Para neurolinguista de
Berkley,
voto não é decisão racional
Em
entrevista ao 'estado', George Lakoff diz que mesmo quem tem alto nível
educacional pode ser manipulado em uma campanha
George
Lakoff é um renomado neurolinguista da Universidade da Califórnia, Berkeley.
Mas foi seu ativismo político que o levou a dar palestras nos quatro cantos
dos Estados Unidos – dos auditórios de universidades a comícios eleitorais.
Lakoff é um apoiador ferrenho do Partido Democrata e dedica grande parte de
sua vida acadêmica – e de seus nove livros – a entender a divisão entre
progressistas e conservadores no seu país. O resultado deste trabalho foi
uma teoria cognitiva da política. Para ele, o conceito tradicional de razão
não consegue explicar o modo como os eleitores escolhem seus candidatos.
Emoções, subjetividades e metáforas seriam mecanismos inerentes ao nosso
cérebro e, portanto, inevitáveis.
Nesta entrevista ao
Estado, Lakoff explica estes conceitos e tenta remetê-los à política
brasileira. Ele afirma que mesmo um presidente com 80% de aprovação pode ser
derrotado pela oposição, desde que os opositores saibam se comunicar com o
público. Segundo ele, para vencer uma eleição é necessário "capacidade de
falar e ser entendido por todos; transmitir uma sensação de confiança; e ter
uma imagem com a qual o eleitor possa se identificar". O cientista aborda
ainda o fortalecimento do movimento conservador nos EUA e na Europa, e fala
sobre questões como empatia, importância da educação na política e os
diversos conceitos de democracia. Por fim, Lakoff advoga por um "novo
iluminismo", que abandone a noção de uma razão absoluta e lógica, e que
incorpore as descobertas científicas acerca da mente humana.
Neurolinguista explica
porque emoções influenciam no voto
No
livro The Political Mind (A Mente Política, em tradução livre), o sr. afirma
que progressistas e conservadores têm formas de pensar distintas e
inconciliáveis. Progressistas veriam o governo como um "pai cuidadoso" – que
protege e oferece possibilidades aos cidadãos –, enquanto conservadores
encarariam o Estado como um "pai austero" – a quem cabe ensinar uma rígida
disciplina. Até que ponto esta metáfora pode ser exportada para outras
partes do mundo?
Muita gente tem as
duas formas no cérebro simultaneamente e variam o seu uso. O cérebro tem
determinados circuitos, chamados "inibição mútua", em que a ativação de uma
forma de pensamento inibe a outra. Por isso, as pessoas podem ser
conservadoras em alguns aspectos e liberais em outros, desde que em questões
políticas diferentes. Fizemos um estudo empírico com um grupo, durante uma
eleição na Califórnia, e vimos que isso acontece com 18% dos eleitores.
Temos descoberto que o mesmo ocorre na Espanha, com as mesmas duas formas de
pensar, apesar de o país ter muitos partidos políticos. Os eleitores fazem
diferentes combinações das formas de pensar progressista e conservadora –
eles aplicam uma combinação se são social democratas, outra se são
democratas cristãos, e assim por diante. Isso também vale para a Alemanha.
Ou seja: estas formas de pensar se aplicam à Europa – certamente se aplicam
à Espanha e à Itália –, mesmo em sistemas multipartidários.
Então só há estas duas formas de pensar politicamente? Elas são universais?
Não. Um dos meus alunos fez um estudo na China e descobriu que há uma outra
forma de pensar, que reflete a estrutura familiar chinesa. Não sabemos quão
difundidas são as formas de pensar conservadora e progressista, mas esta
estrutura certamente funciona na Europa e em países com influência cultural
europeia.
Na
América Latina, por exemplo?
A América Latina seria uma possibilidade. Mas esta é uma pergunta empírica,
simplesmente não dá para dizer. Não se sabe exatamente onde funciona e onde
não funciona. O que nós sabemos é que não parece ser universal. O que parece
ser universal, contudo, é que a política aparentemente depende muito da
estrutura familiar. Mas ainda há muita pesquisa a se fazer.
O
senhor defende o uso de enquadramentos ideológicos e metáforas nos discursos
políticos. É possível fazê-lo sem manipular o eleitor?
A primeira coisa a ser entendida é que nós sempre vemos o mundo através de
um prisma ou de metáforas. São formas de pensar às quais recorremos todos os
dias. Não se pode pensar sem enquadramentos ideológicos, e provavelmente
mais da metade dos seus pensamentos são metafóricos. Além disto, a
organização política da mente baseia-se sempre em sistemas morais –
frequentemente com origem na estrutura familiar. E os pontos de vista
ideológicos são organizados dentro destes sistemas. Pontos de vistas são
independentes da linguagem – é a língua que se adapta a eles. Por isso, uma
mesma palavra pode ter significados diferentes para pessoas diferentes. No
debate sobre a reforma do sistema de saúde nos EUA, por exemplo, os
conservadores encaravam a questão como um problema de "liberdade" e,
portanto, um problema moral. Os Democratas, por outro lado, lidavam com a
polêmica como uma questão política e, por não discutirem o tópico no plano
moral, perderam muito apoio.
Em
que medida entender como o cérebro processa as metáforas importa no debate
político?
Importa muito! Conservadores frequentemente estudam marketing e sabem como
vender ideias. Sabem usar enquadramentos ideológicos, construção de
narrativas, metáforas e emoções de maneira muito eficaz. Mas progressistas,
nos EUA, tendem a estudar outros campos: eles se dedicam à ciência política,
às políticas públicas, ao direito e à economia. E esses campos tendem a
ignorar o funcionamento do cérebro. Estuda-se a razão iluminista – de acordo
com a qual pessoas pensam em termos da lógica formal, de forma literal e sem
emoções. As emoções atrapalhariam a capacidade de raciocínio. Com isso,
perde-se a maior parte do que foi aprendido com a neurociência. E um dos
problemas é que não se entende como a comunicação funciona. Os progressistas
continuam cometendo erros e não compreendem o tipo de sistema de comunicação
que os conservadores desenvolveram nos EUA. Conservadores têm institutos
para treiná-los e expô-los na televisão e no rádio, têm redes de
especialistas, têm linguistas para explicar qual a forma mais efetiva de
comunicação. Mas os progressistas não entendem isso. Eles acreditam que
basta falar dos detalhes políticos para serem claros. Só que isso nunca é o
bastante. O resultado é que os conservadores se fortalecem.
Barack Obama, na campanha presidencial, teria usado as estratégias de
comunicação de forma adequada?
Durante a campanha, ele usou os prismas ideológicos brilhantemente – usaram
todos os meus livros (risos). Foi quase perfeito. Mas desde que se tornou
presidente, ele adotou um estilo de comunicação diferente. Meio que se
esqueceu de tudo o que foi feito na campanha – e isso tem sido muito
custoso.
O
senhor afirma que é mais fácil mudar a forma como o eleitor pensa depois de
um trauma. O Brasil, no entanto, vive a situação oposta: o presidente atual
tem cerca de 80% de aprovação. É possível, numa situação como esta,
convencer o eleitor a votar na oposição?
Não conheço o suficiente da política brasileira, mas posso especular. Se
existirem, no Brasil, eleitores que chamo de "biconceituais" – ou seja, que
variam entre dois sistemas de pensamento –, e se a oposição tiver uma
comunicação excelente (e souber como explorá-la), então é possível mudar a
situação independentemente da popularidade do governo. Por exemplo, depois
da saída de Bill Clinton, os Estados Unidos estavam numa ótima posição
econômica, mas George Bush conseguiu comunicar-se muito bem, enquanto Al
Gore era péssimo.
Há
estudiosos que afirmam que o Brasil é um País que tende à esquerda. Por que
os países variam tanto no espectro ideológico?
Não sabemos com certeza. Suspeito que tenha relação com a cultura. Suspeito
também que tem a ver com a sofisticação política da esquerda em comparação
com a direita. Mas, novamente, precisaria conhecer um pouco melhor o Brasil
para responder corretamente.
Mas
o mesmo certamente se aplica a países na Europa.
Mas aí a situação fica complicada. A Holanda, por exemplo, tem problemas com
imigração. Existem questões sérias de racismo nestes países. Conservadores
estão avançando no norte da Europa, na Holanda, na Alemanha e em outros
países, e estão indo muito bem na Inglaterra atualmente. E, em alguma
medida, têm contratado consultores políticos americanos. Os conservadores
europeus estão tentando conquistar espaço usando as técnicas dos
conservadores americanos.
O
senhor argumenta que a forma de pensar dos conservadores é intrinsecamente
autoritária. É possível um governo ser conservador e democrático?
Depende do que você define como "democrático". Uma das melhores coisas que
Barack Obama escreveu foi sobre Democracia. Ele caracteriza a democracia
americana como fundamentalmente baseada em empatia, na habilidade de se
preocupar com o próximo. E é por isso que existem princípios como justiça e
liberdade para todos. E é por isso que a missão do governo seria a de
proteger e oferecer possibilidades aos seus cidadãos. Esta é a visão
progressista, que projeta na política a estrutura familiar do pai carinhoso.
É uma forma de encarar a democracia. Mas conservadores têm uma maneira
totalmente diferente de entender o que democracia significa. Eles acreditam
que os ricos e bem-sucedidos devem ter mais poder, porque merecem isso.
Democracia seria uma espécie de meritocracia. Deve haver grandes diferenças
de renda, pessoas que não são disciplinadas o bastante devem ser pobres. E
chamam isso de democracia, porque eles encaram a democracia como uma fonte
de oportunidades para quem é disciplinado.
Diz-se que, nesta eleição presidencial brasileira, os principais candidatos
têm uma visão política e econômica muito próxima. Como diferenciar
candidatos que compartilham de uma mesma forma de pensar?
Ah, de muitas maneiras. Primeiramente, um candidato pode acreditar em
pequenas ou em grandes mudanças. Um outro fator é a prioridade de cada
candidato. Alguns podem priorizar políticas ambientais, outros a saúde
pública, outros a política externa e assim por diante. Pode-se ter os mesmos
valores e prioridades diferentes. Falo muito disso em Moral Politics
(Política Moral, em tradução livre), meu primeiro livro sobre o assunto. As
pessoas simplesmente têm diferentes maneiras de decidir o que fazer e em que
momento. Além disso, há muitos tipos de progressistas: há quem ache que o
problema está na distribuição de renda, outros se preocupam com a questão
racial, há ainda os ambientalistas Etc.. Isto acontece porque existem
diferenças dentro de uma mesma forma de pensar.
Em
um país com sério déficit educacional, como o Brasil, o eleitor fica mais
suscetível à manipulação?
Não tem nada a ver. Pessoas com um alto grau de educação ainda são
manipuladas. Nas eleições, as questões mais importantes têm a ver com
valores morais e com o modo como são comunicados. Têm a ver com a capacidade
de se conectar com as pessoas, ou seja, falar e ser entendido por todos; com
transmitir uma sensação de confiança; e com ter uma imagem com a qual o
eleitor poça se identificar. Chamo isso de autenticidade. Se você parecer
autêntico, se compartilhar os valores da população, se o eleitor puder se
identificar e confiar em você, então votarão em você. E não é apenas uma
questão educacional. É questão de ter uma capacidade básica de se ligar às
outras pessoas, de sentir empatia, de se preocupar com outros, de saber com
quem se identificar e em quem não confiar. Uma das coisas bacanas da
democracia é que ela apela a estas questões, não apenas à educação.
O
senhor afirma que a empatia é inerente ao homem e a base da democracia. Mas
qual seria o papel político do egoísmo?
Lembre-se de que a empatia é essencial para a sobrevivência. É ela que
permite a formação de grupos sociais e nos faz cooperar - e cooperação é
crucial para sobreviver. Sim, existem interesses pessoais – o que é muito
sério –, e sim, existe empatia - o que também é muito sério. A ideia de que
somos naturalmente egoístas está errada. A pergunta então passa a ser: como
criamos nossos filhos para sentirem empatia pelo próximo? Temos que entender
que a criação importa muito, precisamos de instituições públicas que
dependam de cooperação, devemos ter um governo em que pessoas se preocupem
com o próximo...
O
senhor defende um "novo iluminismo". O quê isso significa? É realista
acreditar em um "novo iluminismo" em escala global?
Espero que sim, mas sei que é difícil. Um novo iluminismo implica entender
os avanços da neurociência e das ciências cognitivas – o que inclui perceber
que a empatia tem um papel imenso nas interações humanas e que a ideia de
democracia depende disto. precisamos entender como a mente realmente
funciona: um conjunto de circuitos neurais que envolvem prismas ideológicos,
metáforas e a construção inconsciente de narrativas. Precisamos entender que
as emoções são parte da razão e que nem todo mundo pensa do mesmo jeito.
Precisamos entender que sistemas morais são fundamentalmente metafóricos – e
não vêm de uma razão universal. E precisamos entender que existem muitos
sistemas morais diferentes e que a política é fundamentalmente baseada na
moralidade. Tudo isso requer uma nova compreensão do que o nosso cérebro é e
do que nossa sociedade significa. Esta é a definição de um novo iluminismo.
Fonte: Estado de S. Paulo, Lucas de Abreu
Maia, 24/4/2010.
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