Universidades Federais ampliam vagas, mas alunos ficam sem estrutura 

  

Das 59 unidades criadas pelo governo desde 2005, apenas 14 delas têm sede.
Governo reconhece problemas nas universidades, mas diz que eles fazem
parte do crescimento "ousado"
 

Alunos de educação física de Santos, no litoral paulista, não têm quadra nem piscina, os de farmácia, em Vitória da Conquista (Bahia), usam vidros vazios de maionese para realizar experimentos e os estudantes de ciência da computação em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, não têm sequer computadores e podem até ter o curso encerrado na cidade.

Essa é a realidade da expansão universitária do governo Lula que teve seu boom a partir do final de 2005, quando foram criadas cerca de 18 mil vagas, elevando em quase 15% o número de cadeiras oferecidas em 2004 (123.959 vagas) nas federais.

Atualmente, são aproximadamente 140 mil vagas oferecidas por ano.

Das 59 novas unidades previstas para serem implantadas desde 2005, entre construção e ampliação de novas universidades e campi, apenas 14 estão prontas. As outras ainda estão em obras, em fase de licitação ou não saíram do papel.

Este é o caso, por exemplo, de campus da Unifesp em São José dos Campos, onde o curso de ciência de computação implantado em fevereiro deste ano pode fechar as portas na cidade, de acordo com o reitor Ulysses Fagundes Neto.

O motivo: ainda não há terreno definido para o campus. "Demos um prazo até o dia 27 de julho", disse o reitor.

Sem sede

Essa falta de sedes próprias deixa cerca de 13 mil alunos em unidades provisórias, alugadas ou emprestadas, onde, muitas vezes, não cabem os laboratórios ou não há espaço para todos os estudantes.

Segundo a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), um dos motivos para essa falta de estrutura foi o pouco tempo gasto no planejamento para a criação de cursos e unidades.

Muitos projetos foram desenvolvidos, no final de 2005, em um período de 30 ou 60 dias.

"Essa expansão não foi planejada. Não houve um planejamento de médio e longo prazos. Elas [as instituições federais] não tiveram, assim como o Ministério da Educação, tempo para criar todas as condições necessárias", disse Alan Barbiero, reitor da Universidade Federal do Tocantins e coordenador de um grupo da Andifes que acompanha a expansão da rede de ensino.

A vice-pró-reitora de graduação da Unifesp, Lucia de Oliveira Sampaio, disse temer que a falta de estrutura possa provocar a evasão de alunos e professores. "Certas coisas têm um tempo. Dizer: "Vamos mudar do dia para a noite", não existe.

Faz a coisa, pega, não tem lugar, o cara tem equipamento e não tem onde pôr. O planejamento foi muito rápido para a gente. Nós estamos num esforço astronômico para que a coisa dê certo", afirmou.

O secretário de Educação Superior, Ronaldo Mota, reconhece existir problemas, mas diz que eles não são mais importantes que as conquistas do "projeto ousado" do governo.
 

Fonte: Folha de S. Paulo, 15/7/07.
Colaboraram Alessandra Balles, da Redação e
 Simone Iglesias, da Ag. Folha, em P. Alegre.

 


Falta de estrutura prejudica alunos em novas Universidades federais 
 

Universidades recém-inauguradas no projeto de expansão do governo não têm equipamentos nem prédio próprio. Estudantes dependem de instrumentos alugados e chegam a comprar
até vidros de maionese vazios para fazer experimentos

O estudante de educação física Eric Blasques Dassouki, 18, da Unifesp (Universidade Federal de SP) de Santos, teve apenas três aulas práticas no primeiro semestre deste ano.

A grade curricular previa uma por semana. No segundo semestre, porém, ele não tem certeza se terá uma aula sequer.

A incerteza de Dassouki ocorre porque o campus santista, criado em fevereiro de 2006, ainda não possui prédio próprio. A universidade funciona em dois prédios alugados. A piscina e a quadra, indispensáveis para o curso, são emprestadas por clubes, mas nem sempre.

"Já chegamos a entrar na quadra para ter aula de basquete, mas fomos tirados de lá porque haveria um campeonato de handebol feminino. A piscina ficou um tempão interditada porque havia quebrado uma bomba", disse ele.

A primeira etapa do campus de Santos, em obras, deve ser concluída no início de 2008. Nessa etapa não está prevista, porém, a construção de quadra nem piscina – inclusa na segunda etapa. Quando ficará pronta?

"Não tem data. Temos que acabar o outro [prédio] primeiro", afirmou o reitor Ulysses Fagundes Neto.

Os prédios em Santos ficam distantes cerca de cinco quilômetros um do outro. Num deles ficam os computadores, noutro a biblioteca. Nenhum deles têm um laboratório experimental que os alunos de psicologia precisam.

"As aulas práticas foram transferidas para o segundo semestre por falta do laboratório", disse a estudante Maria Luiza Gonçalves, 21.

No ano passado, segundo a estudante, as aulas sobre o sistema respiratório não foram ministradas por falta de peças, não havia pulmão para estudo, e uma das poucas aulas de anatomia que sua turma teve foram realizadas no campus de São Paulo, a 85 quilômetros.

Distância é algo que a aluna de C&T Fernanda Toscano, 21, da UFABC (Universidade Federal do ABC), diz conhecer bem para assistir aulas. Assim como em Santos, as aulas são ministradas em duas unidades distantes porque os 1.500 alunos não cabem num campus só.

"Quando não consigo carona, eu venho a pé. Dá uma hora e 20 minutos."

O prédio da universidade deve ficar pronto em outubro.

O estudante de ciência da computação da Unifesp de São José dos Campos Victor Coelho, 19, também se diz infeliz com seu curso. "A situação está desanimadora. Tem muita gente pensando em desistir do curso. Eu mesmo sou um deles."

Coelho explica seus motivos. Para a turma de 50 alunos, a universidade conseguiu 25 máquinas emprestadas pela prefeitura, mesmo assim inadequadas para o curso. As aulas são assistidas em duplas. Durante as provas, metade da turma faz, a outra espera.

"Também não tem biblioteca, não tem lanchonete, não tem nada. A Universidade está jogando o nome dela no lixo."

Os alunos devem receber computadores no segundo semestre, segundo a reitoria, mas o curso pode ser fechado na cidade por falta de terreno para construir seu campus.

O aluno de farmácia João Carlos Menezes, 22, da federal da Bahia em Vitória da Conquista, disse ter levado um susto no início do ano letivo, em outubro do ano passado. "Só tinha cadeira, professor e quadro", afirmou ele.

Menezes diz que o material para os experimentos, como batata e iodo, são adquiridos pelo próprios alunos, até os vidros de maionese vazios.
 

Fonte: Folha de S. Paulo, Rogério Pagnan e Alessandra Balles, 15/7/07.

 


Para governo, os problemas da expansão universitária são normais 
  

Secretário de Educação Superior do Ministério de Educação nega ter havido falta de planejamento ou de recursos na expansão universitária
 

O secretário de Educação Superior, Ronaldo Mota, nega ter havido falta de planejamento ou de recursos na expansão universitária e diz que os problemas surgidos são naturais num projeto dessa dimensão.

"Quando você tira uma fotografia, você não vê o filme. Em uma fotografia de uma obra, por mais importante que ela seja, aparecem as coisas boas e as ruins. A seqüência da fotografia nós temos certeza que será muito positiva. Não somos ingênuos. Sabemos que fazer envolve enfrentar dificuldades, mas vale a pena", afirmou ele.

Para Mota, o principal motivo de problemas é a característica do projeto, que visa a interiorização.

"Para quem não quer dificuldade bastaria não crescer. Se quisesse menos dificuldades, era só crescer onde já tem. Não foi essa a opção do governo Lula. Foi exatamente a de procurar as regiões mais remotas, realizar um grande programa de interiorização."

Para demonstrar não haver falta de recursos, ele diz que há quatro anos as verbas de custeio para manutenção básica das universidades giravam em torno de R$ 550 milhões, passando hoje para R$ 1,2 bilhão.

Ao comentar as críticas dos reitores, de ter havido falta de planejamento de médio e longo prazos, ele disse que tudo foi feito "com conhecimento e consentimento" dos reitores e dos conselhos, mas admite que uma próxima etapa deve ser mais bem planejada.

"O Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais], a nova etapa de expansão, deve estabelecer um crescimento muito mais coerente. As universidades não precisarão fazer nenhum tipo de definição precipitada, poderão se planejar e se organizar a partir de uma disposição expressa e de forma muita clara."

Ao ser questionado se houve precipitação, então, na primeira etapa, ele voltou a dizer que não.

"O Reuni será um modelo mais harmônico, mas o anterior não teve problema de planejamento. Tínhamos consciência de que alguns problemas seriam enfrentados, mas não houve nenhum prejuízo essencial à qualidade, e serão resolvidos gradativamente."

Sobre as críticas de que a expansão teria sido feita no afogadilho com o objetivo eleitoreiro de munir os discursos de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

Mota também usou o Reuni. "É tão equivocada essa visão. O suposto candidato já ganhou. Por que, agora, vem um programa mais forte ainda e ninguém o acusa de eleitoreiro?", afirmou ele.

De acordo com o secretário, um dos principais problemas, a falta de pessoal, deve ser solucionado ainda neste ano, com a incorporação de 2.880 novos docentes e 5.000 técnicos administrativos, dos quais cerca de 2.000 professores e metade dos técnicos destinados à expansão.

"Isso consolida, de forma definitiva, a expansão."

Sobre a assistência estudantil, Mota afirmou que ela cresceu de R$ 32 milhões para R$ 53 milhões, de 2006 para 2007, mas é insuficiente. "Não tem a promessa que vai ter restaurante nem moradia para todos, mas certamente devemos ter uma atenção especial aos talentosos e carentes", disse.

Para os alunos, o secretário deu um recado.

"Mesmo com todas as dificuldades, eu tenho certeza de que a sua formação acadêmica final será muito positiva. Esses momentos que as primeiras turmas passam não são diferentes das experiências que as primeiras turmas das melhores universidades do país e do mundo tiveram." (RP)

Para reitores, burocracia afeta expansão

Um dos problemas enfrentados na expansão universitária, segundo diretores e reitores, são os trâmites burocráticos que distanciam o tempo da vontade e o da concretização de projetos.

"Não é como numa Universidade particular, em que você precisa de uma cadeira, vai lá e compra", diz a vice-pró-reitora de graduação da Unifesp, Lucia de Oliveira Sampaio.

Isso impede, disse, que os cursos em locais improvisados recebam investimentos porque os prédios não são da universidade.

A diretora do departamento de extensão e interiorização da Universidade do Amazonas, Mangela Ranciaro, também atribui à burocracia o fato de que ainda não terem começado as obras de dois dos novos três campi previstos.

O diretor do campus de Sobral da Universidade do Ceará, João Arruda, disse que pedidos de mudança no projeto de construção do campus fizeram com que, dos R$ 4 milhões necessários, apenas R$ 380 mil fossem liberados.

O reitor da Universidade do Piauí, Luiz Santos Júnior, não vê problemas. Dois dos três campi estão prontos – um aguarda Lula para a inauguração.

Processo foi apressado, dizem especialistas

A expansão do número de vagas nas federais era necessária, mas foi feita de maneira apressada, afirmam especialistas da área de educação.

"A política para a rede federal é uma das que, em linhas gerais, é acertada no governo Lula, mas não pode crescer sem estrutura", diz José Marcelino Rezende, professor da USP de Ribeirão Preto e ex-diretor do Inep (instituto de pesquisas educacionais, ligado ao MEC).

O calendário de implantação tem de ser minimamente consensual, e não "oscilar ao sabor eleitoral", diz ele, em referência ao grande número de vagas abertas antes do primeiro turno, no ano passado.

"Mas é importante ressaltar que, mesmo de um jeito atropelado, a expansão era necessária."

Tem opinião semelhante o reitor da Universidade Federal do Tocantins, Alan Barbiero, coordenador de um grupo da Andifes que acompanha a expansão. Para ele, os problemas serão ajustados.

"Claro que a situação não é a ideal. Quando a Unicamp começou, os laboratórios funcionavam nas garagens dos professores. Hoje, ela é uma instituição de excelência. Poderia ser mais bem planejada, mas o importante é que foi feita [a expansão]", afirmou.

Nelson Cardoso Amaral, professor da federal de Goiás que fez trabalho sobre o tema, também concorda.

"Foi tudo muito rápido, algumas decisões nem chegaram a passar pelos conselhos universitários, mas os problemas serão corrigidos nos próximos anos."

Já para Ryon Braga, da Hoper Educacional, o mais adequado é promover a inclusão social, mas por meio do ProUni [Programa Universidade para Todos] ou de projetos similares.

"Um aluno de instituição pública custa cinco vezes o de uma universidade privada. O governo conseguiria colocar muito mais alunos no ensino superior", afirmou ele.

O ProUni é um programa que também faz parte do projeto de expansão do número de vagas oferecidas pelo governo federal e que concede bolsas parciais e integrais em instituições privadas a alunos de baixa renda.

Para Amaral, a expansão das federais e das vagas oferecidas no ProUni precisa ser feita de modo paralelo. "O correto teria sido expandir as federais antes das bolsas do ProUni, mas o governo optou pelo contrário."

Neste ano, foram ofertadas 108.642 bolsas no primeiro semestre e 54.816 no segundo, e o valor estimado da renúncia fiscal foi de R$ 126.050.707. Em 2006, foram 138.668 bolsas – renúncia de R$ 114.721.465.
 

Fonte: Folha de S. Paulo, 15/7/07.

 


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