ainda, que embora não haja um “interesse político coesivo cristão ou muçulmano” no Brasil, os muçulmanos tendem a apoiar o Partido dos Trabalhadores e outras agremiações de esquerda. 

Um aspecto da comunidade árabe no Brasil, mais especificamente em São Paulo e no Paraná — em especial na área da Tríplice Fronteira (Brasil, Argentina, Paraguai) — que mais sobressai nos documentos é o fato de que, pelos cálculos americanos, enquanto os imigrantes tradicionais do Oriente Médio não dão muita importância à política, os novos imigrantes que chegam ao país são em maior número do Líbano, além de pobres e xiitas. 

“A política deles é mais radical e frequentemente procuram pelo Hezbollah como liderança. O consulado (dos EUA) não tem contato com esse grupo, que tende a se manter distante de nós”, diz o telegrama, que descreve vários encontros com os árabes residentes no Brasil tidos como moderados, especificando que “o engajamento muçulmano da missão (a embaixada dos EUA) permanece um trabalho em andamento”). 

“Ainda que a maioria dos muçulmanos do Brasil seja moderada, em termos de orientação, e a esmagadora maioria seja moderada em feitos e ações, existem elementos genuinamente radicais aqui, alguns na área de Foz do Iguaçu e outros entre a população de 20 mil xiitas que seguem o Hezbollah em São Paulo”, diz outro telegrama. Ele inclui a informação de que segundo o Instituto Futuro, entidade paulista formada por árabes muçulmanos sunitas, “imigrantes xiitas às vezes vêm ao Brasil com apoio do Hezbollah, supostamente com US$ 50 mil (cada) para abrir negócios que deem apoio ao Hezbollah no Líbano”. 

Os documentos ressaltam, ainda, o que os EUA não se conformam com o fato de o governo do Brasil não reconhecer o Hezbollah como um grupo terrorista. E, também, por não aceitar que essa entidade tenha focos no país com o intuito de arrecadar fundos para sua causa no Líbano. “Altos funcionários do governo brasileiro negam publicamente a possibilidade de que grupos terroristas ou indivíduos conectados a tais grupos operem ou transitem através do solo brasileiro, e protestam vigorosamente contra qualquer afirmação dos EUA que mencione sua existência”, diz um dos papéis. 

Os diplomatas americanos pegam carona em opiniões de colegas de outras nações sobre a pretensão brasileira de atuar politicamente no Oriente Médio. Eles dizem, por exemplo, que a Embaixada de Israel em Brasília “não vê o Brasil como um terceiro personagem neutro viável na região, devido à falta de conhecimento do governo brasileiro sobre a região; e à sua inclinação contra os interesses israelenses, em seus esforços para acumular a simpatia de quem apoie o Brasil para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU”.

 

 

Fonte: O Globo, José Meirelles Passos, 23/1/11.

 


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