Vexame duplo

 

Deputados caem no abismo do descrédito ao absolver colegas
que usaram caixa dois

Foto: Ailton de Freitas/Ag. O Globo
Roberto Brant (de gravata), ao festejar sua absolvição: confessou e saiu inocentado.
 

A Câmara dos Deputados absolveu na quarta-feira passada mais dois políticos envolvidos no escândalo do mensalão. Um dos absolvidos é do PT, o ex-líder do governo Professor Luizinho. O outro, do PFL, o ex-ministro da Previdência Roberto Brant. A votação secreta dos pares é soberana e democrática. Teria sido, portanto, uma noite de pleno funcionamento das instituições. Teria.

A votação, porém, entrará para a história como um daqueles momentos em que o abismo de descrédito dos políticos se aprofunda ainda mais, tendo já encontrado fundo de pedra há muito tempo. A absolvição de Brant e Luizinho foi fruto de um acordo entre políticos governistas e da oposição feito em nome do corporativismo que a cada dia mais distancia Brasília do Brasil. A absolvição contrariou as provas contra os deputados e a decisão anterior do Conselho de Ética, que votou pela cassação de ambos.

O Professor Luizinho recebeu 20.000 reais do valerioduto, colocou a culpa em um assessor e escapou com os votos de 253 deputados, contra 183 que defenderam a cassação. Brant recebeu 102.000 reais de Marcos Valério para sua campanha à prefeitura de Belo Horizonte, em 2004. Confessou o recebimento, mas alegou que o dinheiro fora doado ilegalmente pela Usiminas – Valério fora apenas um canal. Conseguiu o apoio de 283 colegas, contra apenas 156 favoráveis à cassação. Com a dupla absolvição, a Câmara passa a mensagem de que utilizar caixa dois não é um problema desde que os valores provados sejam pequenos.  

Os discursos que antecederam as votações foram testemunhos do acordo. De um lado, o petista Fernando Ferro subiu ao palanque para defender Brant. Do outro, o pefelista Mussa Demes pedia em público aos colegas de bancada que absolvessem Luizinho. Ao fim das votações, pefelistas e petistas se abraçaram e aplaudiram quando os resultados foram anunciados.

A crise do mensalão nasceu dentro do Congresso, com a revelação da compra de deputados  por  partidários  do  governo.  O

 

Dida Sampaio/AE
Professor Luizinho: com hombridade, colocou a culpa num assessor...

ideal seria que ela fosse resolvida também no âmbito parlamentar. Mas dia após dia os parlamentares dão a demonstração de que preferem passar uma borracha sobre os crimes dos colegas e deixar tudo como está – e a opinião pública que se lixe. Em uma crise de magnitude semelhante, a dos anões do Orçamento, no início da década de 90, os deputados conseguiram estancar o sangramento institucional, cassando seis parlamentares e provocando a renúncia de quatro. Na crise atual, apenas dois deputados foram cassados – o petista José Dirceu e o petebista Roberto Jefferson. Quatro já foram absolvidos, quatro renunciaram e outros nove ainda serão julgados, e muito provavelmente absolvidos. Em outra mostra de que os políticos querem abafar as investigações, foi descartada na semana passada a prorrogação da CPI dos Correios para investigar os novos suspeitos de terem se beneficiado do mensalão II.
 

Fonte: Rev. Veja, Ed. 1947, 15/3/06.


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